"Quando em Isaías Deus responde ao pedido de socorro de Acaz dizendo que a virgem conceberá e terá um filho, de nome Emanuel, a promessa de Deus está em seu filho e este virá de uma mulher. Interessante aqui pensarmos que é no corpo de uma mulher, no ventre de Maria, que Deus escolhe habitar. Isto nos indica que a dignidade das mulheres é parte essencial do plano de salvação. Sem Maria, não há Natal."
A reflexão é de Maria Cristina Silva Furtado, teóloga leiga. Doutora e mestra em teologia sistemática pela PUC-RIO, especialista em Educação e Licenciada em Psicologia pela PUCRS e Psicóloga pelo CNP-MG, ela é também escritora, compositora e cantora, teatróloga, diretora teatral e palestrante. É professora no curso A Igreja e o Atendimento Pastoral às pessoas LGBTQIAPN+ (Instituto Madalenas). É membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral (SBTM); da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER); do grupo de pesquisa Teologia e Contemporaneidade (PUCMINAS); e do grupo de pesquisa Diversidade sexual, Cidadania e Religião (PUC-Rio). É diretora do Centro de estudos de Gênero, Diversidade sexual e Violência, RJ, onde atende como psicóloga: mulheres, LGBT+ e suas famílias. Autora dos livros: A inclusão de todas/os/es. Uma leitura teológica da violência de gênero. Ed. Recriar, 2022; e do livro A Igreja e as pessoas LGBTQIAPN+. Atendimento pastoral com base no Amor incondicional de Deus, Ed. Vozes, 2024.
Primeira leitura: Is 7, 10-14
Salmo: Sl 23(24), 1-2.3-4 ab.5-6 (R 7c10b)
Segunda leitura: Rm 1, 1-7
Evangelho: Mt 1,19-24
Chegamos ao 4º domingo do Advento. E o Advento nos conduz a um tempo de espera e preparação para o mistério da encarnação. É também chamado de Domingo da Expectação. Estamos às portas do Natal. É tempo de esperança, tempo de abrir o coração para o Deus que vai chegar, e as leituras de hoje, nos mostram que este acontecimento é fruto da promessa de Deus, da fidelidade de sua Palavra e da resposta humana de fé.
Já na primeira leitura, Isaías, 7,10-14 – quando Acaz está cercado pela guerra e com muito medo, Emanuel lhe manda um sinal. Mas o sinal que Deus oferece não é poder militar, mas uma criança. Uma vida nova, frágil, que traz esperança. “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, que receberá o nome de Emanuel”. Emanuel significa: Deus conosco.
O Salmo 23(24) nos convida a abrir as portas para que entre o Rei da glória. É uma resposta ao anúncio de Isaías: se Deus vem, é preciso preparar espaço para Ele. Então o Advento é tempo de purificação interior, de abrir o coração para que Cristo encontre morada.
Então chegamos a segunda leitura, Romanos 1,1-7, Paulo nos lembra que o Evangelho é promessa cumprida em Cristo. E é para “todos os amados de Deus. Todos são chamados à santidade.”
Por fim, o evangelho de Mateus 1,18-24. José, ao saber da gravidez de Maria, poderia tê-la denunciado e não o fez. Abre-se ao anjo do Senhor que se manifestou em sonhos, e confia. Protege Maria, confia no Senhor e acompanha. José é justo porque defende a vida de uma mulher. E nos ensina que fé é acolhimento, não condenação.
Agora vamos olhar e pensar o que essas passagens tão importantes dizem para nós. São muitas as reflexões que podemos fazer...
Quando em Isaías Deus responde ao pedido de socorro de Acaz dizendo que a virgem conceberá e terá um filho, de nome Emanuel, a promessa de Deus está em seu filho e este virá de uma mulher. Interessante aqui pensarmos que é no corpo de uma mulher, no ventre de Maria, que Deus escolhe habitar. Isto nos indica que a dignidade das mulheres é parte essencial do plano de salvação. Sem Maria, não há Natal. Sem as mulheres haveria Igreja?
Quando o Salmista nos convida a abrir as portas para que entre o Rei da glória, e que é preciso preparar espaço para Ele. Mas ao dizermos “Levantai vossas portas, para que entre o Rei da glória”. A meu ver, é impossível não pensar nas muitas portas que continuam fechadas para tantas pessoas: para os pobres, os imigrantes, os indígenas, as pessoas LGBTQIAPN+, as mulheres.
Nas últimas semanas, vimos casos dolorosos de feminicídio. Em Recife, Isabele Gomes de Macedo, de 40 anos, foi morta junto com seus quatro filhos, após o companheiro atear fogo na casa. Cada feminicídio é uma porta fechada para o Deus da vida. Cada mulher assassinada é um grito que nos lembra, que ainda não abrimos espaço para o Emanuel. “Cada feminicídio é uma porta fechada para o Deus da vida.”
Ao chegarmos na segunda leitura, Paulo nos lembra que o Evangelho é para “todos os amados de Deus. Todos são chamados à santidade.” Então podemos pensar nas mulheres, nos pobres, nos imigrantes, nas pessoas LGBTQIAPN+. E como tal é a Alice Alves, a mulher trans de Belo Horizonte, que foi brutalmente espancada até a morte por transfobia. Cada vez que o ódio vence é uma porta fechada para o Deus da vida.
Por fim, o evangelho de Mateus 1,18-24. Como vimos José, poderia ter seguido a lei e exposto Maria. Mas ele escolhe ouvir ao Anjo e protegê-la. Ele acolhe, confia, acompanha.
E agora vamos olhar para Maria. Perceber que no centro desta cena está Maria. É no corpo dessa mulher que Deus se faz carne. É na coragem dessa jovem, que teve que enfrentar os olhares e palavras de condenação, de desprezo, e poderia até ser apedrejada, que a promessa se cumpre.
Sim... O mundo ainda fecha as portas para Jesus quando permite que mulheres sejam assassinadas, quando tolera a transfobia, quando naturaliza o racismo, quando não se importa com a miséria, com a guerra, com a destruição do nosso planeta. Cuidar da vida, e da terra é acolher o Emanuel. Porque Deus se fez carne, e carne é vida, é criação, é planeta.
Mas também há sinais de esperança, de acolhimento ao Deus Emanuel. Vemos este sinal, muitas vezes, não nas notícias das grandes mídias, mas nas pequenas ações de cada dia. Quando sabemos que uma família adotou quatro irmãos para que não fossem separados em abrigos. Quando uma mãe que, aos 53 anos, após criar e formar os filhos, realizou o sonho de se formar em medicina para atender e ajudar muitas outras pessoas.
E, também quando sabemos de Iniciativas como projetos que recuperam terras e reduzem a poluição, ou que protegem famílias contra enchentes.
E quando vemos alguém como o Pe. Júlio Lanceloti levando não só o pão, mas o amor incondicional de Deus aos moradores de rua, e a milhares de pessoas nas redes sociais através de suas homilias nas missas de domingo. São sinais de que Deus continua agindo através de mãos humanas. Gestos que nos mostram que o amor é mais forte que a morte, e que Deus continua escrevendo histórias de vida nova.
Isso tudo me leva a pensar. E nós? O que cada um de nós tem feito para se abrir de modo que Jesus possa nascer em nosso coração?
No livro de José Antonio Pagola sobre Lucas, ele repete as palavras do poeta Angelo Silesus, “Ainda que Cristo nasça mil vezes em Belém, enquanto não nascer em teu coração estarás perdido para o além: Terás nascido em vão.”
Então o meu desejo é que “neste Natal, o Emanuel encontre as portas abertas. Encontre corações que acolhem, mãos que defendem, vozes que denunciam, e gestos que semeiam esperança.
Vem, Senhor Jesus. Vem nascer em nós. Vem ser Emanuel, Deus conosco.”