23 Março 2022
Organizado por A. Autiero e M. Perroni, foi lançado em 2021 um texto que reúne muitas vozes em torno do santo festejado no dia 19 de março: “Maschilità in questione. Sguardi sulla figura di san Giuseppe” [Masculinidade em questão. Olhares sobre a figura de São José] (Ed. Queriniana, 2021).
O teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, publicou em seu blog Come Se Non, 19-03-2022, uma parte do parágrafo conclusivo do capítulo que escreveu para o livro. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Consideremos a sucessão de quatro modelos de “culto” a São José, na sua identidade masculina e na sua função em relação ao Filho e à Esposa.
a) A tradição antiga e medieval chegava, com as formas modernas de culto, que se desenvolveram sobretudo em ambiente franciscano e carmelita, a um “modelo de virtude” em que justiça, temperança, fortaleza e prudência eram exaltadas. A grande “summa” que encontramos nos “Temperamentos Espirituais” de São Francisco de Sales consiste, de certo modo, no ápice dessa primeira leitura identitária: o homem virtuoso, no qual fé, esperança e caridade se tornam virtudes cardeais. E a concentração na “boa morte” confia o magistério devoto mais elevado ao cumprimento da vida.
b) A releitura dos papas tardo-modernos – diríamos entre o Vaticano I e o Vaticano II, entre Pio IX e Pio XII – conjuga o modelo clássico em uma nova perspectiva: faz de José o padroeiro de uma Igreja sitiada e atingida, negada e insultada. As virtudes do Esposo casto e do pai que exerce a autoridade na obediência são um registro privilegiado a serem contrapostas à sociedade dos direitos, da experiência, do sujeito, das emancipações. Depois, como José artesão (sem falar de Jesus carpinteiro), ele se torna o modelo a ser contraposto ao operário que luta e que demanda. O destino do modelo popular de culto e o crescimento ritual da festa de São José, com a sua duplicação primeiro no Tempo Pascal e depois no dia 1º de maio, encontra aqui a sua fortuna e o seu limite.
c) Um papa, que talvez havia levantado a hipótese de assumir o nome papal de “José” e que também era o fruto do culto do século XIX do santo manso e humilde de coração, de repente se vira e faz de José o Padroeiro do Concílio que corajosamente relê a tradição. Assim, a mesma figura que podia ser o cômodo suporte para os muitos profetas da desgraça é recolocada na frente de uma Igreja mansa, pobre, misericordiosa e aberta. O texto da carta apostólica Le voci – uma pequena obra-prima no limiar do Concílio – reconstrói a história tardo-moderna e estabelece uma entrada solene de José no cânone da missa, junto com uma profunda releitura não mais apologética do santo.
d) Depois dos tons bíblico-espirituais com que João Paulo II assumiu a virada de João XXIII, Francisco retoma o caminho com mais uma originalidade, colocando no centro o ponto que a tradição havia tratado com maior constrangimento e com uma certa relutância: ou seja, a dimensão paterna. Um pai que sabe trabalhar e sabe sonhar exerce uma paternidade a ser redescoberta, a ser trabalhada, a ser relida também em relação à crise que a pandemia reservou para a vida de homens e mulheres, de jovens e velhos. O ato de devoção e de culto torna-se uma oportunidade de saída, de mudança de paradigma, de conversão e de sonho.
Essa última etapa, porém, parece ser marcada por um paradoxo interno: a comparação entre a carta apostólica Patris corde e o decreto da Penitenciaria Apostólica, que disciplina as “indulgências” durante o ano dedicado a São José, acende grandes faíscas de atrito entre novo e velho paradigmas. A retomada do sopro sapiencial e o confronto urgente com a realidade se unem ao retorno de um revival nostálgico de tons antimodernistas, apologéticos, até uma matemática das indulgências verdadeiramente embaraçosa. Na história do culto a São José, um texto de 2020 vem acompanhado de um decreto que parece ter parado em 1870: assim a tradição eclesial também aqui sabe sonhar um vasto jardim florido e feliz, mas não desiste de administrar um pequeno museu blindado e triste.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Quatro modelos de culto a São José. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU