27 Junho 2014
Segunda-feira, final de tarde. Terminava a partida entre Holanda e Chile, em São Paulo. Da estação Corinthians-Itaquera, que serve o estádio de futebol, pego a linha 3 do metrô para descer no Tatuapé. Em uma rua vizinha ao shopping center, cruzo com vários camelôs, que oferecem bonés, relógios, bijuterias, iPods e outras bugigangas. Em meio aos vendedores brasileiros, reparo em dois jovens que falam outra língua que não o português. Cheikh e Mor conversam em uólofe e vêm da mesma região do Senegal, Diourbel, situada a 200 quilômetros de Dacar, no interior.
A reportagem é de Anthony Hernandez, publicada pelo jornal Le Monde, e reproduzida pelo Portal Uol, 26-06-2014.
Há anos, trágicos naufrágios vêm se multiplicando no Mediterrâneo, onde milhares de imigrantes africanos, anônimos, perderam a vida (cerca de 4.000 desde 2009). Embora a Europa, tão difícil de alcançar para esses jovens, ainda seja a opção preferida, fico sabendo que a América Latina é considerada agora por um número cada vez maior de africanos como um novo eldorado.
Na Argentina, principalmente na capital Buenos Aires, existe uma imigração proveniente da África Ocidental há cerca de 15 anos. Seriam de 5.000 a dez mil deles, a maioria de senegaleses. No caso do Brasil, desde que o ex-presidente Lula decidiu expandir seus laços comerciais com a África, jovens como Cheikh e Mor decidiram atravessar o Atlântico na direção do gigante da América do Sul. Eles aceitaram falar sobre sua trajetória.
Redes clandestinas de imigração através do Equador e do Peru
Cheikh, 28, que domina perfeitamente o francês, era vendedor em uma farmácia em seu país. Ele chegou direto ao Brasil com um visto de turista. "No Senegal, eu tinha trabalho, mas não ganhava muito dinheiro. Lá se fala muito bem do Brasil. Então tentei a sorte. Há cerca de mil senegaleses em São Paulo", ele explica.
Faz um ano que ele se instalou na megalópole de mais de 11 milhões de habitantes. "Tenho um protocolo de refugiado que preciso renovar regularmente junto à Polícia Federal. Isso é feito com facilidade", ele explica. No futuro, o jovem espera obter um status mais permanente, que lhe daria acesso a mais oportunidades. "Com um visto de residência, posso ter os mesmos direitos que os brasileiros. Posso trabalhar. Está cada vez mais complicado de conseguir, as entrevistas são marcadas para dali a quatro ou cinco meses", conta Cheikh, cuja esposa permaneceu em seu país.
Já Mor, 26, se instalou em São Paulo há nove meses. Sua trajetória foi mais complicada. Foi através de um voo com destino ao Equador que ele pôs os pés em solo sul-americano. "No Senegal, as pessoas recrutam voluntários para o Brasil. Paguei 3 milhões de francos CFA (cerca de R$ 13,5 mil). No Equador, me pediram mais 200 mil francos CFA (cerca de R$ 900) para chegar até o Peru. De Lima, fui para Cuzco e depois para Puerto Maldonado, próximo da fronteira brasileira", ele conta.
O ex-professor de árabe atravessou então a fronteira e foi parar em um acampamento de refugiados: "Há muitos haitianos, mas outras nacionalidades também vêm parar aqui. A polícia fez um levantamento e regularizou nossa situação. Depois, peguei um ônibus para São Paulo pagando R$ 400. O trajeto durou dois dias."
O caso de Mor não é isolado, uma vez que em abril de 2013 o Estado brasileiro do Acre, fronteiriço com o Peru e a Bolívia, lançou um sinal de alerta. Redes clandestinas de imigração proveniente do Senegal, de Marrocos, da Líbia e de Bangladesh estão levando um número crescente de imigrantes para essa parte do mundo, situada nos contrafortes dos Andes. O Estado, que possui um centro de acolhimento com 200 vagas, no ano passado abrigava 1.200.
Arrependimentos e conformismo
Cerca de 20 jovens senegaleses se instalaram nesse pedaço de concreto. Cheikh e Mor ganham cerca de R$ 1.000 por mês vendendo seus artigos. "Contribuo com até R$ 300 no aluguel de um apartamento no centro junto com quatro outros senegaleses. Há duas camas grandes. É decente", diz o primeiro, que prefere pagar mais caro por um lugar que ele considera mais seguro.
Os dois amigos não têm a mesma visão sobre suas novas vidas. O mais velho se arrepende da aventura, enquanto o segundo se mostra mais conformado. Para Mor, que ganhava o equivalente a R$ 500 no Senegal, sua renda brasileira é suficiente para enviar dinheiro todo mês à sua família.
O discurso de Cheikh é muito diferente. "Arrependo-me de ter vindo e não sou o único. Um amigo foi embora depois de um mês. Dizem que tudo é mais fácil no Brasil, mas é muito difícil. O custo de vida é alto". Ele se deu mais dois anos no Brasil antes de voltar ao Senegal. "Não posso voltar antes disso, sem dinheiro, por orgulho. Preciso primeiro poupar, e isso leva tempo", ele confessa.
Uma vitória do Brasil para ajudar nos negócios
A convivência com os camelôs brasileiros, migrantes do interior, às vezes é delicada. "Alguns deles estão aí há 15 anos. Então nós, que chegamos depois, fomos nos instalar um pouco mais longe, atrás do shopping center", eles explicam. E a relação com a população também não é um mar de rosas. "Embora algumas pessoas nos considerem como irmãos, por causa das raízes africanas no Brasil, outras nos olham com curiosidade ou até hostilidade. É claro que existem negros, mas é diferente. Aliás, o branco às vezes nos aceita melhor do que o negro", diz Mor, segundo sua experiência pessoal.
Desde que a Copa do Mundo começou, os negócios não andam tão bem. "Estou vendendo menos. O custo de vida aumentou e os brasileiros estão com menos dinheiro", observa Cheikh. Sem muita empolgação, o jovem imigrante se rende a acompanhar a competição e, apesar da ausência dos Leões de Teranga, especialmente as equipes africanas.
"Sou africano, então meu coração torce para nossos representantes, mas a razão pende para o Brasil. Se os brasileiros vencerem, será bom para os negócios", ele espera.
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Africanos veem na América Latina (e no Brasil) novo eldorado para imigração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU