Por: André | 24 Mai 2013
Na história do mundo, encontramos em relação a Deus as mesmas características e os mesmos traços que vemos naqueles que o descrevem. Quer isso dizer que Deus é inacessível e indefinível? Não! Não acredito nisso. Entretanto, se Deus se parece tanto conosco, talvez seja porque nós fazemos parte do que ele é em si mesmo e que ele só é acessível como ser de relação e de comunhão.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da arquidiocese de Quebec, Canadá, publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras da Festa da Santíssima Trindade. A tradução é do Cepat.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
Primeira leitura: Pr 8, 22-31
Segunda leitura: Rm 5, 1-5
Evangelho: Jo 16, 12-15
Como dizer Deus? Como defini-lo? Em todos os tempos, mulheres e homens procuraram compreender e definir Deus. Mas é sempre a partir do que nós somos que o fazemos. E isto porque esta célebre piada guarda toda a sua verdade: “Deus criou o homem à sua imagem e o homem a espelhou”. Na história do mundo, encontramos em relação a Deus as mesmas características e os mesmos traços que vemos naqueles que o descrevem. Quer isso dizer que Deus é inacessível e indefinível? Não! Não acredito nisso. Entretanto, se Deus se parece tanto conosco, talvez seja porque nós fazemos parte do que ele é em si mesmo e que ele só é acessível como ser de relação e de comunhão. Não é esse o Deus que Cristo nos apresentou?
1. Deus é Trindade
A palavra Trindade não aparece na Bíblia. Ela é fruto de uma longa reflexão teológica. No Concílio de Niceia, em 325, tentou-se definir o Deus Trindade evitando utilizar a palavra pessoa, porque não queria estabelecer uma hierarquia, uma desigualdade entre o Pai, o Filho e o Espírito. É somente em 381, no Concílio de Constantinopla, que se descreveu Deus como um Deus em três pessoas. ... Houve muitas disputas antes de se chegar a um consenso. No entanto, a maneira como Jesus nos fala do Pai e do Espírito, no Evangelho de hoje, parece tão simples e tão natural ao mesmo tempo. Então, por que esta complicação? É, sem dúvida, porque nós, seres humanos, gostamos de complicar as coisas simples, mas isso nos diz ao mesmo tempo, que o nosso conhecimento de Deus evolui ao longo do tempo, e é, sem dúvida, o que São João nos quer dizer hoje, quando escreve: “Ainda tenho muitas coisas para dizer, mas agora vocês não seriam capazes de suportar” (Jo 16, 12). E acrescenta: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele encaminhará vocês para toda a verdade” (Jo 16, 13a).
Mas atenção! Se o Espírito Santo nos encaminhará para toda a verdade, isso é feito aos poucos. Ela se exprime no tempo e na história... numa evolução. O exegeta francês Jean Debruynne escreve: “A verdade é um caminho: ‘Ainda tenho muitas coisas para dizer, mas agora vocês não seriam capazes de suportar’... O Espírito de Deus está encarregado de nos encaminhar para toda a verdade. Não há melhor maneira de dizer que a verdade não é preta ou branca, nem um resultado nem um volume de negócios, mas um caminho. É uma aproximação, um passo a passo. É uma história. O Espírito não trabalha segundo trâmites, nem segundo a lógica empresarial. A verdade não se adquire como um diploma. O Espírito é uma pessoa. A terceira pessoa da Trindade”.
Foi o que me fez dizer no Pentecostes, na semana passada, que o Espírito Santo que habita em nós era Amor, universal, movimento, mas também memória, não do passado, mas do futuro. O futuro está sempre para ser feito. Recordemos o que Jesus dizia: “Mas o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai vai enviar em meu nome, ele ensinará a vocês todas as coisas e fará vocês lembrarem tudo o que eu lhes disse” (Jo 14, 26). Mas como, então, o Espírito pode ser memória do futuro? É simples: a Palavra é uma semente e uma semente cresce. Portanto, nada foi dito uma vez para sempre. A Palavra está em devir e isso porque nós estamos muito mais próximos da colheita hoje do que quando a Palavra de Cristo foi semeada. Ao mesmo tempo, a nossa compreensão de Deus também evolui.
Já no Antigo Testamento as pessoas se perguntavam sobre Deus, tentavam defini-lo. O livro dos Provérbios tenta responder à seguinte pergunta: como os seres humanos podem conhecer a Deus? Porque se Deus é Deus foge do nosso conhecimento, assim como um tijolo não pode saber o que é um cavalo! Mas Deus nos deu a Sabedoria, inscrita na nossa compreensão da criação. Se a Sabedoria não é Deus, ela é seu espelho perfeito, feito à nossa medida. Assim o Antigo Testamento balbucia o mistério da Trindade: Deus se manifesta a nós como o Pai da Sabedoria, que é o Filho ou a Filha, espelho do Pai, Palavra (Verbo) do Espírito.
O Deus Trindade é um conceito não fixo no tempo. O compreendemos melhor hoje do que no momento da sua criação. Mas porque Deus Pai, Filho e Espírito? Simplesmente porque Deus é Amor; ele é relação, comunicação, comunhão. É desta maneira que nos é apresentado nos Evangelhos.
2. Deus é Amor
“Deus é Amor” (1 Jo 4, 8), nos disse São João. O Amor é a forma perfeita da relação. O padre francês León Paillot escreve: “Se Deus é Amor, não há amor sem objeto amado. Ele se ama. Ele é amado. Ele nos ama. Ele nos convida a entrar cada vez mais intensamente em sua vida de amor”. Não foi isso que Cristo veio nos ensinar? “Se alguém me ama, guarda a minha palavra, e meu Pai o amará. Eu e meu Pai viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14, 23). Isso quer dizer que nós fazemos parte do mistério de Deus, porque Deus é relação e comunhão conosco, pelo Cristo, no Espírito Santo.
Na semana passada, São Paulo, na sua carta aos Romanos, dizia: “O próprio Espírito assegura ao nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8, 16). E acrescentava: “E se somos filhos, somos também herdeiros: herdeiros de Deus, herdeiros junto com Cristo, uma vez que, tendo participado dos seus sofrimentos, também participaremos da sua glória” (Rm 8, 17). No fundo, São Paulo nos quer dizer que precisamos assumir a nossa condição humana até o fim, com suas fragilidades, seus limites, suas pobrezas e sua finitude. E hoje, na mesma carta aos Romanos, São Paulo afirma que nós, os cristãos, vivemos na esperança, e escreve: “E a esperança não engana, pois o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5).
Nós somos, portanto, concernidos pela festa de hoje. A Trindade diz alguma coisa sobre o que nós nos tornamos pela nossa pertença ao Cristo ressuscitado. Apesar da nossa finitude humana, nós somos seres de relação e de comunhão entre nós, evidentemente, mas também com Deus Pai, por seu Filho, no Espírito Santo. Pelo Amor que nos une, nós vivemos na esperança da Páscoa. Não é a esperança o melhor da fé? Recordemos o que disse Charles Péguy: “A fé que eu prefiro, diz Deus, é a esperança. A fé, e isso me surpreende, não é admirável... Mas a esperança, diz Deus, e isto me surpreende. Isso é incrível. Que essas pobres crianças vejam como tudo isso se passa e que eles creiam que amanhã será melhor... Isso é espantoso e é a maior maravilha da nossa graça... No caminho da salvação, na estrada interminável, no caminho entre essas duas irmãs, a fé e a caridade, a pequena esperança avança. É ela, essa pequena, que arrasta tudo. Porque a fé vê apenas o que é. Ela vê o que será. A caridade ama apenas o que é. Ela ama o que será. A fé vê o que é. No tempo e na eternidade. A esperança vê o que será. No tempo e para a eternidade. Por assim dizer, no futuro da própria eternidade”.
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