Por: João Flores da Cunha | 15 Setembro 2016
O capital financeiro, cada vez mais dominante na sociedade, é responsável também por abocanhar grande parte do orçamento de estados, municípios e da União, através do instrumento da dívida pública. Essa foi uma das lições da palestra do economista Josué Martins no IV Colóquio Internacional IHU: Políticas Públicas, Financeirização e Crise Sistêmica, intitulada Políticas públicas, endividamento e ajuste fiscal no Brasil.
Martins integra a organização não-governamental Auditoria Cidadã da Dívida Pública, que objetiva “fazer valer a letra da Constituição”, de acordo com ele. Trata-se de uma referência a um artigo da Carta de 1988 que dispõe sobre a realização de uma auditoria sobre a dívida brasileira – a qual, no entanto, nunca foi feita. Hoje, a dívida do Brasil é essencialmente interna – e esse “continua sendo um dos maiores problemas da nação”, segundo ele.
Em sua exposição, o economista descreveu a trajetória do capitalismo rumo à concentração das riquezas no setor financeiro, em detrimento do comercial e do produtivo. Atualmente, de acordo com ele, o setor produtivo “deixou de ser o principal lócus de acumulação do capital”, pois não é mais tão lucrativo. Assim, há uma “retenção do capital na esfera financeira” – que não gera valor, ao contrário do setor produtivo. E é nessa esfera financeira que irá se concentrar a dívida pública.
"A dívida tem se autoreproduzido pelos mecanismos financeiros e não pelos mecanismos produtivos"https://t.co/EMkvVbEmgr
— IHU (@_ihu) 14 de setembro de 2016
Martins afirmou que a expansão financeira da economia aumentou não apenas o endividamento privado – das famílias, por exemplo –, mas também atingiu os orçamentos públicos, que foram “capturados pelos setores rentistas”. Segundo ele, “os representantes da ideologia dominante não têm nenhum interesse nesse tema”.
O economista citou uma pesquisa da ONG britânica Oxfam que atesta que, em 2015, 62 famílias detinham os mesmos recursos que a metade mais pobre de toda a população mundial – enquanto que, em 2010, eram 388 famílias. Ou seja, a concentração de renda e a desigualdade aumentam cada vez mais. “Esse é o caminho para o qual este processo de expansão financeira está nos conduzindo”, assegurou Martins.
Josué Martins (Foto: Cristina Guerini)
Segundo Martins, a principal causa da crise fiscal no País é o crescimento acelerado da dívida pública – que, por sua vez, é atribuída à alta taxa de juros praticada no Brasil. Para ele, a lógica do ajuste fiscal é a de introduzir “projetos que reduzem investimentos sociais para destinar mais recursos ao pagamento de juros da dívida pública”.
O economista apresentou dados do Orçamento Geral da União de 2014 que atestam que, naquele ano, 45,11% da receita foi destinada ao pagamento de juros e amortizações da dívida. Ou seja, quase metade das riquezas do país vão para pagar juros e rolar a dívida do governo.
O segundo item, com 21,76% das receitas, foi a previdência social. Essa é “alardeada como maior problema do Brasil”, afirmou Martins, mas ocupa menos da metade do tamanho do pagamento de juros da dívida no orçamento do governo.
Ele denunciou que o pagamento da dívida dos estados para a União inviabiliza o funcionamento daqueles e faz com que o governo federal banque o pagamento de sua dívida às custas dos estados. A consequência é que “o comprometimento financeiro dos estados incapacita o suprimento das necessidades básicas da população”, de acordo com Martins.
Segundo ele, nesse caminho, “vamos chegar ao esgotamento da capacidade do sistema de sustentar condições mínimas de existência da vida em sociedade”. A intenção do trabalho da ONG Auditoria Cidadã é o de divulgação dessa situação entre a população, afirmou Martins. Para ele, “apenas o empoderamento social vai nos permitir fazer o enfrentamento do sistema do capitalismo financeiro”.
Josué Martins é economista e possui mestrado em economia pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. É auditor externo do tribunal de contas e presidente do Ceape-Sindicato, o Centro de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas Estadual do Rio Grande do Sul. É um dos coordenadores do núcleo do Rio Grande do Sul da ONG Auditoria Cidadã da Dívida Pública.
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Como o orçamento do governo é controlado pelo capital financeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU