20 Abril 2015
Religiosas católicas e observadores reagiram com um notável – porém silencioso – sentimento de alívio à notícia de quinta-feira (16) de que a supervisão vaticana sobre o seu maior grupo de lideranças havia terminado dois anos antes do período previsto.
A reportagem é de Dan Stockman e Dawn Cherie Araujo, publicada por National Catholic Reporter, 17-04-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A Congregação para a Doutrina da Fé – CDF aceitou um relatório final da avaliação doutrinal da Conferência de Liderança das Religiosas – LCWR (na sigla em inglês), disseram as autoridades, terminando com uma investigação polêmica sobre o grupo que representa 80% das aproximadamente 50 mil religiosas nos Estados Unidos.
A CDF pediu aos seus próprios representantes e à LCWR que não falassem à imprensa sobre o assunto nos próximos 30 dias, deixando grande parte das respostas a analistas externos.
A irmã beneditina Joan Chittister, ex-presidente da LCWR, foi uma das poucas pessoas que falou sobre o assunto. Ela considerou muito cortês o acordo.
“O documento sobre a LCWR parece, a mim, ser bastante equilibrado. Ele não ataca ninguém. Não é contencioso, é cortês”, disse Chittister, autora best-seller e palestrante conhecida internacionalmente na área da justiça, paz, direitos humanos, questões femininas e espiritualidade contemporânea na Igreja e na sociedade. (Ela também é colaboradora dos sítios National Catholic Reporter e Global Sister Report.)
“Para mim, este documento parece ser um longo diálogo em que as mulheres estiveram num mesmo plano de igualdade. Na verdade, estou bastante orgulhosa com o empenho demonstrado pela CDF e pela integridade que eles mantiveram, a meu ver, neste diálogo”.
E o que é mais importante, disse Chittister, é que a LCWR não perdeu a sua capacidade de trabalhar com liberdade.
“Neste documento, não vejo nenhuma mudança estrutural importante”, afirmou. “Pelo menos, não há nada nesse sentido, o que é uma boa notícia. O LCWR ainda é uma organização das religiosas, e não uma organização de bispos superintendentes”.
A Congregação para a Doutrina da Fé havia exigido que um bispo, por ela nomeado, aprovasse os oradores, ou oradoras, para os eventos da LCWR; as representantes da LCWR não chegaram a dizer explicitamente se iriam ou não cumprir esta exigência, mas disseram que “protegeriam a integridade da organização”. O relatório diz ter sido acordado um “processo revisado” para a escolha do vencedor do prêmio anual concedido pelas religiosas, o “Outstanding Leadership Award”.
Porém, não ele não menciona qual é este novo processo. A escolha de alguns vencedores para esse prêmio causou polêmica e foi motivo de contenda no Vaticano.
A assembleia anual da LCWR deste ano terá como oradora de destaque a Irmã Janet Mock, da Congregação de São José e que já foi diretora-executiva da LCWR; e como orador o Pe. Stephen Bevans, SVD, professor de missão e cultura na Catholic Theological Union. O homenageado com o “Outstanding Leadership Award” 2015 ainda não foi anunciado.
Chittister disse que uma das questões em jogo na avaliação doutrinal era a capacidade das líderes religiosas de pensarem livremente, questionarem e buscarem ideias e pontos de vista variados – porque o fundamento das boas decisões é pensar um assunto até o fim a partir de vários ângulos.
“Visto que este documento não quer dizer que o pensamento será controlado ou que as respostas do século XIX serão as únicas respostas a que esta organização pode chegar, e que somente uma lista de palestrantes aprovados poderia nos ajudar a explorar todas as dimensões de um tópico – bem, então eu estou muito feliz que o texto do relatório tenha chegado a uma tal moderação”, disse Chittister.
“Eu só quero apontar para o fato de que, no futuro, as religiosas terão de estar preparadas, novamente, para fazer frente aos grandes problemas que desafiam tanto os EUA quanto os direitos humanos, pois a liderança delas é essencial. Esta liderança e o desenvolvimento do pensamento destas mulheres é algo essencial para o futuro da Igreja bem como para o futuro da vida religiosa”.
A Irmã Simone Campbell, assistente social e diretora-executiva da ONG Network, disse que não consegue imaginar um resultado melhor do que este apresentado no relatório.
“Foi um grande alívio ouvir que esta investigação está terminando”, disse Campbell. “O diálogo foi, realmente, central nisso tudo – o diálogo de qualidade entre a LCWR e Dom Peter Sartain para compreender tanto a missão quanto a experiência vivida de uma maneira diferente”.
Campbell disse ser relevante que o Vaticano tenha reconhecido a importância das religiosas no corpo de Cristo.
“Eles reconheceram que as publicações da LCWR não são apenas para as irmãs, mas também para as pessoas necessitadas”, disse. “Eles reconheceram que, além da missão de serviço destas irmãs, há um serviço maior que elas fazem. Ter o Vaticano reconhecendo isso representa uma avaliação interessante de quão necessitado o nosso povo está, e eu acho que é, também, uma reflexão destas lideranças e do nosso papa, da sua cultura do encontro”.
Ken Briggs, autor de “Double Crossed: Uncovering the Catholic Church's Betrayal of American Nuns” [sem tradução para o português], observa que os documentos divulgados têm poucas informações sobre o que realmente aconteceu, “porque todos os detalhes, nuances e transcrições são mantidos em segredo”.
E, de certa forma, o que se revelou não é, exatamente, uma vitória para as religiosas, acrescentou Briggs.
“Com efeito, o Vaticano disse às freiras que elas precisam implementar as mudanças que os bispos exigiram, portanto os termos da censura foram satisfeitos, a supervisão pode ser terminada e tudo está bem”, disse o autor. “As freiras dizem que ficaram felizes com o resultado. Roma conseguiu o que queria: as religiosas rezaram, falaram e, aparentemente, concordaram com eles, e todos parecem acreditar que a censura produziu certo valor”.
Isto, disse ele, reforça os papéis tradicionais, onde a “hierarquia vaticana dita ensinamentos e critérios em virtude de direitos lhes dado pela ordenação e as freiras os cumprem por causa do voto de obediência à autoridade. Sob esta perspectiva, a colaboração não é essencial”.
A filosofia da Igreja é muito diferente da filosofia da sociedade, disse Briggs.
“Do ponto de vista norte-americano, trata-se de uma mostra da submissão destas freiras a acusações injustas. Mas esta crítica vem a partir de uma outra cultura”, declarou. “Ao mesmo tempo, as freiras respeitaram a estrutura autoritária da cultura alternativa com a qual elas se comprometeram e exercitaram o direito delas de não mudá-la”.
O Pe. Francis Clooney, sacerdote jesuíta e professor de teologia comparada na Harvard Divinity School, onde é também o diretor do Centro de Estudo das Religiões Mundiais, disse que o Papa Francisco influenciou, definitivamente, no acordo.
“Esta mudança se deve aos sinais claros do papa de que as suas prioridades são diferentes – não que ele não se preocupa com a doutrina. Em vez disso, ele quer, assim como a LCWR, enfocar os problemas à luz das questões urgentes da nossa época, com uma abordagem colaborativa, produtiva, orientada para a justiça, não para a doutrina em si mesma”, disse Clooney.
“Dadas a maturidade e a seriedade das líderes que compõem a LCWR e este momento, aparentemente novo, junto à CDF, eu acho que poderemos ver uma reconfiguração na forma como o Vaticano e suas congregações se relacionam não só com as irmãs, mas também com outros grupos na Igreja, grupos que se preocupam com a fé e com a prática dela, que permanecem leais, realizam o trabalho de Cristo e que, portanto, ultrapassam as fronteiras. Este poderia ser um momento para o bem de todos nós”.
Betty Thompson, do grupo Solidarity With Sisters, disse achar que partes do relatório eram simples formalidade.
“Eu me pergunto se, em parte, esta linguagem não foi empregada apenas para honrar o processo”, disse.
Isso não quer dizer que o processo, como um todo, não tenha sido levado a sério: “Eu realmente acho que eles tiveram diálogos de verdade durante estes anos. Eu levo a sério o que eles dizem, de que ambos os lados descobriram muitas coisas em comum”.
Thompson também elogiou o trabalho do arcebispo de Seattle, Dom Peter Sartain.
“Por mais que eu admire estas mulheres [da LCWR], elas não conseguiriam este resultado extraordinário, pacífico, sem terem se encontrado com alguém pronto ao diálogo aberto”, disse.
“Assim, acho que a resolução que vemos hoje passou por Dom Sartain, com sua conduta. Uma resolução como estas não seria possível sem um diálogo, certo? E a única forma de se ter um diálogo aberto é aquele que aconteceu, de modo bastante silencioso, com Sartain e a LCWR”.
A ONG Nun Justice Project emitiu uma nota dizendo ser coerente que, no Ano da Vida Consagrada, as autoridades eclesiais finalmente reconhecessem o trabalho e a liderança destas irmãs. Mas o grupo também quer mais.
“O Nun Justice Project acredita que um pedido de desculpas também deveria ser feito às irmãs, porém o fim da investigação já é, em si, um passo importante”, lê-se no texto divulgado. “Já que nenhum papa anterior havia se reunido com as lideranças da LCWR, o fato de hoje Francisco se encontrar pessoalmente com elas é esperançoso. Que este encontro inaugure uma nova era de comunicação positiva entre o Vaticano e as lideranças femininas da Igreja”.
O grupo reformista da Igreja Call To Action disse que o anúncio, de quinta-feira, foi “recebido com entusiasmo”.
“O testemunho corajoso e fiel das religiosas, a liderança delas, seus dons e carismas são fundamentais para a vida da nossa Igreja. Damos graças a Deus que esta experiência dolorosa tenha, finalmente, chegado a um fim”, disse Jim FitzGerald, diretor-executivo da Call To Action. “Nós continuamos ao lado das irmãs e esperamos que a ação de hoje abra as portas para uma relação mais igualitária entre estas líderes e as autoridades vaticanas”.
Deborah Rose-Milavec, diretora-executiva do FutureChurch – parte da coalizão Nun Justice –, disse estar feliz com o fim daquele “cerco” de acusações injustificadas contra as irmãs.
“Sem dúvida, este ataque pontual era grosseiramente injustificado. E, mesmo assim, no bojo do escrutínio e da desconfiança, a LCWR construiu um caminho de diálogo respeitoso que serve de modelo para toda a Igreja e mesmo de ajuda aos que deram início a esta avaliação doutrinal”, disse Rose-Milavec.
“A FutureChurch saúda o Papa Francisco por se encontrar com as lideranças da LCWR e por manifestar respeito e apreço pelo serviço fiel destas mulheres para com o Evangelho. Estamos profundamente agradecidas pelos inúmeros católicos e católicas que se postaram em solidariedade pelas nossas irmãs nestes últimos três anos”.
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Reações de alívio com o fim da controvérsia Vaticano x Religiosas americanas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU