25 Abril 2017
Enquanto o Papa Francisco se prepara para a visita de dois dias ao Egito no final da semana, analistas preveem que ele terá de encarar uma série de escolhas difíceis durante o tempo em que estiver no país. A viagem poderá ser uma das mais delicadas deste seu pontificado.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 24-04-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em certo sentido, espera-se que Francisco manifeste solidariedade à comunidade copta cristã do país na sequência dos bombardeios suicidas de 9 de abril que mataram 45 pessoas em duas igrejas. Há, porém, o receio de que se o papa for incisivo demais, poderá desencadear mais ataques de extremistas muçulmanos.
Num outro sentido, alguns esperam que Francisco denuncie o silenciamento da oposição política sob o presidente egípcio Abdel Fattah el-Sisi, que assumiu o poder após um golpe em 2013 que depôs o líder eleito Mohamed Morsi. Mas, se falar demais,
Francisco poderá irritar o seu anfitrião e pôr em perigo os esforços que Sisi tem feito para a proteção dos cristãos.
“Há muitas minas terrestres”, disse Dwight Bashir, especialista na região que, há décadas, estuda e viaja pela região.
“Como é possível se aventurar?”, perguntou-se Bashir, diretor de pesquisa e política pública para a Comissão sobre Liberdade Religiosa Internacional dos EUA. “Há muita antecipação sobre esta visita porque não está claro como ela vai ser”.
Francisco falará com Sisi em privado ao chegar ao Cairo no dia 28 de abril. Os dois se reunirão no palácio presidencial antes de o pontífice se dirigir à Mesquita de al-Azhar, onde discursará num congresso sobre a paz organizado pelo Grande Imã Ahmed el-Tayeb.
Augustus Richard Norton, autor de vários livros sobre reforma política no Oriente Médio e que atua como professor visitante no Centro al-Ahram, no Cairo, disse achar que “vale se aventurar” nas minas terrestres que permeiam a oposição política no Egito.
Norton falou que, desde o golpe de 2013, milhares de egípcios foram mandados para a prisão com pouco respeito ao devido processo legal, simplesmente com base em suspeitas de formarem oposição a Sisi. Alguns destes presos sãos os líderes da revolução de 2011 que derrubou Hosni Mubarak, figura que vinha governando o país desde 1981.
“Isso me parece terrível”, disse Norton, professor de antropologia e relações internacionais da Universidade de Boston. “É o tipo de coisa que espero que o papa aborde, pois estas pessoas são literalmente prisioneiras de consciência”.
Se Francisco abordar o tema, disse ainda Norton, “ele não agradará Sisi, mas seria bastante apropriado”.
Em coletiva de imprensa no dia 24 de abril sobre a viagem papal, perguntou-se ao porta-voz do Vaticano Greg Burke sobre se a ida do papa ao Egito não legitimaria, indevidamente, a presidência de Sisi e as suas ações contra os opositores.
“Nem sempre vamos agradar a todos”, respondeu Burke. “Ouçamos ouvir o que o papa tem a dizer”.
Também perguntaram ao porta-voz sobre as preocupações quanto à segurança do pontífice durante a visita. Burke falou que o Vaticano está tomando as mesmas medidas para proteger Francisco, tal como faz com todas as demais vistas ao exterior.
Algumas reportagens na imprensa italiana deram a entender que, pela primeira vez em seu papado, Francisco usaria um carro blindado no Egito, mas Burke disse que tal informação está incorreta, acrescentando: “Ele vai usar um carro normal”.
Bashir falou que o convite de Francisco para discursar no congresso sobre a paz reflete uma “nova abertura” ao diálogo formal entre a Igreja Católica e a al-Azhar, o mais antigo centro islâmico de ensino e a maior autoridade muçulmana sunita.
Este diálogo foi interrompido em 2011 depois que o Papa Bento XVI convocou os líderes internacionais a tomarem medidas para defender a comunidade copta na sequência de ataques contra as suas igrejas, o que el-Tayeb considerou como interferência nos assuntos do país.
Em outro sinal de uma nova possibilidade para o diálogo cristão-muçulmano, Francisco falará no congresso sobre a paz ao lado do patriarca ecumênico ortodoxo-oriental Bartolomeu I.
O papa e o patriarca estiveram juntos em abril de 2016, quando fizeram uma viagem conjunta para se encontrar com refugiados na ilha grega de Lesbos.
Francisco visitará a comunidade copta depois de participar do congresso no dia 28 de abril. Irá se reunir com o Papa Tawadros II, e espera-se que ambos discursem ao público.
A Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria é uma pequena minoria no Egito, onde cerca de 90% da população de mais de 92 milhões se identifica como muçulmana.
Bashir disse que parte da dinâmica que Francisco terá de enfrentar ao se encontrar com os coptas e ao expressar solidariedade após os bombardeios de 9 de abril é o fato de que as ações de Sisi para defender os cristãos têm enfurecido algumas facções muçulmanas extremistas relativamente pequenas.
“Esta situação deu início a um processo de reação negativa contra os cristãos”, afirmou Bashir. “A raiva é ainda maior entre alguns destes elementos extremistas, que dizem: ‘Se ele está fazendo isso tudo pelos cristãos, então temos de ir atrás deles’”.
Norton falou que os ataques recentes enfraqueceram a autoridade de Sisi.
“Sisi vinha tendo um apoio forte por parte da comunidade copta”, declarou. “E a sua postura coerente tem sido a de ficar ao lado dos coptas, prometendo segurança. O que os bombardeios fizeram é basicamente fazê-lo parecer que não está sendo efetivo”.
A Igreja Ortodoxa Copta remonta a sua fundação ao apóstolo Marcos, sendo uma das seis igrejas que formam a ortodoxia oriental. Estas igrejas, que possuem juntas aproximadamente 84 milhões de fiéis, reconhecem apenas os três primeiros concílios ecumênicos, tendo rompido com as demais igrejas cristãs no século V.
O padre paulino Ronald Roberson, diretor associado da Comissão para Assuntos Ecumênicos e Inter-religiosos da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, disse que as igrejas Católica e Copta têm, em geral, uma relação “muito positiva”.
Roberson afirmou achar que a visita de Francisco, ocorrendo após os bombardeios, é uma “clara indicação de apoio à Igreja Ortodoxa Copta num momento em que ela atravessa tempos difíceis”.
Anthony Cirelli, o outro diretor associado da Comissão, disse que algo que a imprensa nem sempre publica são as histórias dos muçulmanos no Egito que vêm em apoio aos ortodoxos quando as igrejas cristãs se encontram sob ataque.
Cirelli que acha que a fala do papa no congresso sobre a paz na al-Azhar pode vir a ser uma oportunidade para enaltecer exemplos de cooperação como estes.
Norton afirma que o papa poderá usar suas falas no Egito para distinguir diferentes pontos de vista que há na comunidade islâmica.
“Dada a estatura e a posição do papa, a maior contribuição que poderá fazer é distinguir o terrorismo violento, de grupos como o Estado Islâmico, do Islã tradicional”, disse.
“É uma mensagem bem importante numa época em que alguns governos, em particular o atual governo americano, não parece se importar em confundir as fronteiras entre os extremistas e os demais”, segundo Norton.
Francisco deverá concluir a visita no dia 29 de abril com a celebração de uma missa e um encontro com o clero da pequena população católica do Egito. Segundo dados de 2015 divulgados pelo Vaticano, existem aproximadamente 272 mil católicos no país, e 494 padres.
A viagem ao Egito será a 18ª do papa para fora da Itália desde que foi eleito em março de 2013.
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Francisco encara minas terrestres “políticas e religiosas” na viagem ao Egito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU