15 Dezembro 2016
“Contornando interesses nacionais e institucionais estreitos, o Papa Francisco vem promovendo repetidamente a cooperação internacional entre os povos, melhores relações entre os diversos cristãos e um diálogo inter-religioso que talvez supere o ódio entre cristãos, muçulmanos, judeus e outros.”, escreve Thomas Worcester, padre jesuíta, editor do “The Cambridge Companion to the Jesuits”, em artigo publicado por Huffington Post, 13-12-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
No dia 17 de dezembro o Papa Francisco completa 80 anos. Eleito há menos de quatro anos ao 76º ano de vida, ele continua exibindo um grau incrível de energia e zelo. É razoável supor que ele vá estar a serviço da Igreja por outros cinco anos aproximadamente na qualidade de Bispo de Roma. Para os americanos, e também para muitas outras pessoas, uma questão que se levanta na esteira das eleições dos EUA é como o Papa Francisco pode representar um modelo de liderança que seja diferente daquele que geralmente vemos nos presidentes deste país. Com essa questão em mente, lembro a seguir um pouco do que vimos até agora com este pontífice.
Outros papas visitaram os EUA, mas nenhum havia discursado ao Congresso. Falando lenta e distintamente em inglês, o Papa Francisco pôs-se de pé diante dos legisladores reunidos em setembro de 2015 e assinalou quatro americanos como especialmente exemplares: Abraham Lincoln, Martin Luther King, Thomas Merton e Dorothy Day. Lincoln e King se destacam por seus esforços que visavam pôr fim às injustiças baseadas no racismo; sofreram o martírio por sua obra. Pouco antes da viagem ao país, Francisco havia beatificado Oscar Romero, o bispo de El Salvador assassinado por defender os pobres contra a violência e a predação dos ricos gananciosos. Em no discurso ao Congresso americano, Francisco também deixou claro que uma pauta pró-vida não se preocupa somente com o aborto; o exemplo de uma questão pró-vida que ele ressaltou foi a necessidade urgente de uma abolição mundial da pena de morte. E ao elogiar Merton e Day, Francisco louvava duas vozes articuladas e proféticas que defenderam o fim da guerra em todos os lugares.
Contornando interesses nacionais e institucionais estreitos, o Papa Francisco vem promovendo repetidamente a cooperação internacional entre os povos, melhores relações entre os diversos cristãos e um diálogo inter-religioso que talvez supere o ódio entre cristãos, muçulmanos, judeus e outros. Não importa o quão desencorajador possa ser o ataque das notícias de violência no mundo, Francisco não desiste. Pelo contrário, nessas ocasiões ele redobra os esforços para a reconciliação e da paz.
Aceitando e endossando o consenso científico sobre as mudanças climáticas e questões ambientais relacionadas, o pontífice publicou uma encíclica intitulada Laudato Si’, documento que aplica os princípios morais do Ensino Social Católico ao tema da ação humana na degradação do meio ambiente. Francisco mostra como são os pobres os que sofrem a maior parte dos prejuízos ambientais, enquanto os ricos evitam reconhecer ou, de alguma forma, mudar seus modos destrutivos e descartáveis. O Ensino Social Católico salienta o bem comum e o que deve ser feito para promovê-lo, tema que Francisco retoma constantemente. Ele enxerga a ganância individual – no ensino católico tradicional, um pecado mortal – como o inimigo do bem comum e como um aspecto central para a destruição ambiental. Ao apelar pela colaboração local, nacional e internacional para que se detenham o aquecimento global e outros danos, Francisco põe a solidariedade no cuidado da terra, a casa comum, muito acima dos interesses e lucros particulares.
Em 1980, o superior geral jesuíta Pedro Arrupe criou o Serviço Jesuíta aos Refugiados – organização internacional financiada pela Companhia de Jesus e dedicada a prover vários tipos de assistência e apoio aos refugiados. Francisco, ele mesmo um jesuíta, tem se empenhado em falar na defesa dos refugiados e migrantes, contra aqueles que usam estas pessoas como bodes expiatórios para o desemprego e o crime, e contra aqueles que as usam com finalidades políticas e outros ganhos pessoais. Para Francisco, os pobres são Cristo no meio de nós, o Jesus a quem não havia espaço em Belém, que foi levado como refugiado para o Egito para fugir dos projetos assassinos do rei faminto de poder Herodes.
A misericórdia é o tema dominante do atual papado. Francisco não cansa de exortar os padres para que saiam das zonas de conforto e ministrem próximos do povo, escutando-os em pessoa, ao mesmo tempo pondo os seus pés nas áreas mais pobres, enquanto seus corações se transformam de frios e distantes em calorosos e amorosos. Os padres devem ouvir as histórias humanas sobre casamentos rompidos e trazer o discernimento para suportar assuntos assim, ao invés de meramente repetir regras que podem não se adequar às situações concretas e bagunçadas das pessoas reais.
A descrição das funções de um papa inclui também a administração interna da Igreja Católica, a começar pelos dicastérios e funcionários, conhecidos como a Cúria Romana, juntamente com a nomeação de cardeais e bispos ao redor do mundo. Em um discurso à Cúria em 2014, Francisco parecia especialmente disposto a uma grande reforma nas pessoas e nas instituições, mas alguns analistas observaram o ritmo lento e contínuo de toda e qualquer reforma. Mesmo assim, os cardeais que Francisco tem nomeado vêm sendo um forte indicativo de uma nova maneira de fazer as coisas. Os detentores de arquidioceses grandes e ricas não são mais feitos cardeais automaticamente, sendo muitas vezes preteridos em favor de bispos de dioceses relativamente obscuras, nos confins da terra. Ao nomear os bispos, Francisco não hesita escolher aqueles que dão prioridade ao cuidado dos pobres, imigrantes, refugiados e marginalizados. Na Cúria e entre os bispos e cardeais de vários países, o Papa Francisco certamente tem simpatizantes e críticos, alguns desses últimos sendo bastante ásperos. Porém ele tem evitado uma agenda vingativa, preferindo buscar o diálogo e o consenso sempre que possível.
Nos EUA, alguns se decepcionaram com o ritmo lento das mudanças relativas aos papéis da mulher na Igreja. Os simpatizantes do papa nesse tocante apontam para a resolução amigável que ele deu a uma investigação sobre as irmãs que havia sido iniciada por seu antecessor. Apontam também para a nomeação que fez de uma comissão para estudar os precedentes históricos de diaconisas.
O Papa Francisco exala uma humildade que, com certeza, escapa à maioria dos presidentes ou qualquer pessoa em cargos executivos. Ele literalmente se põe de joelhos e lava os pés de prisioneiros e marginalizados, de ambos os gêneros e de várias religiões. Quando em 2013 lhe perguntaram quem de fato ele é, ele respondeu dizendo ser um pecador. Ilustrou sua resposta lembrando graves equívocos que cometera num período inicial de sua vida, na Argentina, quando não agiu com tanta autoridade diante de uma rigidez autoritária. Enquanto Francisco celebra o seu 80º aniversário, ele com certeza continua a atrair uma admirável atenção de grande parte do mundo, especialmente das pessoas que buscam um modelo de liderança que não esteja vinculado à arrogância e à riqueza.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Papa Francisco aos 80 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU