Os dados apontam que durante a pandemia do novo coronovírus houve uma migração do formal para o informal, ao mesmo tempo em que a escolaridade dos trabalhadores domésticos também aumenta.
O trabalho doméstico registrou queda de 9,2% entre o primeiro trimestre e o último trimestre de 2020 na Região Metropolitana de Porto Alegre. Em ternos absolutos, passou de 112,7 mil para 102,3 mil trabalhadores domésticos. Apesar dos duros avanços conquistados para maior formalidade, 67,4% ainda estavam na informalidade, de acordo com os últimos dados. Nota-se também uma migração do formal para o informal, ao mesmo tempo em que a escolaridade dos trabalhadores domésticos também aumenta.
Muitos consideram o trabalho doméstico como a “economia do cuidado”, sendo um conjunto de atividades, como a limpeza da casa, preparação de alimentos e os cuidados com crianças, idosos e doentes. De acordo com a pesquisa realizada pela pesquisadora Hildete Pereira de Melo, professora de economia da Universidade Federal Fluminense - UFF, o trabalho doméstico equivalia a 11% do Produto Interno Bruto - PIB brasileiro. Em valores, foram cerca de R$ 634,3 bilhões em 2015.
A socióloga Luana Simões Pinheiro, em entrevista para a IHU On-Line, pontuou que “a pandemia contribuiu para retirar o véu da invisibilidade que marca o trabalho doméstico (seja ele remunerado ou não). De repente, aquele trabalho tido como menos importante e menos valorizado (que nem trabalho é considerado) tornou-se um “elefante” na sala”.
Entretanto, em relação ao trabalho doméstico remunerado, Pinheiro lembra que “é caracterizado, ainda hoje, por uma extrema precariedade e vulnerabilidade. Não apenas o nível de proteção social é muito baixo (menos de 30% possuem carteira de trabalho assinada), como há uma grande desvalorização social e econômica (as trabalhadoras domésticas ainda ganham menos que um salário mínimo por mês, na média), bem como muitos casos de abuso e assédio moral e/ou sexual, culminando, inclusive, com trabalhadoras em situação análoga à escravidão.”
Luana também destaca que “as trabalhadoras domésticas são basicamente mulheres, negras e de baixa renda, juntando em um mesmo corpo (e em uma mesma ocupação) o tripé de desigualdades que nos caracteriza enquanto sociedade: as desigualdades de gênero, raça e classe”, apontou na entrevista.
Os dados apresentados abaixo vão nessa direção.
O trabalho doméstico registrou queda de 9,2% entre o primeiro trimestre e o último trimestre de 2020 na Região Metropolitana de Porto Alegre. Observa-se que no primeiro trimestre de 2020 existiam 35,5 mil trabalhadores domésticos que possuíam vínculo formal, este número passa para 33,3 mil no quarto trimestre do mesmo ano, uma redução de 2.292 (6,4%) trabalhadores. Quando o olhar passa para os trabalhadores domésticos que se encontram na informalidade nota-se que eles passam de 77 mil no primeiro trimestre para 68,9 no quarto trimestre, uma queda de 8,1 (10,5%).
Apesar dos duros avanços conquistados para maior formalidade, 67,4% ainda estavam na informalidade, de acordo com os últimos dados. Nota-se também uma migração do formal para o informal durante a pandemia, ao mesmo tempo em que a escolaridade dos trabalhadores domésticos também aumenta.
Outra questão é as diferenças salariais entre os trabalhadores com e sem carteira assinada. Na faixa salarial abaixo de R$ 700, por exemplo, 2,7 mil formais recebiam esse valor, enquanto os informais eram 21,3 mil.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD indicam que durante o primeiro ano da pandemia aumentou consideravelmente o número de pessoas com ensino superior incompleto e completo como trabalhador doméstico. Inversamente, diminuiu o número de trabalhadores analfabetos e com ensino fundamental incompleto e completo.
Quando se repara pela escolaridade dos trabalhadores formais, pode-se perceber que ocorre uma queda na força de trabalho de 52,7% nos que possuem ensino fundamental, 12,3% nos possuem o ensino médio e 23,5% nos trabalhadores com ensino superior, enquanto cresce em 3 vezes a força de trabalho doméstica que possuem ensino superior incompleto.
Ao analisar pela escolaridade dos trabalhadores informais, percebe-se que ocorre um aumento em quase todas as escolaridades analisadas, a força de trabalho doméstica com ensino fundamental cresce em 2%, o que possuem ensino médio em 17,5% o ensino superior incompleto cresce em 3,4 vezes e o ensino superior em 2,8 vezes.
Os trabalhadores domésticos autodeclarados brancos são 71,1% na Região Metropolitana de Porto Alegre. No entanto, a variação do número de trabalhadores brancos antes da pandemia e no fim de 2020, foi de 12%, já para aqueles tidos como pretos, foi de 34,4%. Outro ponto importante apresentando nos dados é que antes de começar a pandemia, não havia nenhum trabalhador doméstico indígena. No fim de 2020, existiam 592 indígenas desemprenhando essa ocupação. A mesma situação aconteceu com as pessoas autodeclaradas amarelas.
Por fim, como já citado, o trabalho doméstico é desempenhado em quase sua totalidade por mulheres. Na Região Metropolitana de Porto Alegre não é diferente, elas representavam 90,2%, participação percentual que aumentou durante a pandemia. Idosos e jovens representavam 32,4% dos trabalhadores domésticos no final de 2020, participação que se manteve praticamente a mesma do primeiro trimestre.
Não é apenas no trabalho doméstico que as mulheres são mais impactadas. Desde 2012, quando a PNAD começou a ser realizada, as mulheres foram a maioria das desalentadas na Região Metropolitana de Porto Alegre, representando 60,7% em 2020. No primeiro ano da pandemia, houve um crescimento de 170,1% em relação ao ano de 2019. Enquanto isso, para os homens, o aumento foi de 75,8% em um ano.
Houve aumento de 123,1% no número de pessoas desalentadas de 2019 para 2020. Antes da pandemia, eram 19 mil pessoas nessa condição. Com os dados mais recentes, o número disparou para 42,2 mil.https://t.co/eGkBwJ5OLc
— IHU (@_ihu) March 29, 2021
Ainda de acordo com a PNAD, 272,2 mil recorreram a empréstimos com instituições financeiras, amigos e parentes em 2020. Desse total, 53,1% foram buscados por mulheres da Região Metropolitana de Porto Alegre. Quase 40% do empréstimo adquirido com banco ou financeira foi por pessoas com ensino superior completo ou com pós-graduação.
A pandemia colaborou para uma perda média de 12,5% na renda dos trabalhadores, sendo a quarta região com maior queda, quando comparada com outras regiões metropolitanas do Brasil. Ficou atrás somente de Maceió, Salvador e Recife. A perda da renda do trabalho é o dobro da média das demais regiões metropolitanas e do Brasil como um todo.
A capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, também se destaca, sendo a quarta que mais fechou postos de trabalho formais do país.#ObservaSinoshttps://t.co/XsW52rcSIb
— IHU (@_ihu) November 6, 2020
Em 2020, a queda da renda do trabalho foi de 40,4% para os mais pobres, enquanto para os 10% mais ricos, a queda foi de apenas 10,6%. Comparativamente com as demais regiões metropolitanas do país, a metrópole de Porto Alegre foi uma onde os mais pobres foram os mais afetados. A queda ficou acima da média do Brasil, enquanto nas metrópoles da Região Sul foram de menos de 20%.
Na palestra realizada pelo IHU, o economista Róber Iturriet pondera que esses indicadores não é sintoma apenas da pandemia. Para ele, um dos principais responsáveis por essa situação é as políticas implementadas pelos governos, com cortes na saúde, educação e assistência social. “O contexto macroeconômico influencia nessa situação: foram três reformas trabalhistas nos últimos anos com o objetivo claro de redução de salário e retirada de direitos trabalhistas. Essa precariedade impacta na desigualdade”, afirmou Iturriet.
Os dados apresentados fazem parte do estudo “Mundo do trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre” desenvolvido pelo Observatório do Vale do Rio dos Sinos e o Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas. Todos os artigos produzidos podem ser acessados na página especial da pesquisa, que tem o objetivo de acompanhar os dados do trabalho e dos trabalhadores durante a pandemia do novo coronavírus.