23 Fevereiro 2016
Nenhuma alma mais cabia no auditório César Jerez da Universidade Centro-Americana (UCA) de Manágua. Ex-alunos, personalidades do âmbito político, padres jesuítas, acadêmicos e familiares deram em Manágua o último adeus ao sacerdote jesuíta Fernando Cardenal, que dedicou sua vida ao compromisso de uma Igreja pobre e para os pobres a partir da educação e da justiça social.
A reportagem é de Israel González Espinoza, publicada por Religión Digital, 22-02-2016. A tradução é de Evlyn Louise Zilch.
Um sinal proverbial que a Igreja mudou é que a missa de corpo presente foi oficializada pelo próprio arcebispo de Manágua, cardeal Leopoldo Brenes e os cantos que animavam a liturgia foram os da Missa Campesina Nicaraguense, entoada por Luis Enrique Mejía Godoy e outros músicos nicaraguenses na presença de seu irmão, o poeta Ernesto Cardenal, ex-ministro da cultura da Revolução Nicaraguense de 1979.
Distante já parece o tempo em que o Vaticano proibiu quatro sacerdotes que ocupavam cargos no governo sandinista a continuar exercendo a dupla função de serem "ministros de Deus e do povo".
E no caso de Fernando Cardenal, a Companhia de Jesus foi forçada em 1984 a expulsá-lo por "ordens de cima". Aqueles foram os dias em que a Igreja voltava aos tempos pré-Concílio, a grande disciplina fomentada a partir de Roma.
“Quem se negou severamente a conceder uma exceção aos sacerdotes da Nicarágua para continuar trabalhando no Governo Revolucionário foi o Papa João Paulo II. Dói-me esta afirmação, mas por minha cristandade não posso calá-la”, escreveu o padre Fernando Cardenal, em um famoso escrito que se tornou universal. Chamou-se “carta a meus amigos” e o jesuíta a escreveu depois de tomar conhecimento sua expulsão da Companhia de Jesus.
Em 1990, a Companhia de Jesus voltou a admitir Fernando Cardenal no sua ordem. Foi o primeiro caso em 500 anos em que um filho de Loyola foi expulso e logo readmitido.
"Em 90 passei por Roma, buscando financiamento para uma ONG que eu havia fundado com os meus amigos depois de deixar o Ministério da Educação e tive uma entrevista com o Padre Geral Peter Hans Kolvenbach e disse-me: Revisamos novamente seus registros e encontrei uma autêntica objeção de consciência. Somado a isso, o testemunho de sua vida faz-me desejar que você entrasse de novo na Companhia de Jesus", narrou em uma entrevista Fernando Cardenal.
Durante a missa, o delegado do governo da Nicarágua no funeral de Fernando Cardenal, o ex-ministro da Educação, Miguel de Castilla, ressaltou o papel do jesuíta na educação. “Fernando Cardenal deixa um legado não só para a educação da Nicarágua, mas para a educação na América Latina (...) Para mim, o legado é de coerência, um homem como Carlos Fonseca, como o Che Guevara, a coerência entre o dizer e o fazer", disse o funcionário.
Por sua parte, o ex vice-presidente nicaraguense e escritor Sergio Ramírez ressaltou a Cardenal como um homem de integridade, sem dobras. "Ele estava sempre do lado dos pobres".
E na mesma linha, referiu-se o superior dos jesuítas na Nicarágua, padre Iñaki Zubizarreta, dizendo que o maior legado de Fernando Cardenal é uma consciência limpa. "Esse é um sinal de quando ele colocou a sua objeção de consciência, para deixar o ministério, a Companhia aceitou essa objeção, mas pelas leis da Igreja teve que sair, e ele dizia: Eu não quero sair. Por ele a Companhia voltou a readmiti-lo depois".
Os restos mortais de Fernando Cardenal foram transferidos para o Cemitério Geral da capital nicaraguense onde enterrado em meio a aplausos e cantos de hinos da Cruzada Nacional de Alfabetização – que ele dirigiu em 1980 - e as escolas Fe y Alegría, das quais ele era diretor geral até sua morte.
E no meio de balões vermelhos que se elevavam para o céu quente do trópico da Nicarágua, despediu-se o padre jesuíta que lutou toda a sua vida para melhorar a educação na Nicarágua. Deixou como legado sua Cruzada da Alfabetização (que reduziu o analfabetismo de 56% para 12% em 1980) e as escolas Fe y Alegría cujas 22 escolas atendem a população estudantil mais pobre.
Hoje, assim como em 1980 - depois de concluir a Cruzada da Alfabetização -, Fernando 'Cardenal poderá estar na casa do Pai dizendo em voz alta: "Nós cumprimos!". E, além disso, deixando uma tarefa para os jovens da Nicarágua. "Espero que os jovens regressem às ruas, esses jovens de agora! Para fazer história".
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Adeus, Fernando Cardenal! O jesuíta que libertou a Nicarágua com a educação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU