15 Outubro 2015
Vistas de Santa Marta, as manobras destes dias levam a pensar em uma operação projetada há muito tempo para deslegitimar dois anos de papado. O objetivo é o de transmitir a impressão de que, seja com Bergoglio, seja com Ratzinger, nada muda.
A reportagem é de Massimo Franco, publicada no jornal Corriere della Sera, 14-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O plano dos adversários está assumindo contornos mais nítidos. E inquietantes. Antes, a confissão libertadora e provocatória do teólogo homossexual polonês Krzysztof Charamsa antes do Sínodo. Agora, enquanto ele está em pleno andamento, a carta espúria de uma dezena de cardeais conservadores. E em breve, quem sabe, outro ataque oblíquo contra o Papa Francisco.
"Não está chegando um novo Vatileaks, mas alguns querem dar essa impressão para desestabilizar um pontificado que tenta fazer limpeza." As palavras de um dos eclesiásticos mais próximos de Jorge Mario Bergoglio mostram-se preocupadas, até mesmo alarmadas.
O que está acontecendo pode ser definido como uma provocação, ou um defeito de governo, ou a exasperação de minorias da Igreja Católica que se sentem fora de jogo e próximas da marginalidade. Na Casa Santa Marta, porém, onde Francisco mora, a análise das manobras destes dias é mais radical. Leva a pensar em uma operação projetada há muito tempo e destinada a deslegitimar não o Sínodo, mas os dois anos de papado argentino; a descrever um episcopado presa do caos, das rixas fratricidas, como se fosse a versão curial do Parlamento italiano; e a empurrar tudo de volta, como se, nos 30 últimos meses passados, pouco ou nada mudou.
Já tinha acontecido algo desse tipo na reunião anterior, em fevereiro. Na época, a gestão "liberal" do Sínodo por parte de Bergoglio também havia provocado resistências e reações, quando se tinha falado de Comunhão para os casais divorciados. Havia sido publicado um relatório que parecia pré-constituir e desequilibrar o resultado daquela assembleia. E o estilo "latino-americano" do pontífice havia sido apontado como uma das causas da confusão e da desorientação.
Mas, desta vez, percebe-se um maior pré-ordenamento: não tanto de Francisco, mas dos seus adversários. A evocação do Vatileaks no jornal Corriere della Sera pelo cardeal Gerhard Müller, "guardião" da Doutrina da Fé, talvez sem calcular todas as implicações disso, foi uma faca de dois gumes.
Involuntariamente, Müller não só fotografou a sua irritação e o seu espanto. O alto prelado alemão, um dos signatários de uma carta da qual, porém, o conteúdo também teria sido modificado sem o conhecimento dele e de outros cardeais, deve ter se sentido usado e instrumentalizado.
Assim como o "ministro da Economia" do Vaticano, o cardeal George Pell, que declarou nesse domingo: "As assinaturas estão erradas, mas, acima de tudo, a maior parte do conteúdo não corresponde. Eu não sei por que isso aconteceu nem quem conseguiu publicá-la assim".
É uma reação que obriga a pensar em uma operação muito pouco cristã; e que traz à tona a consistência de uma "Internacional Tradicionalista" contrária ao papa em questões doutrinais e de poder.
Mas aquela palavra, Vatileaks, remete ao escândalo que surgiu na parte final e convulsionada do pontificado de Bento XVI. Lembra os "leaks", os vazamentos de notícias do Vaticano, confiados a toneladas de documentos filtrados do Apartamento, a residência de Joseph Ratzinger no Palácio Apostólico, pelas mãos do seu mordomo pessoal, Gabriele: um personagem que continua aparecendo como o maior responsável e o principal bode expiatório daquele caso nebuloso.
Foi depois dessas revelações que, pela primeira vez depois de sete séculos, um papa renunciou. A traumática saída de cena de Bento XVI em fevereiro de 2013; a eleição do argentino Bergoglio; a sua escolha de ir morar em Santa Marta, um hotel bastante espartano na "periferia" da Cidade do Vaticano, em vez de voltar para o "Apartamento maldito" de Bento XVI: todas são consequências em cascata daquele evento e rupturas com o passado que a Igreja tenta arquivar, senão remover. Dizer que está prestes a explodir um novo Vatileaks, ao contrário, transmite a impressão de que, com Bergoglio ou com Ratzinger, nada muda.
Ainda existem os "corvos" que roubam documentos e os dão de alimento instrumentalmente par a opinião pública. Existem lutas de poder. E continuam existindo maiorias e minorias em guerra. Esse é o cálculo de quem joga entre os pés do Sínodo um pretexto de tensão após o outro: transmitir com "verdades" manipuladas e poluídas, mas plausíveis, a ideia de uma realidade imutável, especialmente em negativo.
O risco é acentuado pela pressão intermitente que Francisco parece demonstrar sobre os gânglios do poder "romano". Apesar da multiplicação de comissões e reformas, a Cúria parece estar na defensiva, mas ainda decidida a resistir a um estilo de governo considerado ao mesmo tempo radical e inconclusivo demais.
O fato de que na comitiva papal se fale de um Vaticano enfileirado contra Bergoglio, afirmação que é um oxímoro, ao menos explica em parte a confusão e as manobras. Até porque, dentro dos Sagrados Muros, acredita-se em um papa hostil ao Vaticano: o que seria outro paradoxo.
"Espero que nos encontremos diante de uma provocação", confidencia um amigo de confiança de Francisco. "Eu não gostaria que fosse algo pior. É o segundo ataque contra o papa desde o início do Sínodo. Eu não descartaria um terceiro ou um quarto. Temo uma manobra de desestabilização de fora." Quem seria o seu diretor e com que objetivo final ainda não está claro para quem a denuncia.
"A única coisa que posso dizer é que não estamos na situação de 2013, antes da renúncia de Bento XVI. Aqui, ninguém perde a cabeça, embora talvez alguns esperem isso", avisa o interlocutor vaticano. Porém, a menção a 30 meses atrás, um período que, revisto hoje, parece pré-histórico, dá calafrios. A aproximação leva a suspeitar que alguém quer induzir Bergoglio a jogar a toalha, a voltar para a sua Buenos Aires como perdedor ou como mal compreendido: derrotado pela eternidade, não pela Igreja, mas pelos mecanismos e pelas dinâmicas vaticanas.
"Mas isso não vai acontecer", assegura um expoente latino-americano. "O Sínodo", acrescenta, "vai acabar bem, apesar das tentativas de esmagá-lo sobre as questões mais polêmicas. As minorias, a hiperconservadora e a hiperprogressista, se revelarão como tais. E a grande maioria vai ficar com Francisco."
Os críticos mais extremistas, porém, estão obtendo um resultado: semeiam sombras, e os sucessos internacionais do pontificado voltaram para o segundo plano. Confirma-se a previsão daqueles que consideram que, se realmente quiser vencer o mundo, Bergoglio terá de enfrentar e superar o desafio que Roma lhe impõe.
Hoje, os seus adversários mais ferrenhos não se escondem entre as multidões que aplaudem, mas nas fileiras do seu exército eclesiástico: até mesmo entre os "barretes vermelhos" que lhe batem palmas.
Por isso, o vazamento vai continuar. Mas também as reformas, porque Francisco não pode deixar de seguir em frente.
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Recriar o clima de Vatileaks: o plano dos inimigos do papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU