26 Abril 2017
O Papa Francisco estará mais ocupado do que nunca nos próximos meses. Suas atividades deverão ter um importante impacto na renovação contínua da Igreja e - se tivermos sorte - vão estimular melhores perspectivas para a paz mundial.
A reportagem é Robert Mickens, publicada por Commonweal, 24 de abril de 2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Pelo menos é o que ele e seus colaboradores do Vaticano esperam e oram para que aconteça. E, claro, a esperança brota eternamente no peito do homem e a oração está no coração dos que creem.
Francisco, agora com seus oitenta e um anos, não mostra nenhum sinal de estar diminuindo o ritmo. Na verdade, seus movimentos têm um senso de determinação e urgência ainda maior. Ele é claramente um homem em missão para revitalizar e unir o cristianismo global e semear paz, diálogo e amizade em todo o mundo.
O próximo capítulo dessa missão começou simbolicamente no último sábado à tarde, quando o papa jesuíta fez uma pequena viagem à Basílica de São Bartolomeu, na Ilha Tiberina, em seu agora famoso Ford Focus azul. A ilha é uma pequena faixa de terra no rio Tibre que se estende por uma distância de cerca de três campos de futebol. Se o papa tivesse ido de barco, seria um pouco menos de uma milha e meia abaixo do Vaticano.
A Ilha Tiberina localiza-se nas águas turvas do rio como um navio ancorado. Duas pontes de pedra funcionam como as pranchas de uma embarcação marítima. Uma conecta a ilha às margens orientais do rio e à Roma original (começando com a Grande Sinagoga de Roma e o antigo gueto judeu). A outra liga à margem ocidental e ao Trastevere, famoso bairro da cidade (que significa "além do Tibre").
A ilha é associada à cura há muito tempo. Na verdade, a Basílica de São Bartolomeu, originalmente construída no final do século X, fica sobre o que já foi um templo, construído em 289 a.C. em homenagem ao deus grego da medicina, Asclepius. Em frente à igreja há um hospital do século XV, administrado pelos Irmãos de São João de Deus (os Fatebenefratelli) e, ao lado, uma clínica judaica fundada mais recentemente.
A Basílica de São Bartolomeu está sob os cuidados da Comunidade de Sant'Egidio desde 1993, quando o movimento eclesial leigo transformou-a em um ponto de encontro para promover melhores relações entre judeus e católicos, especialmente na Cidade Eterna e na Itália.
Na mesma época, Sant'Egidio usou a Basílica como centro de seu trabalho de diálogo e cooperação ecumênica, especialmente com as Igrejas Ortodoxas do Oriente, para as quais o Apóstolo Bartolomeu continua sendo uma figura importante. Vários líderes das Igrejas Ortodoxas e até mesmo da Igreja Reformada participaram de conferências e cerimônias de oração conjunta patrocinadas pela comunidade na Itália. Entre eles estão o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, e o antigo Arcebispo de Canterbury, Rowan Williams.
O Papa precisará de toda a ajuda possível nas próximas semanas.
O projeto mais significativo dos últimos tempos para a Basílica de São Bartolomeu aconteceu em 2002, quando João Paulo II designou a igreja como um memorial aos "novos mártires" do século XX. Tal distinção foi então ampliada para incluir mártires e "testemunhas da fé" do próprio século XXI.
Mantém-se neste "santuário" a memória de vários cristãos famosos de todas as denominações. Entre eles, estão Martin Luther King Jr., dos Estados Unidos; o Arcebispo (e agora beato) Oscar Romero, de El Salvador; o teólogo e pastor protestante alemão Dietrich Bonhoeffer e o cardeal Juan Jesús Posadas Ocampo, do México.
Mas há também vários cristãos comuns e até mesmo anônimos que - como diz Sant'Egidio - "em situações de extremo perigo escolheram a solidariedade, a caridade e a amizade e pagaram com suas vidas".
Muitos foram perseguidos por sua fé e morreram sob os regimes totalitários das eras nazista e soviética. As memórias das vítimas do genocídio armênio durante a Primeira Guerra Mundial também estão guardadas lá, assim como dos sete membros anglicanos da Irmandade Melanésia que foram martirizados em 2003 nas Ilhas Salomão.
Relíquias de muitos desses "novos mártires" são preservadas e veneradas nas várias pequenas capelas junto às paredes internas de São Bartolomeu.
Pela antiga ligação da Ilha Tiberiana com a cura e a relação mais recente da Basílica com o encontro e o testemunho ecumênico, é muito simbólico que o Papa Francisco tenha iniciado a próxima etapa de sua missão neste lugar.
Afinal, este é o papa que comparou a Igreja a um "hospital de campanha pós-batalha" e arriscou perder prestígio para se encontrar e alcançar outros líderes cristãos, como o chefe da Igreja Ortodoxa Russa e tele-evangelistas nos Estados Unidos. O primeiro lidera uma comunidade que considerou a Igreja de Roma como sua rival por muito tempo e algumas pessoas do segundo grupo veem a Igreja Romana como a "prostituta da Babilônia".
Mas Francisco é incansável. De forma surpreendentemente não ideológica, ele procurou unir as vozes e as ações de todas as comunidades cristãs, apesar de suas enormes diferenças teológicas, litúrgicas e logísticas. Ironicamente, isso suscitou medo e desconfiança, principalmente entre os católicos que se dizem "tradicionais". Mas o Papa avança com firmeza e perseverança.
O serviço de oração na ilha Tiberina, na Basílica de São Bartolomeu, pode ser visto como uma forma de se inspirar pelos novos mártires e recorrer à sua intercessão nesta missão. O Papa precisará de toda a ajuda possível nas próximas semanas.
Isso é especialmente verdade no caso de sua visita no final da próxima semana (28-29 abril) ao Cairo , onde terroristas islâmicos recentemente bombardearam as igrejas cristãs coptas, matando dezenas de fiéis. Francisco se reunirá com o Papa da Igreja Copta Tawadros II. E será acompanhado por Bartolomeu I em uma conferência internacional de paz convocada pelo Sheikh Ahmad el-Tayeb , grande imã da Universidade al-Azhar e principal líder muçulmano no Egito.
O próximo grande evento do Papa Francisco acontecerá duas semanas depois, durante sua visita de 12 a 13 de maio ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima em Portugal. Lá, ele canonizará dois dos pastores que testemunharam as supostas aparições da Virgem Maria. E deve trazer novos insights sobre a piedade mariana e o significado prático e substancial que ela pode e deve ter para os crentes hoje.
Duas semanas depois de retornar de Fátima, o Papa fará uma visita de um dia, em 27 de maio, à cidade portuária de Gênova, no norte da Itália. Curiosamente, a viagem à arquidiocese não consta na lista das próximas visitas papais do site do Vaticano, embora conste o programa completo da visita de Francisco a Bolonha - que não acontecerá até outubro.
A visita a Gênova marcará uma virada importante na vida católica na Itália e na sua liderança episcopal. Poucos dias antes, o Papa terá nomeado o novo presidente da Conferência Episcopal Italiana, que substituirá, ao término de seu mandato, o atual líder, o Cardeal Angelo Bagnasco, que também é Arcebispo de Gênova. O cardeal, que não tem sido grande partidário ou forte apoiador de Francisco, está perto de se aposentar. E a visita papal à arquidiocese será a cerimônia de homenagem ao tempo de contribuição de Bagnasco, ainda que aconteça vários meses antes de seu aniversário de setenta e cinco anos, em janeiro.
Durante a visita do Papa Francisco a Gênova, o presidente dos EUA estará na Sicília para participar da última cúpula do G7 das nações democráticas consideradas como as principais economias industriais. Será que Donald Trump vai a Roma para encontrar o Papa? A equipe de Trump já havia afirmado que a logística seria muito complicada, já que o presidente estará em Bruxelas para uma reunião da OTAN no dia 25 e precisa estar de volta a Washington no dia 29 para cumprir seus deveres presidenciais no Memorial Day. Segundo seus assessores, seria inviável para ele e seu enorme aparato de segurança passar mais uma noite em Roma. Mas agora o porta-voz do presidente está com um discurso diferente.
"Entraremos em contato com o Vaticano para ver se é possível agendar um encontro com o papa", disse o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, nesta semana. "Seria uma honra termos uma reunião com Sua Santidade", acrescentou.
Se Donald realmente quiser encontrar Francisco, ele vai encontrar uma forma. Mas essa reunião seria o encontro mais arriscado de sua recente presidência. A Santa Sé não vai permitir que Trump fabrique detalhes da audiência papal privada em benefício próprio, algo que o presidente já ficou conhecido por fazer em outras ocasiões com outras pessoas.
Enquanto isso, o próximo grande evento no calendário do papa é em 29 de junho, a festa dos apóstolos São Pedro e Paulo, em Roma. Este evento tradicionalmente também marca o fim do ano eclesiástico, pelo menos para a Cúria Romana. Ou marcava. Como todos sabem, Francisco não tira férias no verão, portanto muitos no Vaticano têm de ficar na cidade.
No entanto, há uma estranha omissão no calendário de junho do Papa. Ele não está programado para realizar o habitual Angelus de domingo no dia 25 desse mês. Pode ser apenas um erro de digitação. Mas também pode significar que Francisco está vislumbrando outra viagem ao exterior que ainda não foi anunciada. E poderia ser para qualquer lugar, como o Iraque ou até mesmo a Síria. Ambos já foram sugeridos.
Se estiver em seus planos, o Papa poderá discutir esta questão na próxima semana com seus nove cardeais conselheiros (C9) durante seus encontros de segunda a quarta-feira, durante sua décima nona sequência de reuniões. Este pequeno grupo é o principal órgão pelo qual Francisco está decidindo como reformar a Cúria Romana e cumprir sua tarefa de guiar a Igreja global.
Muitas vezes ele informa as novas iniciativas a esse grupo de homens antes de qualquer outra pessoa. Ele pode mencionar o assunto de uma viagem ao exterior programada para junho ou algo mais que esteja planejando. Lembre-se de que ele compartilhou com eles seu plano de realizar o primeiro consistório de seu pontificado meses antes de anunciar formalmente os nomes dos novos cardeais. Talvez nesta última rodada ele anuncie planos para um consistório na Festa de São Pedro e São Paulo, conforme especulações.
Mas, se for este o caso, Francisco terá que expandir o número de cardeais eleitores para além dos 120 atuais, porque há poucas vagas em aberto. Ele poderia aumentar o número de eleitores através de uma derrogação temporária da norma (como fez João Paulo II por diversas vezes) ou poderia redefini-lo legalmente.
De qualquer maneira, esses movimentados e importantes eventos papais começaram a acontecer no sábado passado, na Ilha Tiberina, inspirados justamente pelas testemunhas da fé e por seus novos mártires.
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O próximo estágio da missão de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU