11 Julho 2016
Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos, comenta a presença no Rio Grande do Sul, de Deborah Duprat, procuradora da República.
Eis o artigo.
A Procuradora da Republica Deborah Duprat veio ao Rio Grande do Sul no dia 4 de julho para ouvir lideranças de vários movimentos populares, em audiência aberta ao público, a maioria deles de defesa dos direitos humanos de índias/os, pobres sem terra e sem teto, quilombolas, grupos de LGBT e estudantes, pessoas dedicadas à defesa de prisioneiras/os, adolescentes, idosas/os, vítimas de discriminação por motivo de etnia ou outro qualquer preconceito.
Durante quase três horas foi possível se identificar, nos relatos de violação de direitos humanos ultimamente praticados no Rio Grande do Sul, algumas características dos diferentes graus de violência contra vitimas de repressão da força pública, conforme o tipo de reivindicação desses direitos e as formas com que elas os defendiam.
As duas mais notáveis, salientadas especialmente por estudantes, índias/os e quilombolas, repetiram denúncias anteriores de agressões desproporcionais, abusivas mesmo, da polícia militar do Estado. Uma, a de interpretar qualquer manifestação de massa como desrespeito à ordem pública, como se nenhuma esteja garantida por mais de um inciso do artigo 5º da Constituição Federal, e outra, a de tratar qualquer do povo que a integre como inimigo.
O inciso XVI do artigo 5º da nossa Constituição é muito claro:
Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização,desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
Pelo que se pode deduzir das denúncias feitas nessa reunião, a exigência do aviso prévio está sendo interpretada por parte da segurança pública do Estado como se aviso fosse sinônimo de pedido de autorização, conferindo-lhe competência e autoridade para revogar em parte e por seu arbítrio a dispensa de autorização que o mesmo inciso expressa.
No caso das/os índias, as violências são de outra ordem e o lamento dolorido de velhos caciques e cacicas deixou o auditório todo, a doutora Débora, seus colegas e suas colegas de Procuradoria, visivelmente impressionadas/os e comovidos. A construção de estradas e barragens em suas terras, decisões judiciais que relativizam seus “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, previsto no artigo 231 da Constituição, facilitam o risco permanente de perderem o pouco que lhes resta. Como vai certamente acontecer se a PEC 215 for votada e aprovada, já que transfere para o Congresso Nacional a competência para delimitar as terras indígenas e até rever as que já foram homologadas.
Os assassinatos frequentes de lideranças indígenas, como aconteceu recentemente com o cacique Kaiowá Guarani Nisio Gomes, não vai impedir que a CPMI Funai/Incra, composta por maioria de parlamentares da bancada ruralista do Congresso, exerça o seu poder capaz de liquidar, de vez, com a Fundação e a autarquia. A tentativa do governo interino da República de nomear um general golpista, apoiador da ditadura imposta ao país em 1964, para assumir a chefia da Funai, é uma prova disso.
O grupo de estudantes e de um jornalista, vítimas de agressões e prisões no tumulto verificado quando da desocupação do prédio da Secretaria da Fazenda do Estado, em junho passado, também foi objeto de crítica e denúncia contra o uso da violência então empregado pela Brigada Militar. O CEDH (Conselho Estadual de Direitos Humanos), é bom lembrar, em mais de uma das suas reuniões ordinárias, tem ouvido denúncias semelhantes e já se manifestou contrário a essa forma de atuação da Força Pública do Estado.
Representando o Ministério Público do Rio Grande do Sul, também esteve presente nesta audiência a doutora Ivana Machado Battaglin. Manifestou-se favorável a iniciativas do Ministério Público como a tomada pela doutora Débora, colocou-se a disposição dos movimentos populares para para ouvi-los em tudo quanto compete ao Ministério Público do Estado agir em defesa de direitos humanos.
Reuniões como a promovida pela Procuradoria da República – basta considerar-se a necessidade de qualquer das suas/seus representantes conhecerem de perto as vítimas das muito violações de direitos humanos acontecendo no Brasil, as mais variadas – têm tudo para empoderar a proteção e a defesa desses direitos, merecendo adesão e participação direta dos movimentos populares tão frequentemente confundidos como patrocinadores da desordem pública e criminalizados.
Os encaminhamentos retirados na reunião do dia 4 de julho, parecem indicar esse caminho. Como aconteceu ali, as denúncias não podem se limitar ao discurso da sua motivação. Desvelarão os verdadeiros interesses presentes na criminalização do povo vítima de desrespeito e violação dos seus direitos humanos fundamentais. Valerão como propostas de prestação de serviço para serem enfrentadas pelo Ministério Público de modo pronto e efetivo, acompanhadas pelos movimentos populares de defesa desses direitos em seu planejamento, execução e avaliação de resultados.
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A Procuradoria da República e o processo de criminalização dos movimentos populares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU