"No Evangelho (Mt 26,14-27,66) desse domingo temos a ceia, a traição, a vergonha, o arrependimento, mas também o amor, a amizade, o respeito pela humanidade e finalmente o perdão. (...) E Jesus é aquele que, apesar de todas as evidências, ele continua perto, simplesmente porque ama, porque sente compaixão, se faz um com, se compadece da dor e reconhece as nossas limitações... Aquela ceia foi tensa, não só o duro passado dos patriarcas, dos antepassados, se fazia presente, mas também o inevitável e cruel futuro."
A reflexão é de Maria Heloísa Helena Bento, snd, religiosa da Congregação das Irmãs de Notre Dame, snd. Ela possui graduação em Teologia PUC-Rio e coordenadora do GRENI-RJ ( grupo de religiosos negros e indígenas), integrante, convidada, do Madalenas (grupo de mulheres LBTQIAP+), catequista na comunidade São Pedro do Mar Ilha do Governador e Farmacêutica no CMS Necker Pinto, Ilha do Governador – RJ.
1ª leitura: Is 50,4-7
Salmo: Sl 21(22),8-9.17-18a.19-20.23-24 (R. 2a)
2ª leitura: Fl 2,6-11 ou mais breve 26,11-54
Evangelho: Mt 26,14-27,66
Os acontecimentos são uma consequência do anúncio do Reino, da valorização do ser em detrimento do ter, da valorização da senhora que ofertava uma pombinha, do trabalhador da vinha, da mulher que poderia ter sido apedrejada. Da valorização do pobre, daquele que teve e tem, a sua dignidade roubada.
A primeira leitura (Is 50,1-4) nos traz o terceiro cântico de Isaías: O Senhor Deus ensinou-me o que devo dizer, abriu-me os ouvidos, veio ao meu socorro... Esta leitura nos traz o Deus que vem em auxílio de seu povo, aquele povo que olha para o horizonte e não percebe mais nada, uma abundante ausência de cor, de luz, de esperança. Aquele povo que se percebe tão só que como no salmo 21, lança um olhar para o infinito e clama: Senhor por que me abandonastes...
No Evangelho (Mt 26,14-27,66) desse domingo temos a ceia, a traição, a vergonha, o arrependimento, mas também o amor, a amizade, o respeito pela humanidade e finalmente o perdão. Deste evangelho eu gostaria de comentar dois pontos:
- Primeiro a traição de Judas e segundo o questionamento: acaso serei eu Senhor?
- Judas vende o Senhor e naquele momento sela definitivamente a sua associação ao mal. Ele trai E mesmo assim ele se senta ao seu Mestre, compartilha com os outros o estar junto.
Pensando em Judas, nós nos surpreendemos com essa atitude tão vil, nos revoltamos. Não nos damos conta de que, de certa forma, fazemos isso todos os dias:
Vendemos Jesus quando nos omitimos em uma situação de injustiça. Quando diante da violência doméstica não fazemos nada. Quantos feminicídios, infanticídios iremos assistir caladas?
Vendemos Jesus quando diante dos noticiários que nos traz o sofrimento de nossos irmãos indígenas fechamos os nossos olhos, quando diante da realidade nua e crua de senhoras empregadas domésticas, de estrangeiros, de homens baianos, pobres, pretos trabalhando em uma situação análoga, (análogas?) a escravidão e simplesmente nos enxergamos, não trazemos o assunto para debate, não fazemos uma carta de repúdio... Ah! Isso não é problema meu!!!
Vendemos Jesus quando somos incapazes de nos compadecer com os vários relatos de ódio religioso (ódio, sim, pois Jesus não nos pede para tolerar e sim amar), onde o sagrado de alguém é maculado e simplesmente, como na parábola do bom samaritano, seguimos em frente.
Vendemos Jesus quando conscientes de que existe um racismo que é estrutural, ignoramos, fingimos que não é conosco e seguimos em frente.
Vendemos Jesus quando em troca de nossa estabilidade, nós nos calamos, nós nos omitimos...
E a dúvida? Acaso serei eu Senhor? O evangelho não deixa fora o discípulo mais amado e nem Pedro, a Rocha. Foram aqueles imperfeitos, aqueles seres humanos que Jesus escolheu para caminhar. Um por um eles questionaram e podemos pensar que eles se questionaram também: serei eu capaz? Que tipo de ser humano eu sou?
E enquanto Judas vivia o drama daquele que trai, o drama de vender o Bom, de se aliar com o mal, os outros, após Jesus ter revelado que seria traído, se questionavam, um por um, segundo o relato de Mateus, se seria ele o algoz de seu mestre. Como eu não sei se eu serei o traidor ou não? Parece até o diálogo de Alice no país das maravilhas com a lagarta, onde esta questiona: "Quem é você Alice" e ela responde que não sabe. Mas, simultaneamente, o relato nos informa que esse questionamento vem envolto em um sentimento de muita tristeza, vergonha... Houve ali um despir-se e um acolhimento. E enquanto a tristeza e a vergonha despiam os discípulos, Jesus acolhia…
E Jesus é aquele que, apesar de todas as evidências, ele continua perto, simplesmente porque ama, porque sente compaixão, se faz um com, se compadece da dor e reconhece as nossas limitações... Aquela ceia foi tensa, não só o duro passado dos patriarcas, dos antepassados, se fazia presente, mas também o inevitável e cruel futuro.
Imagino que a incerteza estava no semblante de todos os presentes ali naquele espaço: das várias Marias, Anas, Naímas, Jorges, Carlos, Zakis, Ayos, Yakins, Bentos... todos, todas que acompanhavam Jesus em sua entrada triunfante em cima do jumento enquanto o povo com as folhas de ramos nas mãos gritava, suplicava: "Hosana ao Filho de Davi!"
Hosana ao Filho de Davi!