Por: Jonas | 29 Fevereiro 2012
O cardeal Donald Wuerl, arcebispo de Washington e presidente do Comitê de Doutrina da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, fala sobre a polarização na Igreja católica deste país. Também discute se a Igreja está muito introspectiva, comenta sobre o novo núncio papal, o escândalo de abuso sexual de menores por parte de sacerdotes e o papel dos bispos dos Estados Unidos neste ano eleitoral.
A entrevista é de Gerard O’Connell e está publicada no sítio Vatican Insider, 27-02-2012. A tradução é do Cepat.
O último choque com o Governo de Obama – sobre a política focada, que requer que a maioria dos empregadores e assegurados incluam a esterilização e os anticonceptivos, incluidas algumas drogas abortivas, nos planos de saúde para seus empregados - levou à superação da polarização presente, nas últimas décadas, na Igreja católica estadunidense; os diferentes grupos católicos se uniram e se pronunciaram contrários a isso. Como você interpreta essa questão?
Sim. Têm sido citadas as palavras de um sacerdote que disse que o presidente Obama conseguiu fazer o que os bispos dos Estados Unidos não conseguiram, ou seja, unificar o povo católico. Não só os católicos; este é um assunto bastante propagado, neste mandato.
Você poderia explicar-me a razão da polarização que temos visto na Igreja estadunidense, nestes últimos anos?
Eu creio que sempre houve – e acredito que isto se verifica em qualquer sociedade onde haja liberdade de expressão – diferentes maneiras de ver as coisas. Alguns tendem a vê-las a partir do que poderia se chamar uma perspectiva mais liberal e outras, talvez, a partir de uma perspectiva mais conservadora. Alguns poderiam usar outra terminologia e dizer que uns estão muito mais abertos aos diferentes caminhos, enquanto outros, menos. Sempre existe uma multiplicidade de pontos de vista.
Não creio que já tivemos um único período na Igreja dos Estados Unidos – e isto remonta às origens da Igreja católica organizada nas colônias de língua inglesa – onde não houve nenhuma diversidade de opinião. Não sobre a fé, mas sim sobre muitos dos temas sociais e implicações da fé.
Entre nós, podemos discordar sobre todos os tipos de temas sociais, mas deveríamos fazê-lo como membros de uma família, membros de uma família amorosa, porque às vezes os membros das famílias são os que se contestam de forma mais dura.
Então, você estaria de acordo com o papa João XXIII quando pediu a “unidade nos elementos essenciais, a diversidade nos elementos não essenciais, e a caridade em todas as coisas”.
Exato! Escrevi uma carta pastoral sobre o tema de dizer a verdade no amor, dizê-la em todos os níveis que necessitamos para ter civilidade. Em muitas instâncias, no centro do problema falamos simplesmente de maneira inadequada.
Em termos de evangelização, lamentavelmente, a imagem que muitas vezes se transmite desta polaização é a de que os membros se atacam entre si.
Quem quer fazer parte de algo que parece tão conflitivo?
Creio que isso faz parte de algo em que todos nós na Igreja – bispos, leigos e liderança clerical – temos que trabalhar para melhorar, este sentido de antagonismo e extremismo.
Uma crítica que apareceu, recentemente, aponta que hoje a Igreja parece estar preocupada com seu próprio terreiro, concentrando-se em temas que preocupam somente a ela, dando menos atenção para problemas graves do povo, do cenário mundial em conjunto.
Sei que está havendo essa leitura, porém não estou seguro de que seja acertada. A tarefa da Igreja é a evangelização do mundo, e isso se realiza de muitas maneiras. Realiza-se em todas as boas ações que deveriam contribuir para as pessoas enxergarem o amor de Deus por elas, e na proclamação da Palavra. Vejo as escolas católicas, os hospitais católicos e os serviços sociais católicos muito animados e, de fato, provavelmente em algumas circunstâncias, mais ativos que há cinquenta anos.
Pelo que vejo o trabalho está caminhando e está chegando a todos, a uma grande quantidade de pessoas fora da Igreja e àqueles dentro dela. Esse é o trabalho da Igreja. Vejo a proclamação da justiça, a proclamação da paz.
Não obstante, devemos nos concentrar na Igreja, porque quando falamos sob pressão, como está colocado nesta erosão da liberdade religiosa, devemos nos concentrar no que somos e defendemos.
A Igreja estadunidense se viu muito golpeada nas últimas décadas pelo escândalo do abuso sexual de menores por parte de sacerdotes. A impressão é de que está começando a sair disso: existe uma política, uma estratégia e um estatuto. Qual a sua visão a esse respeito?
Quando tudo isso se tornou público, também se tornou público para os bispos, porque não é que os bispos soubessem da existência de todos esses casos de abusos, já que dirigem principalmente o que acontece em suas próprias dioceses. No entanto, creio que a Conferência dos Bispos dos Estados Unidos respondeu vigorosamente com a reunião de Dallas e o estatuto, e a Santa Sé nos apoiou com as Normas Essenciais, que foram mudadas na Lei Eclesiástica e que deram mais autoridade aos bispos para atuar contra os abusadores.
Agora, quando se ouve isto, uma vez ou outra, reelaborado pela mídia, as coisas das quais se fala aconteceram há dez, vinte, trinta e mesmo cinquenta anos atrás. Isso não acontece hoje! Acredito que a Igreja foi exemplar ao reconhecer que havia um problema, ao reconhecer que foi mal conduzido, ao abordá-lo separando do ministério aqueles que foram a causa, ao proporcionar todos os tipos de garantias e programas de proteção para os jovens em toda a Igreja. Quando se houve sobre o escândalo de abuso sexual, o que se está informando é algo do passado, e isto é algo que é muito importante destacar.
Acredito que a Igreja nos Estados Unidos fez um trabalho exemplar. O que desejo é que outras entidades, como os sistemas de escolas públicas, tentem fazer o que a Igreja fez, ou seja, abordar isto em seu sistema.
Você sente que o estatuto é suficientemente forte?
Sim. Acredito que o estatuto nos serve muito e, como tudo o mais, é como se implementa. Fazemos auditórias e estamos fazendo bem.
Existe um fator independente nestas auditorias?
As auditorias são realizadas por auditores independentes, mas são custosas. Servi em duas dioceses desde que o estatuto foi introduzido e começaram as auditorias, e temos cooperado em tudo que é possível, porque são auditores externos independentes que fazem perguntas e pedem informações. Satisfaz-me que em cada um dos lugares onde tive o privilégio de servir, passaram as auditorias. E isso é assim para 99% das dioceses.
Você tem ouvido sobre os problemas de Roma: o vazamento de documentos http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506854-quando-divisoes-e-venenos-atingem-o-poder-milenar-da-santa-se , a luta interna no Vaticano, os ataques ao núncio em Washington e o restante. Como isso afeta os Estados Unidos? Você está próximo do núncio em Washington. Como você interpreta tudo isto?
Este é um fenômeno interessante, mas não é de interesse jornalístico nos Estados Unidos. Ao falar destas coisas, a história não tem peso absoluto. Não é algo que está gerando grande reação pública. Acredito que o núncio chegou no momento em que os bispos estavam reunidos e fez um trabalho tão magnífico em sua apresentação e a de seu ministério, que em seguida se estabeleceu como uma pessoa compreensiva.
Isso que agora vem à luz, talvez seja uma grande notícia em Roma, mas não tem impacto no círculo jornalístico estadunidense.
Aqui em Roma, os vazamentos, as acusações contra pessoas que ocupam cargos importantes, e as reações são notícias relevantes e dão a impressão de que há algo que está muito ruim dentro do Vaticano. Qual é a sua visão como cardeal?
Realmente, não se aprecia algo quando parece haver confusão, porém não estou numa posição para avaliar nada, porque me encontro longe e porque, como eu disse, isso não atraiu muito a atenção nos Estados Unidos, por isso não tenho nada a julgar a esse respeito. Enquanto acontecia tudo isto, estávamos muito ocupados, preocupando-nos, nos Estados Unidos, com a liberdade religiosa, e devo dizer que devido a esse tema não aparecer na mídia, não foi algo que esteve muito corrente.
É um ano eleitoral nos Estados Unidos e os eleitores católicos são uma parte significativa do eleitorado. Qual será a posição da Igreja nesta eleição?
Isto será parte do desafio. Você sabe que nossa Conferência dos Bispos publicou um documento, “Faithful Citinzenship” (Cidadania fiel), que aponta aos fiéis católicos quais são os temas e quais são os princípios em que devem formar sua consciência. No entanto, sempre a posição da Igreja nos Estados Unidos tem sido o de abordar estes temas e esperar que as pessoas, nossa gente católica, apliquem os princípios na situação política particular.
Isto causa algumas tensões, porque existem aqueles que prefeririam que falássemos somente sobre um ou dois temas, mas a Conferência dos Bispos dos Estados Unidos fala respectivamente sobre toda a lista de temas. Sinceramente não sei qual será o resultado.
No passado tivemos uma polarização e, às vezes, nem sequer é uma polarização, mas uma ênfase. Há aqueles que enfatizam um ou outro elemento.
O que acredito que poderia ser um tema significativo é o papel da fé em nossa cultura, isso geralmente fica enfocado em algo muito prático. Como a maioria das pessoas, creio que os católicos estarão preocupados sobre alguns dos verdadeiros problemas econômicos, sociais e morais. Acredito que os bispos deverão continuar procurando assegurarem-se de que todos os valores do Evangelho sejam apresentados e que nossa gente os pratiquem.
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A atuação da Igreja Católica nos Estados Unidos na perspectiva do cardeal Donald Wuerl - Instituto Humanitas Unisinos - IHU