14 Julho 2017
Um chefe escoteiro “celebra” uma união civil com o companheiro. O pároco pede que ele renuncie à luz das suas responsabilidades educativas. O vice-pároco freia. A comunidade se divide. O clima é pesado. Mas, depois de cerca de 20 dias, a intervenção do arcebispo surpreende a todos. Ele rejeita o papel de juiz, não absolve nem condena. Mas convida a comunidade a refletir junto para entender se, mesmo a partir de um evento tão divisivo, podem ser captados aspectos da graça.
A reportagem é de Luciano Moia, publicada no jornal Avvenire, 12-07-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma intervenção em nome da moderação que foi decidida pelo arcebispo de Gorizia, Carlo Roberto Maria Redaelli, que, nos últimos dias, apresentou ao conselho presbiteral e ao pastoral uma ampla reflexão sobre o caso Staranzano, a pequena cidade às costas de Monfalcone, palco de um caso que, antigamente, teria sido definido como pruriginoso.
Partindo dos Atos dos Apóstolos e, em particular, da descrição do Concílio de Jerusalém (At 15) – onde se decidiu como organizar a convivência entre os cristãos provenientes do judaísmo e os convertidos do paganismo – Redaelli propõe que se siga a mesma indicação. Escutar o Espírito, sem pretender encontrar receitas prontas nas Escrituras ou na tradição canônica.
A passagem se encontra em um texto de Carlo Maria Martini (Cristiani coraggiosi. Laici testimoni nel tempo di oggi, Milão, 2017) que Redaelli define como “um grande mestre do discernimento”.
Redaelli foi ordenado sacerdote pelo arcebispo de Milão, falecido em 2012, e depois nomeado advogado-geral da Cúria ambrosiana. Agora, a referência a Martini serve para introduzir aquilo que pode parecer estranho e, talvez, para alguns, até mesmo inoportuno. Isto é, “diante daquilo que criou contrastes e celeuma”, pode-se ousar perguntar quais são os aspectos da graça presentes.
Redaelli recorda a passagem de Paulo na Carta aos Romanos (“Sabemos que tudo concorre para o bem dos que amam a Deus”). Mas certamente não para concluir que tudo – e, em particular, as escolhas feitas pelos protagonistas do caso – pode ser definido como “bem” de forma simplista. Mas para repassar a história com a lâmpada daquele discernimento que, além de Martini, também é indicado como práxis virtuosa pelo Papa Francisco na Amoris laetitia.
A exortação pós-sinodal sobre a família é mencionada explicitamente para lembrar, sintetiza Redaelli, que “aqueles que esperam ou pretendem, sempre e em toda a parte, princípios claros, abstratos e imutáveis (...) só podem ficar desapontados”. Critério de humildade e de realismo ainda mais válido quando nos defrontamos não com princípios abstratos, mas com a intimidade dos sentimentos das pessoas.
Justamente a oportunidade do debate é o primeiro dos aspectos da graça indicado pelo bispo de Gorizia. Como a graça “é o progressivo amadurecimento da convicção de que o discernimento está se tornando cada vez mais a figura fundamental do agir pastoral”. Mas também “a atenção respeitosa, partícipe e, às vezes, sofrida aos caminhos pessoas de cada um”.
Sobre esse aspecto, Redaelli recorda o direito ao respeito e à dignidade pessoal, que significa uma atitude não julgadora. A graça então – e aqui chegamos a um dos pontos mais delicados, mas também mais corajosos da carta – também significa “identificar a vontade de Deus para a própria vida na concretude da situação em que nos encontramos”.
É o grande princípio do “máximo bem possível” aqui e agora – reiterado várias vezes na Amoris laetitia –, que se opõe à lógica farisaica do “mínimo indispensável”. E, se é verdade que nunca se deve renunciar a propor o ideal evangélico, “sabendo distinguir bem as diversas situações de partida”, é igualmente verdade – escreve o bispo de Gorizia – “não entrar em julgamentos fáceis e não substituir a responsabilidade de cada um”.
Seria fácil concluir que o discernimento é quase um meio para tornar aceitável toda escolha e zerar toda reivindicação ética. Em vez disso, a verdade é justamente o contrário. Tanto que Redaelli, continuando na sua lista dos aspectos da graça, explica que, também no que diz respeito ao amor, “os diversos modos de sentir difusos hoje, embora tendo aspectos de verdade, são muitas vezes redutivos”.
E, portanto, não é preciso ter medo de definir como “redutivo” o lugar-comum segundo o qual “o que importa é que duas pessoas se amem, independentemente de quem sejam, dos compromissos que assumiram, da responsabilidade para com os outros e também da qualidade do seu amor”. Assim como “redutivo” é conceber a liberdade “como fazer aquilo que o indivíduo considera, independentemente não só da comparação com aquilo que é justo e o que não é, mas também da relação com as pessoas e da responsabilidade para com elas e para com a comunidade”. E que, tem um papel educativo que exige responsabilidade particular deve desenvolver uma consciência que, por sua vez, deve ser enquadrada nas categorias da graça.
Mas como traduzir essas reflexões em escolhas concretas?
O bispo está consciente de que tanto a realidade, quanto o trabalho de discernimento e de aprofundamento teológico e pastoral da Igreja “estão em contínuo desenvolvimento”, porque deve lidar com temáticas inéditas que, antes, não existiam ou acabavam em silêncio. Daí a necessidade de abordar temáticas (como, justamente, o amor homossexual) com humildade, ainda mais “quando estamos diante de questões novas e complexas”, sobre as quais a reflexão eclesial não está totalmente madura, e as opiniões são diversas.
É o mesmo critério que deve ser adotado pela Agesci [Associação dos Chefes e Escoteiros Católicos Italianos] – conclui Carlo Roberto Maria Redaelli –, que tem a necessidade de “propor hoje determinados valores com uma abordagem diferente do passado”. Isso vale em particular para o tema dos afetos e para outras questões “que, até pouco tempo atrás, quase não eram nem mesmo concebíveis”.
A escolha, em suma, não cabe ao bispo com uma intervenção autoritária de cima, mas às próprias realidades eclesiais que atuam no âmbito educacional, que, ao longo desse caminho de discernimento, seguramente nada fácil, devem “chegar a algumas indicações compartilhadas e sábias”.
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Chefe escoteiro: “Sou gay”. E a comunidade discerne - Instituto Humanitas Unisinos - IHU