12 Mai 2017
Estilizado pela imprensa brasileira como um duelo de boxe, o esperado interrogatório do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz federal Sérgio Moro, nesta quarta-feira (10/05) em Curitiba, arrastou-se por cinco horas sem grandes novidades. A expectativa de um confronto entre um Moro inquisidor e um Lula desafiador não se materializou. O tom geral foi cordial, apesar de algumas poucas trocas de farpas.
A reportagem é de Jean-Philip Struck, publicada por Deutsche Welle, 11-05-2017.
Acabaram se confirmando as previsões mais óbvias. Lula, ensaiado, deu na maior parte das vezes respostas com o objetivo de consolidar sua defesa jurídica. Ele também aproveitou politicamente o episódio, pontuando suas falas com acusações contra a Operação Lava Jato, que, segundo ele, tenta criminalizar seu governo, e depois ainda participou de um ato ao lado de apoiadores, onde voltou a se colocar como vítima da operação e reforçou suas ambições eleitorais. "Quero dizer para vocês que estou vivo e me preparando para voltar a ser candidato em 2018", afirmou aos apoiadores.
Moro, por vezes engessado, praticamente seguiu um roteiro básico de perguntas em mais uma etapa da ação penal que tramita contra o ex-presidente por suspeita de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em comum, esses dois personagens têm consciência clara do papel desempenhado pela opinião pública na condução da Lava Jato. Moro já escreveu que o apoio da população é fundamental para a continuidade e sucesso da operação.
Mas analistas ouvidos pela DW disseram que o depoimento de Lula não deve causar muito impacto político e na opinião pública. "Quem já tem uma posição crítica em relação ao Lula não vai mudar o que pensa. Os segmentos que simpatizam com o ex-presidente provavelmente vão continuar com ele. Ninguém vai ver cinco horas de depoimento para notar contradições e frases evasivas ou avaliar objetivamente a postura de Moro", afirmou o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio.
Segundo ele, Lula não foi bem-sucedido na tentativa de reforçar seu argumento de que Moro age por impulso e motivações pessoais. "Ele não conseguiu colocar em Moro a pecha de juiz perseguidor com esse depoimento, pelo menos não para um público mais amplo do que os seus apoiadores. Politicamente, teria sido mais interessante para Lula se Moro tivesse agido de uma maneira mais agressiva", afirmou.
Já para David Fleischer, da UnB, o depoimento acabou servindo apenas à narrativa que Lula tem propagandeado, que tem semelhanças com a tática adotada na época do escândalo do mensalão: se algo aconteceu, foi responsabilidade de outras pessoas, e ele não sabia de nada. "Lula voltou a assumir o papel de perseguido. Se vendeu mais uma vez como um mártir e conseguiu transformar a coisa em um comício. Ele já disse que 'quer ser julgado pelo povo' em eleições, mas isso só tem funcionado para os já convertidos e que já declararam apoio", afirmou. "Por outro lado, isso não melhora a situação dele juridicamente. Legalmente, essa foi mais uma etapa de um processo que parece indicar uma condenação. Aí, todo o discurso político vai ser inútil se ele for impedido de se candidatar", afirmou.
O depoimento faz parte da ação penal em que Lula responde à acusação de ter recebido 3,7 milhões de reais em propina da empreiteira OAS. O valor não teria sido pago em espécie, mas se refere a um tríplex no Guarujá e ao aluguel de um depósito para guardar objetos que o ex-presidente recebeu durante seu governo. Esses "presentes", segundo o Ministério Público Federal, eram originários de dois contratos firmados entre a empreiteira e a Petrobras.
Ao responder, Lula negou ter qualquer relação com o imóvel após ele ter sido objeto de várias reformas dispendiosas realizadas pela OAS e disse que qualquer ligação seria apenas resultado do interesse de sua mulher, Marisa Letícia, já falecida. Segundo Lula, ela realizou uma visita ao apartamento já reformado sem o seu conhecimento. "Não sei se o senhor tem mulher, mas nem sempre ela pergunta para a gente o que vai fazer", disse ele a Moro.
Já o segundo eixo da acusação envolve o pagamento do aluguel de um depósito que, entre 2011 e 2016, guardou bens e presentes que Lula recebeu como presidente. Segundo os procuradores, a OAS desembolsou 21,5 mil reais por mês para o aluguel. O valor acumulado chega a 1,3 milhão de reais. O contrato apresentado pelo MPF mostra que tudo foi acertado pela OAS, que aparece como contratante. No depoimento, Lula disse não ter conhecimento sobre o papel da OAS no aluguel. Disse que isso foi tratado por Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula.
Para o criminalista Adib Abdouni, o interrogatório foi apenas mais uma etapa do processo e não deve ter impacto legal determinante. "O depoimento não trouxe nenhuma novidade. Lula apenas repetiu o que os advogados já vem apresentando ao tribunal: que é inocente, não sabia de nada e está sendo perseguido pela Justiça", disse.
"Só foi interessante porque foi a primeira oportunidade de juiz e réu estarem frente à frente. É importante psicologicamente. Serve para o juiz sentir a sinceridade do réu. Resta saber como Moro vai interpretar o que Lula disse", completou. Ainda segundo Abdouni, a fase determinante do processo deve ser a de instrução complementar. "Nela mais testemunhas vão ser ouvidas, e novas provas devem ser coletadas. O interrogatório é apenas uma peça, que dificilmente é fundamental num processo."
O jurista Luiz Flávio Gomes também concorda que o interrogatório deve ter pouco impacto no processo. "Só se falou aquilo que o próprio Lula já havia argumentado antes", disse. Segundo ele, essa etapa só poderia gerar fatos políticos. "Moro foi comedido e também não deixou Lula usar a sala como palanque. Lula teve que fazer isso na rua", disse.
Segundo Gomes, o episódio serviu para lembrar que o Ministério Público ainda precisa apresentar provas contra Lula. "O que já vinha sendo mostrado mesmo antes do interrogatório não é sólido. Só há indícios. Se ficar só no depoimento do Léo Pinheiro [empreiteiro da OAS], o Lula vai acabar absolvido. Cabe aos procuradores mostrarem algo mais cabal. Nenhum deles citou um documento que de fato liga o triplex e o depósito a um esquema específico de propina para fraudar um contrato", disse. "Juridicamente, esse depoimento não alterou nada, nem para Lula nem para o Ministério Público."
Se considerado o histórico de Moro em outros casos da Lava Jato, é possível estimar que a ação contra Lula possa ter um desfecho nos três próximos meses. Esse costuma ser o tempo médio que o juiz leva para proferir uma decisão após o interrogatório de um acusado. Depois disso, os casos costumam ser remetidos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, que costuma levar um ano para julgar um caso novamente. Se condenado em segunda instância antes de julho de 2018, quando ocorrem as convenções partidárias, o objetivo do ex-presidente de voltar ao Planalto pode ser enterrado pela Lei da Ficha Limpa.
"Até o meio do ano teremos uma sentença, seja para condenar ou absolver", afirmou em março o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol. Nos tribunais, a defesa do presidente tenta ganhar tempo. Seus advogados já pediram a uma instância superior da Justiça Federal e ao Superior Tribunal de Justiça para que o processo seja suspenso. A alegação é que o volume de documentos do caso é muito grande e precisa de mais tempo para ser analisado. Também já pediram em diversas oportunidades que o caso seja retirado das mãos de Moro, a quem acusam de agir politicamente.
A estratégia até agora não tem tido sucesso, e o caso tem avançado em Curitiba. Em outra ação nas mãos de Moro em que Lula é réu, e que envolve a Odebrecht, a defesa convocou 87 testemunhas de defesa, o que levou a acusações de usar truques duvidosos para atrapalhar o andamento. Além da ação que contou com depoimento desta quarta-feira, Lula é réu em outros quatro processos.
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Lula versus Moro: muito barulho, pouca novidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU