05 Setembro 2017
"Ser homossexual não significa aderir a um programa político e de valores inquestionável. A pluralidade e até mesmo os conflitos dentro das comunidades LGBT são bem mais presentes do que aparece na mídia" escreve Aurelio Mancuso, presidente de Equality Italia, publicado por Avvenire, 02-09-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caro diretor, o artigo de domingo 20 de agosto de Luciano Moia “Escoteiro gay, um caso a ser enfrentado", convida-me a uma reflexão que gostaria de compartilhar em Avvenire, ciente de que a questão é complexa, vezes demais é tratada com paixão digna de torcedor, mas que ao contrário questiona também as pessoas homossexuais. Como gay crente percebo que o artigo enfrenta a essência do debate dentro e fora da Igreja: qual o caminho a ser seguido em relação às pessoas homossexuais, às suas aspirações (relativamente nova, e que marca uma clara mudança na vivência gay) por uma união sentimental, às perguntas que surgem com respeito à doutrina e à vida cristã diária. De maneira coerente com as reflexões que eu sempre expresso publicamente, reitero a crença de que discutir o casamento gay, uniões civis, famílias e amores, sem partir do reconhecimento mútuo das diferenças, não vai ajudar nem os não-crentes e nem os católicos a dar um passo adiante no sentido de uma real compreensão.
Com o meu companheiro no dia 17 dezembro de 2016, fomos a uma igreja em Roma e um nosso amigo sacerdote nos abençoou. Um momento privado, longe dos festejos e da vida social, compartilhado apenas por alguns amigos e familiares, em oração comunitária. A nossa união civil só será realizada em 2019. Dois momentos distintos, assim como deveriam ser o matrimônio cristão e o contrato civil entre casais heterossexuais.
Eu e Massimiliano não reivindicamos nenhum casamento, não por obséquio às disposições canônicas, mas porque como católicos que trilharam diferentes caminhos de fé, pensamos que a criação é multiplicidade e que a história da Igreja é um caminho longo, que com dificuldade, pelo menos desde o Concílio Vaticano II (e, em retrospectiva, mesmo em períodos históricos bem mais distantes) predispôs o cristianismo universal a um discernimento em que nos reconhecemos. A palavra matrimônio é, por evolução histórica, ligada à união entre um homem e uma mulher; no nosso caso, isso não nos incomoda e, na verdade, até nós encoraja a construir a nossa vida comum de amor, respeitando a nossa peculiaridade, que não pode ser diminuída em relação aos direitos que o Estado deve reconhecer. A prudência, quando não é omissão, é benéfica para o conhecimento, o acolhimento e a busca de espaços e lugares de oração e conversão mútua.
Nesse sentido, a nossa experiência nos permite dizer que a reflexão em sua totalidade, tanto no âmbito teológico como no pastoral, não pode ter como ponto de referência 'os atos homossexuais', mas o testemunho de vida das pessoas e dos casais homossexuais, pelo menos aqueles católicos. Além disso, não devem ser confundidos movimentos e campanhas para o reconhecimento dos direitos humanos e civis, com os comportamentos e escolhas dos indivíduos. Como casal, nos reconhecemos no intenso esforços das últimas décadas de milhares de pessoas homossexuais para que milhares de cidadãos saíssem da clandestinidade social e política.
Essa irrefutável 'libertação' deve ser investigada no seio da Igreja, indo além do inevitável conflito que marcou em relação à mensagem doutrinal. Hoje, tantos e tantas crentes homossexuais tomam coragem, porque sentem que ser autênticos, pode causar choque e até mesmo aversão, mas é a única possibilidade de ser coerentemente católico. Ser homossexual não significa aderir a um programa político e de valores inquestionável.
A pluralidade e até mesmo os conflitos dentro das comunidades LGBT são bem mais presentes do que aparece na mídia. Em especial, sobre a paternidade desenvolveu-se nos últimos anos um confronto duríssimo entre aqueles que evocam o 'direito de serem pais' independentemente das condições e dos instrumentos a serem utilizados e aqueles que, como o nosso casal, pensam que o direito primordial seja da criança ter figuras parentais dedicadas, e que não seja possível, de forma alguma, 'doar' as crianças, e muito menos comprá-las.
Há muitas maneiras de ser pais e, quando pensamos sobre o drama de milhões de crianças ainda hoje abandonadas e/ou órfãs, talvez um terreno comum para a assunção de responsabilidade por parte dos adultos, independentemente da sua orientação sexual, possa ser encontrado. Sobre este e outros temas haveria muito mais a dizer, mas eu quero concluir explicando que não esperamos gestos clamorosos ou mudanças revolucionárias, mas capacidade de escuta.
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Eu, crente gay, busco Deus e peço escuta, não fingimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU