"Jesus é “o caminho a verdade e a vida”. É por meio de Jesus que se poderá conhecer o Pai. Só em Jesus é possível ver o Pai. O biblista Johan Konings ensina que na Bíblia a palavra “caminho” significa muitas vezes um modo de proceder. Ao se definir como “caminho”, Jesus deixa claro que não basta um conhecimento intelectual de sua mensagem, mas é preciso agir como ele agiu. O seguimento de Jesus se faz por imitação do mestre, por assumir os mesmos sentimentos dele e se comprometer com as mesmas causas."
A reflexão é de Andréia Gripp. Ela possui graduação em jornalismo pela Universidade Gama Filho e com graduação, mestrado e doutorado em Teologia pela PUC-Rio. Ela é professora da mesma universidade, no Departamento de Teologia, setor de Cultura Religiosa.
Leituras do dia
At 6,1-7
Sl 32(33),1-2.4-5.18-19 (R. 22)
1Pd 2,4-9
Jo 14,1-12
O Evangelho deste domingo (Jo 14, 1-12) nos apresenta um discurso de despedida de Jesus. O mestre está explicando aos discípulos o sentido de sua partida e os reconfortando.
Nos textos anteriores desse evangelho, ele faz o anúncio da traição de Judas e prediz a negação de Pedro. Os discípulos ficam angustiados e temerosos. Por isso, o Senhor inicia esse diálogo com uma admoestação e uma chamada à fé: “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim (14,1)”.
João dá ênfase na total dependência de Deus para a salvação. O contexto histórico do Evangelho de João está em paralelo com a história da Igreja primitiva. O autor sagrado quer inspirar nos leitores a fé em Jesus Cristo como o Filho de Deus. O convívio entre judeus e cristãos passou a ser conflituoso depois dos anos 85, quando houve a ruptura entre os dois grupos, após o concílio judaico de Jâmina considerar os seguidores do Nazareno como hereges.
Os cristãos nesta época histórica vivem um novo êxodo, sem pátria e sem teto. Por isso nota-se no texto joanino uma insistência muito forte à comunhão, à unidade, ao amor e à resistência. Esse caminho precisa ser feito a duras penas. O Evangelho de João tem como destinatários os cristãos perseguidos pelo Império Romano e pela sinagoga, portanto, pessoas que já estavam no caminho da fé. Busca introduzir e confirmar os fiéis na celebração do mistério de Cristo.
Vemos claramente em Jo 14,1 que o mestre conhece a sua comunidade, por isso identifica o sentimento dos corações dos discípulos e aponta a fé como resposta para os seus temores. A pessoa de fé não precisa temer, pois tem um pai no céu que cuida dela e um salvador que prepara sua morada final.
Jesus é um mestre servidor, que continua sua obra de diaconia na casa do Pai, preparando para os seus um lugar. Apresenta-se em Jo 14,2 como o Filho que tem plenos direitos na casa do Pai. Afirma que sua despedida se efetivará na cruz e o reencontro se dará na casa do Pai, onde todos aqueles que foram fiéis ao cordeiro na história; todos os que deram testemunho dele e viveram o discipulado, encontrarão sua casa eterna.
A perícope, ao afirmar que Jesus irá para depois voltar (14,3), oferece aos leitores a imagem de um “Moisés escatológico”, que conduz o povo de Deus em sua última caminhada. A afirmação de que voltará em breve dá aos discípulos uma garantia de unidade.
Importante assertiva contida neste texto é a de que Jesus é “o caminho a verdade e a vida”. É por meio de Jesus que se poderá conhecer o Pai. Só em Jesus é possível ver o Pai. O biblista Johan Konings ensina que na Bíblia a palavra “caminho” significa muitas vezes um modo de proceder. Ao se definir como “caminho”, Jesus deixa claro que não basta um conhecimento intelectual de sua mensagem, mas é preciso agir como ele agiu. O seguimento de Jesus se faz por imitação do mestre, por assumir os mesmos sentimentos dele e se comprometer com as mesmas causas.
Ora, quem conhece o caminho? Aquele que O segue. Os discípulos, no evangelho, eram os que tinham acompanhado Jesus e conheciam sua prática. A nós, cristãos deste tempo histórico, o caminho nos é dado a conhecer através do testemunho do evangelho. O texto nos responde a pergunta sobre Jesus: Quem é ele? Ele é aquele que conduz à vida; dom de Deus por excelência; a única garantia certa de se chegar à vida plena. Ele é a verdade: é Deus que se manifesta ao ser humano na história e é atualizado na história pela comunidade dos discípulos, que fará as obras que ele fez e fará ainda maiores. E isso é possível porque Jesus está junto do Pai, ao mesmo tempo que se mantém unido à sua comunidade.
Portanto, viver na comunidade dos discípulos, na ekklesia de Cristo, assumindo a prática de Jesus, é a forma de se conhecer verdadeiramente a Deus. Trazendo essa afirmação para os dias atuais, podemos concluir que não se conhece a Deus em uma rede social, embora ela possa ser um instrumento. Também não se conhece a Deus lendo um livro, ouvindo podcasts ou fazendo um curso, mesmo que seja uma graduação em Teologia. O conhecimento de Deus é uma experiência concreta, que precisa comprometer toda a vida e não apenas o intelecto.
O engano acerca dessa realidade pode comprometer a salvação da alma, por conta de um relacionamento superficial com Jesus. É preciso ter cuidado para não cometer o mesmo erro de Tomé e de Filipe, que não souberam reconhecer em Jesus a sua divindade e fazem ao mestre perguntas enfadonhas, que recebem respostas firmes: “...Se me conhecêsseis, também certamente conheceríeis meu Pai; desde agora já o conheceis, pois o tendes visto.” (14, 7); “Há tanto tempo que estou convosco e não me conheceste, Filipe! Aquele que me viu viu também o Pai. Como, pois, dizes: Mostra-nos o Pai... (14, 9)”
Tomé e Filipe ainda não tinham feito a experiência da cruz e ressurreição de Jesus; ainda não tinham conhecido o senhor morto e ressuscitado. É a partir da Páscoa de Jesus que os cristãos podem iniciar a sua Páscoa. A experiência com o Ressuscitado que passou pela Cruz é uma experiência fundamental para a compreensão e adesão ao projeto de Cristo.
Conhecer a Deus é o grande desejo das pessoas piedosas. Viver uma vida plena e feliz é a meta de todas as pessoas. E essas duas afirmações são mais que complementares, são sinônimas, porque Deus é a felicidade!
Para conhecer a Deus é preciso ter fé, seguir Jesus e assumir seu projeto. A fé é condição fundamental para superar toda perturbação e toda crise. Mas não pode ser uma fé abstrata. Deve ser uma fé convicta, feita por escolhas firmes, por um seguimento maduro e comprometido, concreto e estável.
A você, caríssimo irmão e caríssima irmã, desejo uma boa celebração. Que o Espírito Santo te ilumine para que possas reconhecer o Cristo e possas confessá-lo, com suas opções e práticas, como “caminho, verdade e vida”.