19 Mai 2015
Faz um mês desde que o Vaticano terminou a sua supervisão polêmica da Conferência de Liderança das Religiosas – LCWR (na sigla em inglês). Sem coletiva de imprensa e com pouco alarde, a Congregação para a Doutrina da Fé e a LCWR – grupo que representa cerca de 80% das 57 mil irmãs católicas dos EUA – emitiram uma nota conjunta em 16 de abril anunciando o cumprimento da mandato inciado em 2012 para a reforma dos estatutos da LCWR.
Em seguida, ambos fizeram um período de silêncio.
A reportagem é de Dawn Cherie Araujo e Dan Stockman, publicada por National Catholic Reporter, 15-05-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A pedido da Congregação para a Doutrina da Fé, durante 30 dias nenhuma das partes falaria sobre o assunto, deixando os analistas especulando a respeito de algumas implicações: Será que as irmãs se renderam? O Vaticano se rendeu? Até que ponto o Papa Francisco influenciou nisso tudo?
Mas agora, depois de ter passado o tempo de 30 dias, as irmãs se manifestaram reconhecendo a tristeza, o escândalo e a humilhação tanto da avaliação doutrinal quanto do mandado subsequente, porém expressando gratidão pelo processo e esperança para com o futuro.
Para a Irmã Eileen Campbell, vice-presidente do Instituto das Irmãs de Misericórdia das Américas – uma das maiores congregações femininas nos EUA –, foi fundamental que as lideranças da LCWR reconhecessem a dor causada pela avaliação doutrinal e pelo mandado vaticano. Participante há nove anos da LCWR, Campbell disse que se emocionou quando leu o comunicado que a organização emitiu.
“Gostei que elas falaram sobre as dificuldades deste processo, porque realmente houve tempos difíceis”, disse. “Fiquei bem feliz que elas reconheceram a dor sentida – a humilhação pública –, mantando esta dor em perspectiva”.
Em seu comunicado, as líderes da LCWR manifestaram o desejo de que a experiência delas contribua para um novo entendimento quanto à resolução de conflitos – um entendimento de que não é preciso ser contencioso e amargo, podendo, em vez disso, descansar no diálogo, na integridade e no respeito mútuo.
Esta reflexão não ficou de fora do olhar dos observadores.
“O tom da avaliação doutrinal não indicava que ela seria, de alguma forma, um diálogo em dois sentidos”, disse Kathleen Sprows Cummings, diretora do Centro Cushwa de Estudos do Catolicismo Americano, da Universidade de Notre Dame. “Então, foi tremendamente reconfortante aprender que teríamos um diálogo assim, que haveria escutas de ambos os lados”.
Kathleen Cummings observou que a capacidade da LCWR em participar de diálogos nada fáceis, sem comprometer a integridade da organização mesma, expressa muito do modelo de trabalho que elas adotam.
De forma parecida se expressou Margaret Susan Thompson, professora de história e religião na Syracuse University, afirmando que há muito a se aprender com a forma como a LCWR lidou com a situação, tanto do ponto de vista interno quanto externo.
“Não foi um processo hierárquico, pois contou com a colaboração de todo o conjunto das ordens filiadas à LCWR”, disse, “o que é muito diferente do modelo que vem do Vaticano, de cima para baixo. Estas irmãs continuaram fazendo frente no processo imbuídas de um sentimento de contemplação – e isto não foi fácil fazer, pelo tempo que se passou e porque elas tiveram de trocar as suas lideranças nesse mesmo período”.
Mary Hunt, cofundadora do centro de educação feminista chamado Women’s Alliance for Theology, Ethics and Ritual, sediado em Silver Spring, no estado de Maryland, disse em nota ao National Catholic Reporter que a LCWR deveria receber aplausos pelo comprometimento à contemplação comunal e ao diálogo. Agora ficou para a Igreja como um todo aprender a se colocar no papel do outro, observando que a LCWR se portou de maneira exemplar diante de alguns problemas amplos que muitos na Igreja podem também enfrentar.
“É importante termos em mente a estrutura de cima para baixo na qual este diálogo se estabeleceu. A LCWR não foi convidada, mas forçada a participar de uma conversa a partir do ponto inicial negativo do acusado”, disse Hunt. “Até o momento em que se mudarem as estruturas, todos os diálogos – até mesmo os frutíferos – estarão limitados”.
Mas, independentemente desta limitação, a esperança é que estes momentos de diálogo produzam justiça e mudem as estruturas – mesmo se se precisar de um esforço constante e muito tempo, tal como aconteceu com inúmeras iniciativas não violentas.
Segundo a maneira como interpreta este momento a Irmã Simone Campbell – membro da LCWR e diretora executiva da NETWORK, grupo nacional católico de promoção da justiça social –, o que estas religiosas acabaram de fazer é mostrar ao mundo as palavras do Papa Francisco, sobre a construção da paz, na prática.
“A construção da paz exige analisar as realidades, não só teorias”, disse ela.
A Irmã Helen Marie Burns, presidente da LCWR em 1989, concorda com essa afirmação. Burns disse que a LCWR deu à Igreja um modelo para a resolução de conflitos o qual ela gostaria de ver implementado em toda a instituição.
“Este modelo sugere que, dentro da Igreja Católica – dentro da sua própria compreensão pastoral e teológica –, é legítimo apresentar um outro ponto de vista. É possível dizer aos que têm autoridade: ‘Precisamos falar sobre determinado assunto, pois o vemos de maneira muito diferente’”. Burns sugeriu que o modelo seja aplicado em exemplos onde teólogos são censurados pelo Vaticano antes mesmo que haja um diálogo.
“Esta é a minha esperança: que possa haver uma mudança tal que nos tornemos mais capazes de exercer um processo que contenha diálogos em seu centro”, falou ela, acrescentando que, em sua opinião, a parte do comunicado da LCWR sobre conflitos futuros foi o trecho mais marcante do texto.
“Aquele último parágrafo é a substância de valor que possa ter se acumulado a partir da investigação conduzida, longa e desnecessária”, disse.
Longa, talvez, porém finalizada. Em agosto, as congregações filiadas à LCWR estarão reunidas em Houston pela primeira vez desde o final do mandado, e as irmãs passarão parte dos dias de encontro refletindo sobre o que se passou. Elas publicarão um segundo comunicado sobre a conclusão do mandado, desta vez em nome de toda a Conferência.
A Irmã Eileen Campbell disse estar ansiosa por este momento.
“Estou feliz por poder celebrar com aquelas 800 mulheres!”, disse, sorrindo. “Quero celebrar a integridade do processo contemplativo e do diálogo mútuo, respeitoso. Quero comemorar o fato de que este tipo de diálogo é, sim, possível”.
As líderes da LCWR estão também olhando para o futuro. A provação da avaliação doutrinal e do mandado foi dolorosa, sim, mas as suas integrantes dizem que puderam emergir do outro lado com um melhor entendimento de si mesmas e com uma compreensão nova e mútua sobre a relação delas e o Vaticano.
“O processo no qual estávamos envolvidas enquanto Conferência tornou-se uma fonte profunda de crescimento pessoal para cada uma de nós, aprofundando e fortalecendo os laços que existem entre as religiosas”, escreveram. Descreveram também que os diálogos travados com os três bispos nomeados para supervisionar o processo de reforma da organização foram conduzidos sob o espírito de oração e abertura.
“Acreditamos que, por estas trocas terem sido feitas em uma atmosfera de respeito mútuo, fomos levados a uma compreensão mais profunda uns dos outros. Ganhamos em discernimento sobre as experiências e perspectivas destes líderes eclesiais, e sentimos que as nossas experiências e perspectivas foram ouvidas e valorizadas”, acrescentaram.
Leia aqui o comunicado da LCWR em inglês.
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Analistas veem a LCWR como um modelo para toda a Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU