31 Outubro 2008
Muitos estudiosos que analisaram essas eleições municipais indicavam que o resultado dela traria pistas extremamente relevantes para as primeiras previsões acerca das eleições presidenciais de 2010. Se, em São Paulo, o resultado mensuraria a influência de José Serra, tido com um dos principais opositores de Lula, em Minas Gerais a imagem de Aécio Neves, uma força a favor de Lula, foi testada. Para o sociólogo Rudá Ricci, entrevistado por telefone pela IHU On-Line, “Aécio Neves tinha uma popularidade enorme, mas o resultado do primeiro turno não incorporou essa popularidade e somente no final da campanha do segundo turno é que seu candidato passou a frente”. O professor analisou o pleito em Minas Gerais, focando, no resultado de Minas Gerais, a influência dos indicativos originados nesta votação para as estratégias que serão traçadas para as eleições de 2010 e, ainda, falou sobre as alianças realizadas e como elas podem se desenvolver para projetos de governança futuros. Para ele, “antes do primeiro turno, Aécio tinha mais poder do que José Serra, mais apoios, iria consolidar uma aliança hegemônica com o PT onde seria o principal ‘pai dessa criança’, começaria o plano de um novo país. José Serra não tinha como alcançá-lo a partir daí. O projeto estratégico para o país estaria nas mãos de Lula e Aécio Neves”.
Rudá Ricci é professor da PUC-Minas e da Universidade do Vale do Rio Verde. Ele graduou-se em Ciências Sociais, pela PUC-SP. Na Universidade de Campinas, obteve o título de mestre em Ciência Política e de doutor em Ciências Sociais. Atua também como consultor da Emater – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais – e do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal. É autor de Terra de Ninguém: sindicalismo rural e crise de representação (Campinas: Editora da Unicamp, 1999).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Com a vitória de Lacerda em Belo Horizonte, que contava com o apoio do atual prefeito (Fernando Pimentel) e do governador Aécio Neves e com a parceria feita com o PT. O que significa o resultado dessa eleição em relação à imagem de Aécio e de Lula em Minas Gerais?
Rudá Ricci – Para que se possa falar sobre o que está significando agora, temos de nos reportar ao que se esperava no primeiro turno, no qual tínhamos uma situação extremamente favorável para o governador Aécio Neves – um provável candidato à presidência da República. Ele era avaliado como o governador da política contemporânea de Minas com maior capacidade de transferência de votos, ou seja, ele tinha o estado mais ou menos fechado em suas mãos, principalmente o interior de Minas. E nós tínhamos o Pimentel na aliança com ele, o que significava a ponta de lança de uma aliança PT-PSDB, excluindo o PSDB paulista. Essa aliança de Belo Horizonte não é apenas circunscrita aqui, pois o PT fez esse mesmo movimento, em mais de mil municípios, com o PSDB, DEM ou PPS e venceu em 25% deles.
Mas isso apareceu mais aqui em Belo Horizonte pelo fato de ser uma capital e de um dos padrinhos ser justamente um potencial candidato à presidência da República. Ambos, Aécio Neves e Fernando Pimentel, tinham e mantém um índice de popularidade e aceitação da sua gestão acima de 75% do eleitorado da sua jurisdição. O que nós tivemos ao final do primeiro turno? Vimos que a transferência de votos não ocorreu como se previa (pois tanto Pimentel quanto Aécio Neves ganharam com mais de 70% dos votos em primeiro turno no momento das suas eleições para os cargos que ocupam hoje). Na eleição deste ano, isso não ocorreu. O candidato apadrinhado pelos dois foi para o segundo turno e conseguiu se eleger nas duas últimas semanas da campanha eleitoral. Até metade da semana anterior às eleições, segundo as pesquisas mais importantes, havia um empate técnico entre Leonardo Quintão e Márcio Lacerda.
Aécio Neves tinha uma popularidade enorme, mas o resultado do primeiro turno não incorporou essa popularidade e somente no final da campanha do segundo turno é que seu candidato passou à frente de Quintão, que tinha pouca projeção em Minas Gerais. Quintão era deputado e seu pai era candidato à reeleição em Ipatinga e perdeu agora para o PT. E ainda: Aécio Neves perdeu nas principais cidades pólo do interior de Minas, como Contagem, Governador Valadares, Montes Claros, Varginha, e assim por diante. E foram derrotados pelo PT. O PMDB e o PT saíram muito mais fortalecidos nessa campanha do que o próprio Aécio e o Pimentel.
IHU On-Line – Mas o Pimentel não é do PT?
Rudá Ricci – O problema é que quem ganhou no interior de Minas é justamente a corrente que é oposição ao Fernando Pimentel e o principal líder conhecido na região é o ministro Patrus Ananias.
IHU On-Line – A partir dessa parceria entre Aécio e Pimentel, o que podemos esperar da equipe de governo de Lacerda?
Rudá Ricci – O que nós temos aqui de dados é que o prefeito eleito deu a alguns jornais na última semana da campanha do primeiro turno algum tipo de indicativo de como será seu governo. Ele fez duas importantes afirmações: a primeira é que ele fará o choque de gestão, que é um modelo de gestão de tipo empresarial e que Aécio Neves instaurou na máquina do governo estadual, sendo apoiado pelas mega empresas de Minas, como Gerdau e Vale. A segunda é que ele iria governar para que a cidade conseguisse consolidar os grandes projetos das grandes empresas, abrindo a economia de Minas.
Ora, grandes projetos nesse momento, além de siderurgia, são os de extração de madeira e grandes obras da construção civil. Nós temos aqui indicativos de que ele vai continuar obras que envolvem toda a engenharia civil e especulação imobiliária. O fato é que parece um passo à frente da mudança de perspectiva que o Patrus Ananias, há alguns anos, abriu aqui em Belo Horizonte. Ou seja, Fernando Pimentel já havia desconstruído algumas das políticas de Patrus Ananias, como é o caso do orçamento participativo (que virou um ritual burocrático), como é o caso do fim da escola plural, ações de abastecimento, e assim por diante. Ele se voltou para o projeto de grandes obras e agora parece que esse ciclo vai se completar com um projeto típico do PSDB de Aécio Neves em Minas Gerais.
Porém, estou me baseando nas entrevistas do final do primeiro turno, porque no segundo turno quem levou a campanha às ruas foi a militância do PT, em especial a militância de cargos de confiança da prefeitura, militância de dirigentes do partido e a militância que estaria ao redor do Virgilio Guimarães, que coordenou de fato a campanha no segundo turno do Marcio Lacerda. Mas isso tem um preço, pois o Marcio Lacerda tende, por convicção ideológica, a trabalhar no estilo Aécio Neves, mas terá de pagar por tributos políticos – ou seja, com alguma secretária possivelmente da área social, como educação e assistência social ou até planejamento.
IHU On-Line – A diferença entre Quintão e Lacerda era muito pequena ao final do primeiro turno. Para o senhor, o que definiu a vitória de Lacerda e, por conseqüência, a derrota de Quintão?
Rudá Ricci – Dois fatores. O primeiro, me parece, foi a desconstrução da imagem de bom moço do Leonardo Quintão. O fator decisivo numa campanha curta é como um jogo de final, acontece nos detalhes. E esse detalhe foi muito importante nessa reta final. A coordenação da campanha do Lacerda recuperou uma fala muito agressiva do Leonardo Quintão ainda na convenção do PMDB, lá em Ipatinga, em junho desse ano. Essa fala foi usada durante todo o segundo turno e, de fato, desconstruiu de tal maneira a imagem de bom moço, de pessoa equilibrada, que ele teve de ir à televisão se justificar.
O segundo fator, que me parece não tão decisivo quanto o primeiro, foi uma tentativa de polarização, principalmente junto a formadores de opinião e lideranças de esquerda de Belo Horizonte, entre um projeto de direita, que seria do Quintão, e um projeto de centro-esquerda, que seria do Lacerda. Isso fez com que parte da militância do PT voltasse às ruas. Esses dois fatores geraram uma mudança e deixou evidente que o eleitorado de Belo Horizonte, depois de muitos anos, ficou absolutamente indeciso e não se convencia em quem votar. Esses são os ingredientes do jogo da capital de Minas Gerais.
IHU On-Line – Aécio pode ser considerado, a partir do resultado das eleições em todo o estado, um candidato à presidência nas eleições de 2010?
Rudá Ricci – Ele é candidato, mas, hoje, mais ao Senado do que a presidente. Antes do primeiro turno, Aécio tinha mais poder do que José Serra, tinha mais apoios, iria consolidar uma aliança hegemônica com o PT, em que seria o principal “pai dessa criança” começaria o plano de um novo país. José Serra não tinha como alcançá-lo a partir daí. O projeto estratégico para o país estaria nas mãos de Lula e Aécio Neves. Com a derrota que Aécio sofreu no interior do estado, a vitória do Kassab/José Serra em São Paulo e com a diminuta diferença com que venceu na capital, ele perdeu a força que tinha antes, mas continua sendo um nome relevante. Eu diria que, nesse momento, o primeiro pelotão que deve definir as eleições de 2010 é composto pelo PMDB, José Serra e o lulismo, mas logo depois viria Aécio Neves.
IHU On-Line – Que dinâmica a aliança entre o PT e PSDB em Belo Horizonte manifesta na política nacional?
Rudá Ricci – Nós temos dois projetos de aliança importante para o Brasil: um projeto de aliança do PT com o PSDB – que só poderá ter a eficácia comprovada em 2010 e, na eleição seguinte, em 2012, deve ser retomada com muita força – e um projeto de manutenção das alianças e oposições nacionais dos últimos anos, que seria PSDB/DEM, de um lado, e PT com PSB e PC do B, de outro. Esses blocos disputarão fortemente a aliança com o PMDB. Então, são dois projetos de país. O segundo projeto nós já conhecemos: é esse que vigora. O primeiro é formado basicamente pela aliança entre PSDB-DEM que está concentrada em São Paulo. Já a liderança do lulismo está dispersa pelo país e aumentou sua concentração na região operária de São Paulo, onde não tem muita força. Se for vitorioso o projeto PT e PSDB, o que temos seria uma consolidação de uma articulação hegemônica no Brasil. Nós teríamos praticamente consolidado uma coalizão presidencialista no país, ou seja, embora presidencialista, a coalizão é do tipo parlamentarista, com os dois maiores partidos do país, em termos ideológicos.
IHU On-Line – Que Brasil sai dessas eleições?
Rudá Ricci – Em primeiro lugar, um Brasil mais mosaico do que nunca, mais diversificado do que nunca.
IHU On-Line – Por quê?
Rudá Ricci – Porque o partido, sem dúvida nenhum, grande vitorioso do primeiro e segundo turno, foi o PMDB. Como está formado hoje, o PMDB é um partido que se amolda as características locais e regionais. Ele não é um partido nacional, nem do ponto de vista programático nem do ponto de vista da direção do partido. O partido, hoje, é uma federação. Por isso, é tão vitorioso eleitoralmente e acredito que ele irá se manter como está. Ou seja, não é possível um dirigente nacional do PMDB, hoje, conseguir governar sem negociar com dirigentes do Rio, de São Paulo, do Rio Grande do Sul, da Bahia e assim por diante.
O PMDB, saindo muito vitorioso como saiu, consolida uma identidade política muito fragmentada no Brasil. Por outro lado, os partidos vitoriosos que vêm logo atrás são o PT e o PSDB. Esses dois partidos, embora tenham diminuído muito a sua capacidade de ousadia, são partidos com programa mais definido e lideranças mais consolidadas do que o PMDB. Além disso, são partidos social-democráticos, mesmo que seus programas tenham deslizados nos últimos anos para um social-liberalismo.
O que estou dizendo é que, surpreendentemente, o Brasil, depois de viver com uma das ditaduras mais duras da história da América Latina, de repente, é dirigido por um partido de centro-esquerda e por um partido mosaico, como o PMDB, que é mediano e joga com os partidos de centro, de esquerda e de direita, porque se amolda à configuração local de cada região. Se eu pensar de forma sociológica, o Brasil é um país surpreendente porque está à centro-esquerda no espectro ideológico do ponto de vista programático da direção dos municípios do país. No entanto, nossa população não é de centro-esquerda. Então, nosso país é mesmo muito surpreendente.
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"Um Brasil mais mosaico do que nunca". Uma análise das eleições a partir de Minas Gerais. Entrevista especial com Rudá Ricci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU