12 Julho 2016
"O catolicismo evangélico do século XXI será baseado na evolução surpreendente do papel da Igreja na vida pública, para proteger os alicerces da casa da liberdade, onde quer que ela esteja em perigo", escreve George Weigel, escritor e ativista norte-americano, publicado por Il Foglio, 06-07-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Eis o artigo.
Servem missão e visão estratégica. Dicas para Francisco reconverter o ocidente, espiritualmente entediado, e enfrentar o desafio do Islã jihadistas - Onde estão as línguas de fogo falando de Deus e do seu amor? Quando nos referiremos aos "mandamentos" de Deus, não como doloroso dever de observância, mas como gloriosa libertação do homem da escravidão do medo da morte e do egoísmo frustrante? “Onde é que na Igreja os homens experimentam a oração como dom pentecostal do Espírito, como graça gloriosa? 1 ...] Na Igreja fala-se muito pouco de Deus, ou fala-se de modo árido, pedante, sem vitalidade. 1 ...] Só quando a mensagem do Deus vivo for proclamada nas igrejas, com todo o poder do Espírito, desaparecerá a sensação de que a igreja não passa de uma relíquia bizarra, de uma sociedade antiga destinada a morrer. 1 ...] E, só então, a profissão de fé em Jesus como Cristo e Senhor, Palavra definitiva de Deus na história, tornar-se-á viva, mais alegre e espontânea”. Karl Rahner, 1974.
No momento que a Igreja Católica comemorou o quinquagésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, vozes se levantaram para a reforma, as demandas foram persistentes, generalizada e, muitas vezes cacófagas, acabando por consistir apenas de acordos entre os signatários. Nas primeiras décadas do século XXI, os católicos "progressistas", assim como católicos "tradicionalistas" aprovam o programa de reformas da agenda. Hans Küng, que uma vez descreveu a tarefa do Concílio Vaticano II como de "reforma e reunião", tem certeza de saber o que significa "reforma", bem como os editores do The Wanderer e a equipe editorial do The Tablet, embora nenhum deles esteja de acordo com suas especificações. Até mesmo o New York Times tem a sua ideia de reforma católica, da mesma forma que o jornal do Vaticano L'Osservatore Romano, para não mencionar as centenas de milhares de blogueiros e comentadores da Internet em todo o mundo. E aqui fazemos uma pausa. A demanda pela reforma é praticamente universal, são os termos da reforma a serem discutidos. No entanto, pode haver um ponto de acordo. Os anos do Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965, foram os anos em que tomaram forma os problemas e planos do século XXI.
Observadores mais refinados podem, justamente, referir-se a algumas décadas anteriores, ao renascimento intelectual católico de meados do século XX, para traçar muitos dos temas que caracterizaram as deliberações do Concílio: nova consciência bíblica, maior consciência da "importância da teologia na história e das diferentes perspectivas filosóficas; renovação do culto na Igreja, novo compromisso com a vida pública. Mas todo o espectro de opiniões provenientes tanto do ambiente, tanto eclesiástico como daquele laico, concorda que o Vaticano II é o lugar que deu início, no bem ou no mal, ao catolicismo do XXI século. Este consenso dentro da cacofonia de opiniões, tende a perder de vista as correntes profundas da Igreja e da história cultural do mundo. É como se o debate sobre a identidade católica, que ocupou os anos do Concílio e as décadas seguintes, tivesse simplesmente iniciado ex nihilo, ou no momento em que o debate se densificava rapidamente. Este livro, com suas propostas, baseia-se no pressuposto de que estas análises, querendo lançar luz sobre diversos aspectos da realidade católica do século XXI, não fazem que analisa-los superficialmente. Isto significa que as "reformas" propostas que saem destas análises acertam na mosca a necessidade imperiosa de uma profunda reforma católica. A reforma da Igreja Católica está em curso há mais de um século.
Começou com o Papa Leão XIII, continuou através da revitalização dos estudos bíblicos, litúrgicos, históricos, filosóficos e teológicos de meados do século XX, e sempre no mesmo período, continuou com o martírio de milhões de católicos nas mãos de sistemas totalitários. Pio XII levou-a adiante com o ensinamento sobre a Igreja "Corpo Místico de Cristo". Atingiu seu pico máximo no Concílio Vaticano II. Novo impulso foi dado por Paulo VI, em 1975, na Evangelii Nuntiandi, chamando toda Igreja para renovado senso de zelo missionário no anúncio do Evangelho, trazido à luz dos holofotes, em seguida, pelos pontificados de dois homens geniais: São João Paulo II e Bento XVI. Muitas situações surgiram do portfólio católico do século XXI: crise dos abusos sexuais, radical secularização da Europa, disputa com a Igreja Evangélica, pentecostal e protestantismo fundamentalista, na América Latina, desafio de buscar uma adequada “aculturação" da fé católica na África e na Ásia, tudo isso reflete a turbulência da reforma, a resistência encontrada e o lento e difícil surgimento de uma nova maneira de ser católico; uma nova "forma" do catolicismo em linha com as origens do catolicismo e seu desenvolvimento doutrinário, caso contrário, ninguém poderia falar genuinamente de uma "forma” católica de ser Igreja. Mas é também algo novo.
É a recuperação e reutilização, no século XXI, de algo que só aparentemente muito velho, algo que remonta aos primeiros séculos da era cristã. Estou falando do catolicismo evangélico. Antes de revelar o que quero dizer com catolicismo evangélico é importante especificar o que não quero dizer com ele. Catolicismo evangélico não é um modo de ser católico que adapta algumas maneiras de culto e de práticas de catequese do fundamentalismo evangélico ou protestantismo pentecostal. Catolicismo evangélico não é o catolicismo do futuro, como imaginado pelos católicos "progressistas" e "tradicionalistas", embora o primeiro assuma a urgência de uma evolução e o último, o imperativo de desenvolvimento no sentido de uma reforma que segue o formato básico a Igreja querida por Cristo. O catolicismo evangélico não é pensado para refletir as necessidades da aparente estável condição da Igreja Católica nos Estados Unidos.
Não é simplesmente uma resposta à crise dos abusos sexuais na Igreja Católica, que dominaram as primeiras páginas da grande mídia mundial desde 2002. O catolicismo evangélico não é um movimento no interior do catolicismo, nem uma seita católica, nem um novo tipo de elite católica. Catolicismo evangélico não é uma alternativa ao catolicismo romano. Sua evolução, de fato, intimamente ligada ao nascimento do papado moderno, e seu posterior desenvolvimento, exigirá uma nova apresentação do ofício de Pedro na Igreja. Se isso não é o catolicismo evangélico, então, o que ele é? Catolicismo evangélico é o catolicismo que está surgindo, muitas vezes com grande dificuldade, pois o Espírito Santo, para dar vida a reforma católica, reforma que atenda aos desafios colocados à vida e à ortodoxia cristã, desde as marés da mudança que mudaram a cultura mundial do século XIX.
A Igreja Católica tem seu fundamento no fato de que foi constituída e forjada por vontade do próprio Cristo, e então, toda real reforma católica faz referência à sua constituição divina, uma "constituição" não tanto no sentido americano, mas no sentido inglês da palavra. Em dois mil anos de história, toda reforma Católica genuína e verdadeira fez referimento àquela constituição, em vista de recuperar aqueles aspectos da Igreja queridos por Cristo. Isto é o que aconteceu no chamado século obscuro, com o desenvolvimento do monaquismo ocidental, é o que aconteceu na reforma gregoriana do século XI, com enorme impacto na evolução da vida política do Ocidente. Foi o que aconteceu quando o Concílio de Trento, depois de tomar posição dura contra a corrupção, uma das causas da Reforma, criou uma forma de catolicismo, a Contrarreforma, que durou séculos. E isso é o que pretendia fazer, e até certo ponto fez, o Concílio Vaticano II.
O desafio de hoje não é somente o catolicismo confrontado pelas forças culturais hostis, afirmando que o ensinamento de uma igreja doente chega a homens e mulheres que vivem numa sociedade livre. Esta é uma velha história. Para ser franco, esses novos ateus, como Richard Dawkins, Sam Harris e do falecido Christopher Hitchens, empalidecem em comparação com as figuras de Nero, Diocleciano, Voltaire, Robespierre, Bismarck, Lênin e Mao Tsé-tung. O desafio de hoje é reconhecer o carácter distintivo da hostilidade cultural nascida da indiferença pela religião bíblica, que nasce no século XIX na reinvindicação de que o Deus da Bíblia é inimigo da liberdade, da maturidade humana e do progresso das ciências natural. No século XXI esta hostilidade poderá levar a novas formas de perseguição, claramente dirigidas aos crentes pela simples razão de serem crentes. Nas duas primeiras décadas do novo milênio, no entanto, a marginalização do catolicismo e sua redução a esfera do privado foram primariamente escolhas sem nenhuma consequência pública. De qualquer modo, o desafio da Igreja pós-conciliar é pregar o Evangelho num novo contexto cultural, talvez sem precedentes.
O mundo ocidental, a pátria histórica do cristianismo, tornou-se "desencantado", para usar um termo popular do sociólogo Max Weber revista. Janelas e claraboias da experiência humana parecem ter sido pregadas, fechadas, e pintadas encima. A modernidade (e pós-modernidade), que, de longe, deve muito mais à civilização cristã do Ocidente do que muitos herdeiros do Iluminismo continental estão dispostos a admitir, está produzindo uma cultura pública, muitas vezes tóxica, sempre cristofóbica, para adoptar o termo usado pelo estudioso, judeu ortodoxo, e eminente jurista internacional, Joseph H. H. Weiler.
Tudo isto coloca novos desafios ao catolicismo. Estes problemas poderão ser enfrentadas somente por meio de profundas reformas do catolicismo evangélico: reformas que recuperarão a forma essencial que Cristo deu à Igreja, fornecendo, a seu povo e seus ministros, instrumentos para converter o mundo, não raro hostil e desiludido. Tomado em plenitude, o catolicismo evangélico convida os católicos (e todos os que estão interessados na Igreja Católica) a ir além dos argumentos superficiais, certos ou errados, das últimas décadas, em grande parte baseados no poder eclesiástico, e da reflexão mais profunda sobre o coração missionário da Igreja, para descobrir como aquele coração poderia ser a expressão do século XXI e do terceiro milênio. O catolicismo evangélico olha para o futuro (...) O testemunho público do catolicismo evangélico, em outras palavras, é uma força política necessária. Uma força necessária para evitar mais abusos por parte da cultura da morte, para construir sociedades livres em que cada criança é bem-vinda à vida e protegida por lei. Tal força é necessária para construir sociedades livres, onde os idosos e deficientes são tratados como homens e mulheres de incomensurável dignidade e valor, e não como "problemas" que precisam ser "resolvidos" com soluções tecnológicas.
Tal força é necessária para construir sociedades livres, hospitaleiras para o estrangeiro e empenhadas com o Estado de Direito; que vivam dentro do seu significado, que não deixem às futuras gerações um fardo irredimível da dívida pública, sociedades em que público e privado trabalhem juntos, como a doutrina social propõe, para fornecer educação de qualidade, cuidados de saúde e uma aposentadoria segura. Uma força política necessária também para defender a liberdade religiosa no interior das democracias em todo o mundo. As pressões sobre as instituições católicas para que se adaptem aos cânones da cultura da morte vai intensificar-se, até que a eficácia do apoio à política pública católica não corresponda fortemente às nossas crenças sobre a cultura da vida. Estas ameaças à liberdade religiosa nas democracias desenvolvidas tornaram-se evidentes através dos temas da vida e da questão do matrimônio, e ninguém pode duvidar que uma temporada de perseguição poderia estar bem próxima.
Os primeiros ventos gelados dessa temporada já foram sentidos no início do século XXI, quando as verdades da Igreja são descritas, impunemente, como exemplos de fanatismo irracional pela grande mídia, quando os trabalhadores de saúde católicos são prejudicados em seu trabalho, quando os bispos que têm a coragem de dizer a verdade tornam-se sátiras, quando as autoridades fiscais locais são utilizadas pelos órgãos legislativos para pressionar a Igreja, quando as leis financeiras são estruturadas de forma a abafar as vozes da consciência religiosa, e quando a legislação afasta a Igreja do trabalho de tutela e de adoção: normas ou decisões judiciais exigem uma "não-discriminação" em confiar ou fazer adotar jovens por pais gays. Alguns, sem dúvida, encontrarão ironia em tudo isso: a Igreja Católica tomada sob a mira desde o iluminismo, há muito identificada com o ancien régime das instituições eclesiásticas, a Igreja Católica defensora da liberdade religiosa e dos direitos humanos, ainda não está morta, mas a cultura e, portanto, a história mudou, de modo que a Igreja Católica é o mais importante suporte institucional dos direitos humanos e da democracia.
O catolicismo evangélico do século XXI será baseado na evolução surpreendente do papel da Igreja na vida pública, para proteger os alicerces da casa da liberdade, onde quer que ela esteja em perigo (...). Os grandes papas da tardia e pós-modernidade foram homens de visão, cuja profundidade de fé lhes permitiu plantar sementes para o futuro, confiantes de que, o que é bem plantado, cresce no seu tempo e no tempo de Deus. Confiantes de que a profundidade de fé deve ser complementada por uma visão estratégica. E no catolicismo evangélico do futuro, a visão estratégica dos papas deve necessariamente ser trifocal: nutrir e guiar o rápido crescimento da Igreja no Terceiro Mundo, desenvolver estratégias para a conversão do Ocidente espiritualmente entediado e enfrentar o desafio do Islã jihadista.
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A Igreja seja força política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU