20 Julho 2015
"A campanha por Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) reverbera no mundo todo, inclusive dividindo as comunidades judaicas na Diáspora (e com muitos simpatizantes em Israel). Deveria ser digno de celebração o fortalecimento dessa estratégia de resistência não violenta, que se mostra muito mais eficaz para a causa palestina do que a violência cega de atos terroristas", escreve Sérgio Storch, em artigo publicado por CartaCapital, 16-07-2015.
Eis o artigo.
“Primeiro eles te ignoram, depois
te ridicularizam, depois te atacam…
e então, você vence”
(Gandhi)
Ainda não há o Gandhi palestino. Já houve sinais, mas, como Mandela antes do fim do apartheid, talvez esteja encarcerado. Certamente um Gandhi palestino não interessa à direita israelense. Preferem terroristas, pois essa direita vive de explorar o pânico, que acaba justificando o uso da força bruta. Se assim não fosse, não solapariam a todo momento a OLP e a Autoridade Nacional Palestina.
Por isso, a resistência não violenta palestina não se assemelhará ao movimento de Gandhi para libertação da Índia, em 1948, fundado nas ideias de Ahimsa (não-violência) e Satyagraha (força da verdade). Outros tempos, outro contexto, outra sociedade.
Suponho que Gandhi não deixaria contaminar seu movimento constrangendo pessoas a apoiá-lo (constranger pessoas seria contradizer a Ahimsa), como Caetano e Gil vêm sendo constrangidos pela campanha BDS (Movimento que estimula “boicote, desinvestimento e sanções” a Israel) a cancelarem seu show em Tel Aviv em 28 de julho.
E não deixaria seu movimento escorregar em aventuras, como a ocorrida recentemente na Universidade Federal de Santa Maria, em que o reitor, despreparado, derrapou para um ato digno do fascismo, de solicitar listas de nomes de israelenses na universidade.
É pena, pois, concordando ou não com a estratégia hegemônica no movimento de solidariedade palestina, de boicote, desinvestimento e sanções a Israel pelo fim da ocupação que já dura 48 anos, tratá-la como ilegítima é ignorar que os governantes de Israel, recém reeleitos, não deixaram opções melhores aos palestinos.
Os governos de Netanyahu, desde o primeiro, em 1996-1999, até este terceiro mandato continuado desde 2009, foram historicamente persistentes ao anunciarem seguidas expansões na construção de colônias de ocupação ilegais, e não se moverem um milímetro em questões cruciais para a esperança da libertação palestina, como são as de direitos humanos, prisões injustificadas e arbitrárias, até mesmo de crianças (vide evento recente do American Friends Committee, dos Quakers, na ONU), e expropriação de terras e casas de palestinos.
Sem falar na conivência e impunidade gritante de soldados e colonos que cometem atos bárbaros contra pessoas desarmadas.
A campanha por Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) reverbera no mundo todo, inclusive dividindo as comunidades judaicas na Diáspora (e com muitos simpatizantes em Israel). Deveria ser digno de celebração o fortalecimento dessa estratégia de resistência não violenta, que se mostra muito mais eficaz para a causa palestina do que a violência cega de atos terroristas.
Mas, ao contrário, eis que reverberam artigos no mundo todo, ecoando a paranóia de Netanyahu e Sheldon Adelson (bilionário de Las Vegas que financia o lobby pró-Netanyahu, mal chamado de pró-Israel), atacando a legitimidade do BDS. Aqui ecoam de forma histérica pela revista Veja e seus satélites.
O BDS está ganhando, e Israel já vem se ressentindo.
Mas será que o BDS é contra os interesses do povo israelense? Como encararíamos, nós brasileiros, se no auge da ditadura militar houvesse uma campanha de boicote internacional contra o Brasil em prol dos direitos humanos? Quem teria entendido que Jimmy Carter, ao defender sanções ao governo brasileiro, era contra os nossos interesses? Claro que num movimento de sanções ao Brasil haveria interesses mesquinhos tirando uma casquinha, assim como no BDS há oportunistas aproveitando a onda para colocarem suas bandeiras, inclusive discursos antissemitas.
Mas isso não retira legitimidade à causa palestina.
Os que atacam o BDS, sem proporem caminhos para a superação da situação de opressão e injustiças que vem se perpetuando por parte de Israel não têm lastro moral. Os ataques ao BDS são hipócritas, se vindos na voz de pessoas que fecharam os olhos e nunca levantaram a voz contra a prepotência israelense. Muitos seguiram a lógica do avestruz, enfiando a cabeça na areia, como se nada estivesse acontecendo. Até meses atrás seguiam o catecismo de Netanyahu, segundo o qual o problema número um de Israel era a ameaça nuclear iraniana. A questão palestina era vista como irrelevante.
O BDS é expressão do movimento que ocorre no seio da sociedade palestina, de parar com as iniciativas de diálogo que foram sustentadas por décadas, porque na sua visão contribuem para pôr panos quentes, para “normalizar” a ocupação. Décadas de diálogo e busca mútua de aproximação não trouxeram resultados convincentes. É compreensível que os setores que apostam na confrontação com Israel tenham conquistado maior força, mesmo que estejam longe de terem unanimidade por parte dos palestinos.
Para quem deseja um futuro de paz e reconciliação entre israelenses e palestinos, e que vê no BDS uma radicalização que pode ameaçar esse futuro, só há uma saída: a de reconhecer a arapuca do pensamento binário que só vê duas opções, de ser a favor ou contra.
Há uma terceira via: quem não apoia o BDS pode apoiar o amplo movimento que existe, de milhares de israelenses e palestinos, e de ativistas em ambas as diásporas, que lutam ombro-a-ombro, pelo fim da ocupação e das injustiças, em dezenas de ONGs como os Combatants for Peace, o ICAHD (Israeli Committee Against House Demolitions), o B´Tselem (organização israelense e palestina por direitos humanos nos territórios ocupados), Ta´ayush (que luta contra as expulsões de palestinos de suas terras e pela igualdade de direitos civis em Israel).
Enquanto esse movimento de luta conjunta não tem vitórias expressivas (ou é derrotado como nas recentes eleições, em que Netanyahu venceu mais uma vez pela manipulação da paranoia), o BDS vence como a opção mais bem sucedida tentada até hoje pelos palestinos. E, como disse Weber, em política prevalece não a ética dos princípios, e sim a ética dos resultados. Estão no seu direito.
Nós, judeus pela justiça e pelos direitos, que não queremos, e que achamos injusta a estigmatização de todo um povo, o israelense, temos o desafio de mostrar que para os palestinos há luz no fim do túnel, e que temos reservas morais e políticas em Israel e na Diáspora para isso. Afinal, o hino de Israel chama-se Hatikva: A Esperança.
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Uma alternativa contra a ocupação da Palestina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU