19 Novembro 2007
“Hoje podemos afirmar com segurança que a presença de Itaipu e sua atuação na região contribuem para a preservação da riqueza da biodiversidade. Ouso afirmar que meio ambiente da região está mais rico e melhor protegido com Itaipu do que estaria sem ela.” A afirmação é do diretor-geral Brasileiro da Itaipu Binacional, o paranaense Jorge Samek, contestando a tese dos possíveis prejuízos ambientais provocados pela hidrelétrica, em entrevista especial, concedida por e-mail à IHU On-Line.
Samek contesta ainda na entrevista que o Paraguai estaria sendo injustiçado. Segundo ele, “começa a ganhar força em alguns círculos políticos e acadêmicos a suspeita de que o Brasil vem espoliando e oprimindo o Paraguai”. O engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) afirma que isso é uma inverdade e que o Paraguai é proporcionalmente mais beneficiado pela hidrelétrica de que o Brasil. “O que seria do Paraguai sem Itaipu?”, pergunta o diretor brasileiro.
Samek começou a sua carreira política como líder estudantil. Trabalhou no ITCF, na Secretaria de Agricultura do Paraná, foi Secretário Municipal de Abastecimento de Curitiba e presidiu a CEASA. Vereador de Curitiba por 4 mandatos consecutivos - dois pelo PMDB e dois pelo PT - e ex-deputado federal pelo PT, fala ainda, entre outros temas polêmicos, da construção das usinas no Rio Madeira e do etanol.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Itaipu ainda ostenta o título de maior hidrelétrica do mundo em geração de energia. Na época de sua construção, foi considerada uma obra megalomaníaca. Passados mais de 30 anos, de fato Itaipu foi necessária? Não havia outras alternativas?
Jorge Samek – Em primeiro lugar, é importante lembrar que a construção de Itaipu não teve como único objetivo produzir energia. Desde o período colonial, existia um litígio de fronteira entre Brasil e Paraguai na região do Salto del Guairá. A infame Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870) serviu apenas para exacerbar sentimentos nacionalistas e agravar ressentimentos. Em meados da década de 1960, portanto quase um século depois do fim do conflito armado – lembrado no Paraguai como “martírio da raça” –, as relações entre os dois países atravessavam um momento delicado. Em seu livro de memórias diplomáticas, o ex-ministro das Relações Exteriores, embaixador Mário Gibson Barboza, um dos principais artífices do Tratado de Itaipu, faz uma análise magistral do contexto histórico no qual se deu a negociação que resultaria no maior empreendimento hidrelétrico do mundo (Na diplomacia, o traço todo da vida: Editora Francisco Alves, 2007, 528pp).
O engenheiro paraguaio Enzo Debernardi, autor do mais completo registro histórico sobre o projeto binacional de Itaipu, concluiu que a sua construção foi um verdadeiro milagre, sem o qual “o destino do Paraguai teria sido muito diferente” (Apuntes para La Historia Politica de Itaipu: Editorial Gráfica Continua, 1996, pp. 613). Portanto, a resolução negociada de um antigo litígio de fronteira está na gênese de Itaipu. Afinal, previa-se que com a formação do reservatório, o território em disputa ficaria submerso. No entanto, restou uma franja de terra de cerca de 1.350 hectares que não foi coberta pelas águas. De comum acordo, os dois países decidiram, então, transformar a área remanescente no Refúgio Biológico Binacional de Maracaju.
Esta iniciativa dá testemunho permanente da boa-vontade de paraguaios e brasileiros na busca da paz duradoura e do desenvolvimento sustentável. O segundo aspecto que deve ser levado em conta é o contexto econômico no qual o projeto de Itaipu surgiu. Nos anos 1970, o Brasil crescia a taxas de dois dígitos. Havia crédito internacional abundante. Veio, então, o primeiro choque do petróleo, em 1973. A dependência do Brasil de importações era quase absoluta, já que a produção nacional ainda era incipiente. A pesada conta do petróleo produzia um tremendo desequilíbrio na balança comercial do país. A busca de auto-suficiência energética tornava-se vital para dar sustentabilidade ao processo de industrialização e desenvolvimento, então em pleno vapor.
Com esta visão estratégica, em 1975 o Brasil decidiu assumir os vultuosos investimentos necessários para a construção de Itaipu e, simultaneamente, criou o Programa Nacional do Álcool (Proalcool), visando à redução da dependência do país da importação de petróleo. Em 1979, a revolução islâmica iraniana desencadeou o segundo choque do petróleo. Um ano depois, em abril de 1980, o preço do barril atingia o seu pico histórico, sendo cotado a US$ 101,79 em valores atuais. A recente escalada de preços sugere que o mercado internacional de petróleo deverá superar a barreira de US$ 100 o barril nas próximas semanas. A diferença básica é que o Brasil alcançou a auto-suficiência na produção de petróleo. Está, portanto, numa condição completamente diferente daquela que se encontrava no início dos anos 80.
A segunda crise do petróleo provocou uma escalada inflacionária nos países em desenvolvimento, que responderam com uma brutal elevação das taxas de juros, detonando a crise da dívida externa que afetaria dramaticamente os países devedores, como o Brasil. A fonte de empréstimos externos secou no período crítico da construção de Itaipu. O Estado brasileiro teve que fazer um esforço monumental para não paralisar a obra, opção que chegou a ser cogitada. Quando a usina entrou em operação, a partir de 1984, o cenário macroeconômico tinha mudado completamente. A economia brasileira se encontrava mergulhada numa prolongada recessão, da qual o país somente se soergueria em na década de 90. No período de 1984 a 1996, ou seja, nos primeiros 12 anos de operação da usina, o Brasil não utilizou a totalidade da capacidade disponibilizada por Itaipu. Mas em razão de compromisso assumido, pelo qual o país se obrigou a criar uma reserva de mercado para a energia de Itaipu (Lei nº 5.899/73), o Brasil comprou toda a potência disponibilizada não contratada pelo Paraguai, mesmo sem utilizá-la integralmente. Isso porque a capacidade de geração do país naquele período superava as suas necessidades de energia.
Devemos concluir, portanto, que a construção de Itaipu foi um erro? Não faltaram à época, opositores ao projeto, em ambos os países. No Brasil, quem liderou a corrente de opinião contrária à construção de Itaipu foi o engenheiro Octavio Marcondes Ferraz, que, como presidente da Eletrobrás, na década de 1950, dera enorme contribuição ao desenvolvimento do setor elétrico brasileiro e, pelas suas credenciais, era reconhecido como uma das maiores autoridades do país na área. Curiosamente, os argumentos em ambas as margens eram basicamente os mesmos, apenas com sinais trocados. Enquanto os críticos brasileiros diziam que o Brasil estava fazendo concessões excessivas ao Paraguai, a oposição parlamentar e setores influentes da imprensa paraguaia argumentavam que o Tratado seria favorável ao Brasil.
Ao final, nenhuma das partes ficou inteiramente satisfeita, o que reforça a minha convicção pessoal de que se chegou ao melhor acordo possível – um acordo equilibrado, justo e eqüitativo. Hoje, Itaipu responde por 95% da energia elétrica consumida pelo Paraguai e por cerca de 20% da energia que abastece o mercado brasileiro. Conforme concluiu Gibson Barboza, “sem a energia gerada por Itaipu, não poderia existir o Brasil de hoje”. Por fim, é importante destacar que Itaipu possui uma estabilidade hidrológica excepcional, beneficiando-se diretamente da regularização de vazão proporcionada pela operação coordenada de 44 usinas a montante, na bacia do Rio Paraná. Isso garante um ganho de cerca de 30% na capacidade anual de geração de energia de Itaipu. Em 2001, as conseqüências do “apagão” foram minimizadas pela Itaipu, que estabeleceu um recorde de produção, superando a marca de 93 mil GWh. A energia produzida por Itaipu é equivalente a 560 mil barris de petróleo por dia, o que representa hoje quase um terço do consumo nacional.
IHU On-Line - O escritor e jornalista Juvêncio Mazzarollo costuma afirmar que a construção de Itaipu redundou em três holocaustos, o social – desalojamento de milhares de famílias; o econômico – custos astronômicos e, o ecológico – o desaparecimento das Sete Quedas. O senhor avalia que hoje, considerando-se a crescente consciência ecológica, a construção de Itaipu seria possível?
Jorge Samek – Questiona-se a legitimidade e a validade jurídica do Tratado de Itaipu por ter sido “feito por ditaduras”. Todos nós que participamos ativamente da luta pela redemocratização associamos a construção daquela que seria a maior hidrelétrica do mundo a um regime autoritário que tinha um projeto de desenvolvimento nacional, mas não consultava a sociedade sobre as escolhas e decisões de interesse público, via de regra impostas de cima para baixo.
A luta do povo brasileiro e do povo paraguaio pela democracia saiu vitoriosa. Não podemos continuar prisioneiros do passado nem esquecer jamais que todas as tratativas e acordos que viabilizaram este empreendimento foram realizadas por dois Estados soberanos, mediante negociações diplomáticas transcorridas durante período de paz. Por outro lado, é importante lembrar que os Congressos Nacionais paraguaio e brasileiro ratificaram o Tratado de Itaipu, conferindo-lhe a legitimidade e a solidez jurídica necessárias para um empreendimento da sua magnitude. Os anais do legislativo estão disponíveis aos pesquisadores interessados para atestar que cada cláusula do acordo foi exaustivamente discutida, passando pelo crivo dos representantes eleitos em ambos os países. À luz do direito internacional, portanto, o Acordo de Itaipu é um ato jurídico perfeito.
Os custos sociais e ambientais da implantação de um projeto desse porte não podem ser desconsiderados. Á época, não faltaram profecias apocalípticas sobre os impactos ambientais e climáticos da construção da barragem. Dizia-se que a formação do reservatório causaria terremotos e enchentes, provocando alterações climáticas irreversíveis, que inviabilizariam a produção agrícola em toda região. Havia, ainda, questionamento sobre a viabilidade técnica e sustentabilidade econômica e ambiental do empreendimento. Críticos do projeto previam que o inevitável assoreamento do reservatório inviabilizaria a produção de energia em poucos anos. Felizmente, essas previsões alarmistas não se confirmaram: nenhuma alteração climática significativa ocorreu na região e as condições hidrológicas do reservatório permanecem estáveis.
Passados 24 anos desde o enchimento do reservatório, nossos estudos e levantamentos mostram que os sedimentos não constituem um problema. Por pelo menos mais um século e meio, não há qualquer risco de assoreamento em níveis que venham a comprometer a geração de energia. As excelentes condições do reservatório mostram a eficácia das ações de preservação, conservação e de recuperação dos recursos naturais na região de influência da usina. Por meio do Programa Cultivando Água Boa, que agrega cerca de uma centena de ações ambientais, Itaipu vem contribuindo para o desenvolvimento sustentável da região, em parceria com as prefeituras, organizações comunitárias, cooperativas e associações de agricultores e pescadores, organizações não-governamentais, universidades e institutos de pesquisa.
Baseado num novo modelo de gestão ambiental, que tem como principal diferencial seu caráter participativo, este programa vem mudando o perfil regional. O modelo de gestão por bacia hidrográfica traz enormes vantagens, permitindo um controle mais efetivo da sedimentação e da erosão, o aumento da produtividade agrícola, a preservação da biodiversidade, a conservação das matas ciliares e a produção de peixes. Como corolário, o programa protege o reservatório de Itaipu, garantindo água limpa e saudável para os moradores dos 29 municípios lindeiros. Os prêmios nacionais e internacionais de responsabilidade socioambiental conquistados pela Itaipu são um reconhecimento ao trabalho desenvolvido com as comunidades.
Hoje, podemos afirmar com segurança que a presença de Itaipu e sua atuação na região contribuem para a preservação da riqueza da biodiversidade. Ouso afirmar que o meio ambiente da região está mais rico e melhor protegido com Itaipu do que estaria sem ela. Estamos transformando a marca Itaipu em sinônimo de responsabilidade socioambiental, desenvolvimento sustentável e qualidade de vida. O Canal da Piracema, o Corredor da Biodiversidade, o Refúgio Biológico e outros projetos desenvolvidos pioneiramente em Itaipu estão servindo de referência para a adoção de medidas preventivas e corretivas que minimizem os impactos ambientais da implantação de novas usinas hidrelétricas. A legislação brasileira avançou muito desde a redemocratização do país, refletindo os valores abraçados pela sociedade brasileira. Os movimentos ambientalistas e os movimentos sociais conquistaram voz ativa no debate sobre grandes projetos de aproveitamento do potencial hidráulico dos rios brasileiros. Os custos sociais, ambientais e econômicos devem ser cotejados com os benefícios para a sociedade e as alternativas disponíveis para a expansão do parque gerador do país. Itaipu é um projeto de dimensões colossais.
O endividamento foi correspondente ao tamanho do empreendimento, já que os “acionistas” (Brasil e Paraguai) não entraram com recursos próprios. As cifras podem ser consideradas astronômicas. No entanto, até 2023, a venda da energia gerada terá pago 100% do custo de Itaipu. O que é mais importante, o Brasil e o Paraguai são co-proprietários da maior hidrelétrica do mundo em geração de energia, que continuará gerando energia e riqueza por pelo menos um século. Portanto, sob o ponto de vista econômico, podemos afirmar com convicção que Itaipu é um retumbante sucesso. Quando teve início a construção de Itaipu, a região Oeste do Paraná era uma das principais fronteiras agrícolas do País. A ocupação e o desmatamento da região seguiam um ritmo frenético. O modelo de mecanização adotado teve impactos ambientais de grande monta, minorados tardiamente com a adoção de microbacias comunitárias e práticas de conservação e manejo de solo, como plantio direto.
O Parque Nacional do Iguaçu permitiu conservar a maior extensão territorial contínua de reserva florestal da região Sul. As desapropriações para a formação do reservatório de Itaipu atingiram cerca de 7,5 mil famílias. A implantação do projeto hidrelétrico de Três Gargantas, na China, já provocou a remoção de 1,4 milhão de pessoas. O governo chinês prevê que até 2009, quando o reservatório deverá atingir 172 metros, o número de pessoas forçadas a se mudar poderá alcançar 4 milhões, contigente que representa cerca de 40% da população do Paraná. Embora o potencial instalado de Três Gargantas seja maior do que a de Itaipu, a produção de energia será inferior, dadas as condições de vazão do Rio Yang-tse. Este comparativo serve apenas para mostrar que, em razão da baixa densidade demográfica existente à época na área que seria ocupada pelo reservatório de Itaipu, o impacto social foi relativamente pequeno. Sem a sua construção na década de 1970, provavelmente hoje toda a região estaria densamente povoada até as barrancas do Rio Paraná, tornando improvável a implantação de um projeto dessa dimensão, independentemente de qualquer consideração sobre a sua viabilidade econômica e as necessidades energéticas do país.
IHU On-Line - Como o senhor acompanha o debate sobre matrizes energéticas no país? A hidreletricidade continua sendo a melhor opção?
Jorge Samek - O Brasil conseguiu transformar-se na 9ª economia do mundo com uma matriz energética que coloca o país numa posição invejável. Atualmente, 44,4% de nossa energia provêm de fontes renováveis, proporção bastante significativa se comparada com a média mundial, de apenas 13,2%. A vantagem brasileira é ainda maior em relação aos países desenvolvidos que fazem parte da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), cuja matriz energética tem apenas 6,1% de fontes renováveis. Em termos de energia elétrica, estes números são ainda mais expressivos: 79% da capacidade instalada que atende à demanda nacional é constituída de fontes renováveis (hidrelétricas), contra 23,4% da média mundial. Em 2006, esta capacidade instalada gerou 91,8% dos 416 TWh consumidos no país. Ou seja, bem mais que a proporção de sua capacidade instalada.
A vantagem da matriz de energia elétrica brasileira é implicitamente reconhecida pelos países desenvolvidos, pelos programas de expansão de energias renováveis que estão pondo em prática. Construímos pioneiramente, a duras penas, a matriz energética que os países desenvolvidos estão buscando para responder ao desafio do efeito estufa. Tal matriz é uma conquista da sociedade brasileira e, como tal, deve ser preservada. Por isto, a hidreletricidade ainda é a opção natural do Brasil para satisfazer suas necessidades energéticas, justificando-se tanto do ponto de vista da responsabilidade socioambiental quando da racionalidade econômica. Em primeiro lugar, é preciso reafirmar que a hidreletricidade é a fonte de energia elétrica renovável mais limpa do mundo, se implantada com critério. A energia hidrelétrica é, no Brasil, abundante e pouco explorada. O país só aproveitou até o momento cerca de um terço do seu potencial hidráulico, estimado atualmente em 261 GW.
Este potencial é um recurso nacional valioso, disponível e de baixo risco, estando imune às variações de humores dos mercados e das relações entre os países, condição fundamental para garantir a segurança do abastecimento de energia. Constitui, portanto, uma das principais vantagens competitivas de que o Brasil dispõe para promover seu desenvolvimento. Assim, a hidreletricidade também é a melhor solução quando as decisões de expansão da geração são pautadas pela responsabilidade política de grantir a soberania energética do país. Finalmente, a hidreletricidade é a fonte renovável de energia elétrica de menor custo. Por isto, deveria constituir-se, não apenas no Brasil, mas no mundo, a principal opção de expansão da geração dos países em desenvolvimento. A gestão responsável dos recursos hídricos assume, nos dias de hoje, uma importância estratégica para o Brasil, especialmente diante da crescente preocupação global com a escassez de água.
A hidreletricidade também é uma escolha racional quando se decide com olhos na responsabilidade econômica e social. É importante ressaltar, porém, que o aproveitamento do potencial hidráulico não tem inibido esforços de diversificação da matriz energética brasileira, sobretudo para uso de fontes não convencionais, como energia eólica, solar e de biomassa. Atualmente, estão em andamento no Brasil diversas iniciativas para ampliar a participação destas fontes na nossa matriz de energia elétrica. Mas mesmo estas iniciativas dependem da expansão do parque de geração hidráulica para viabilizá-las. É o caso das energias eólica e solar, de produção altamente variável, e que dependem de uma fonte adicional de energia para assegurar o fornecimento, qualidade essencial de qualquer sistema de produção de energia. A própria Itaipu Binacional, que se orgulha de ser a maior hidrelétrica do mundo em geração de energia, está implementando projetos de desenvolvimento de energias renováveis. Em parceria com universidades, instituições de pesquisa e empresas privadas estamos desenvolvendo projeto de carro elétrico e de uso do hidrogênio. Recentemente, lançamos a Plataforma Itaipu de Energias Renováveis, que pretende promover o aproveitamento de fontes não convencionais (solar, eólica e de biomassa residual).
Pode parecer contraditório que a maior hidrelétrica do mundo queira desenvolver e explorar outras fontes alternativas de energias renováveis que, no longo prazo, poderão diminuir a importância da hidreletricidade na matriz energética brasileira. Acreditamos, porém, que a adoção de boas práticas de manejo e conservação do solo e o aproveitamento da biomassa residual derivada da suinocultura, avicultura e pecuária leiteira, com forte presença nos municípios lindeiros, contribuirão decisivamente para assegurar a qualidade dos recursos hídricos da Bacia do Rio Paraná, essencial para a geração de hidreletricidade. Com este propósito, Itaipu está usando sua capacidade de articulação institucional para mobilizar instituições de pesquisa, prefeituras, associações e cooperativas de agricultores e empreendedores privados. Este esforço conta com a infra-estrutura física e a capacidade técnica mobilizadas pelo Parque Tecnológico Itaipu (PTI), entidade constituída por iniciativa de Itaipu para colaborar com o desenvolvimento regional.
O projeto Plataforma Itaipu de Energias Renováveis é apenas um exemplo das múltiplas iniciativas que estão em curso no Brasil, visando diversificar a matriz energética e criar novas alternativas de energias renováveis. Desse modo, o Brasil pretende se manter na liderança mundial na substituição de combustíveis fósseis, contribuindo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Seguramente, nas próximas décadas, o carro-chefe da política energética brasileira continuará sendo a hidreletricidade. Esta fonte foi muito importante no processo de modernização do País e esta importância deve continuar no futuro próximo, já que energia limpa e barata é um recurso estratégico e um componente fundamental do desenvolvimento sustentável que desejamos.
IHU On-Line – Com que olhos o senhor vê a construção de usinas no Rio Madeira?
Jorge Samek – A exploração do potencial hidroenergético no Brasil deve ser precedida, conforme previsto na legislação em vigor, da realização de longos e custosos estudos de impactos ambientais e sociais, que devem indicar medidas para minimizá-los e compensar os impactos não minimizados. Os novos projetos hidrelétricos no Rio Madeira são exemplos deste cuidado, já que foram desenvolvidos por dois anos, a um custo estimado de US$ 80 milhões. A demora na liberação das licenças ambientais pelos órgãos responsáveis demonstra o rigor e zelo com que a legislação ambiental tem sido aplicada. Temos hoje os melhores especialistas e técnicos do mundo na construção e operação de usinas hidrelétricas. Temos pesquisa acumulada sobre os impactos ambientais da construção de reservatórios. Nossa legislação ambiental é uma das mais avançadas do mundo.
Por fim, poucos países têm mais experiência na operação de usinas hidrelétricas do que o Brasil. Todos esses fatores oferecem garantidas à sociedade brasileira de que as novas usinas no Rio Madeira serão construídas seguindo todos os critérios técnicos de segurança ambiental.
A Itaipu é hoje exemplo concreto do conceito de sustentabilidade de um empreendimento hidrelétrico, constituindo-se em uma referência mundial de responsabilidade socioambiental. As ações de recuperação e conservação das matas ciliares apresentam resultados muito positivos. A construção do Canal da Piracema – um canal artificial com extensão de cerca de 10 km, que permite a cerca de 50 espécies de peixes vencer um desnível de 120 metros para alcançar as áreas de reprodução a montante da barragem – é outro belo exemplo de solução criativa. O próprio canal se tornou habitat de diversas espécies. A implantação do Corredor da Biodiversidade, constituído por uma faixa contínua de mata ligando o cinturão verde em torno do reservatório ao Parque Nacional do Iguaçu, demonstra o mesmo cuidado com a preservação da rica fauna da região.
Finalmente, o Programa Cultivando Água Boa, lançado em 2004, articula e integra mais de uma centena de ações ambientais, envolvendo as comunidades na promoção do desenvolvimento sustentável. Este programa já se tornou referência de política ambiental, recebendo diversos prêmios nacionais e internacionais nos últimos anos. Nossas iniciativas sociais e ambientais beneficiam uma população de mais de 1,5 milhão de habitantes da região. Os royalties pagos aos municípios lindeiros pelo uso do recurso hídrico chega a representar um aumento de 50% no orçamento de alguns municípios. Itaipu está envolvida, como promotora, incentivadora ou participante, de todas as iniciativas socioambientais significativas em sua região de influência. Há razão para acreditar que as novas usinas do Rio Madeira irão desempenhar um papel semelhante, compatibilizando a geração de energia com um cuidado obsessivo com o equilíbrio ambiental. Afinal, o futuro da hidreletricidade depende da gestão responsável dos recursos hídricos.
IHU ON-line - O movimento social argumenta que as hidrelétricas beneficiam sobretudo as grandes empresas exportadoras chamadas de eletrointensivas em função do alto consumo de energia. Afirma ainda que o preço que elas pagam pela energia é bem menor que o do restante da sociedade. Como o senhor interpreta essa crítica?
Jorge Samek – O governo Lula promoveu importantes mudanças no setor elétrico, reconhecendo a sua importância estratégica para o desenvolvimento. Suspendeu o processo de privatização, que paralisou os investimentos em novas usinas hidrelétricas, tornando o país vulnerável à falta de energia, como o “apagão” que ocorreu em 2001. Segundo, recuperou a capacidade de planejamento do setor, com a criação da Empresa de Planejamento Energético (EPE). Esta instituição é responsável pelo planejamento de médio e longo prazos, consolidado no Plano Decenal de Expansão do Setor Elétrico. Terceiro, definiu e implantou o novo modelo do setor elétrico, regulamentando o mercado e o papel dos empreendedores privados. Quarto, investiu pesado em novas linhas de transmissão.
Hoje, o sistema elétrico brasileiro está totalmente interligado. O país conta com 86 mil quilômetros de linha de transmissão, que seriam suficientes para cobrir todo território da Europa. Para um país com as dimensões continentais do Brasil, uma das grandes vantagens de contar com um sistema interligado nacionalmente é a redução dos riscos decorrentes de problemas climáticos, como secas prolongadas em determinadas regiões. Simultaneamente, foram retomados os investimentos na expansão da capacidade instalada. Merece especial destaque a conclusão de projetos importantíssimos, como Tucuruí e Itaipu. A execução da segunda etapa de implantação da Usina Hidrelétrica Tucuruí elevou sua capacidade para 8.370 MW.
Em maio deste ano, foram inauguradas as duas últimas unidades geradoras de Itaipu, de um total de 20 unidades, elevando sua potência para 14.000 MW. A quinta ação governamental para prevenir novos colapsos no suprimento de eletricidade foram os investimentos realizados na instalação de termelétricas, movidas a gás natural, carvão e óleo diesel. Hoje, as termelétricas representam uma espécie de “seguro anti-apagão”. Estão prontas para serem acionadas sempre que a produção de hidreletricidade for insuficiente para atender a demanda. Se, por um lado, o governo Lula se preocupou em reorganizar o setor elétrico para afastar o risco de novo “apagão”, por outro, procurou tomar medidas concretas para estender a todos os brasileiros os benefícios da energia elétrica. Com este objetivo, instituiu, em 2003, o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica - Luz para Todos. Orçado em R$ 12,7 bilhões, a meta do programa é levar energia elétrica para 10 milhões de pessoas do meio rural até 2008. Até outubro passado, o Luz para Todos atendeu 6,6 milhões de brasileiros.
Outra importante iniciativa do governo Lula é o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), que visa a ampliar a geração de energia a partir de fontes alternativas (eólicas, hidráulicas, solares e biomassa). Não existe, portanto, incompatibilidade entre o suprimento de energia para o setor produtivo e os esforços de universalização do acesso e uso da energia elétrica. O “apagão” de 2001 teve pelo menos um feito positivo: induziu as indústrias a desenvolver eletrodomésticos mais eficientes. A compromisso do governo Lula é levar energia elétrica para todos os domicílios até 2010. É importante lembrar a legislação em vigor (Lei nº 10.438/2002) assegura o direito a descontos da tarifa social para os consumidores residenciais com consumo mensal médio até 220 quilowatts-hora (kWh). As unidades residenciais com consumo mensal médio até 80 KWh não precisam se cadastrar para fazer jus à tarifa social. Para os consumidores na faixa de 80 a 220 KWh, é necessário apresentar o Número de Identificação Social (NIS), obtido através do Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal, para ter acesso a descontos na tarifa de energia elétrica. Os descontos podem chegar a 65% para consumo até 30 kWh mensais. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o universo estimado de consumidores de baixa renda é de 18 milhões de residências beneficiadas pela redução na tarifa de energia, das quais cerca de 14 milhões com consumo mensal médio inferior a 80 kWh, e 4 milhões na faixa de consumo entre 80 e 220 kWh/mês.
Portanto, a desconfiança de que as hidrelétricas continuam beneficiando sobretudo as grandes empresas exportadoras é desprovida de fundamentos. Obviamente, o país precisa de energia para impulsionar o desenvolvimento. Daí a importância que o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) atribui a projetos estruturantes do setor elétrico. As indústrias exportadoras estão investindo na geração própria de energia. É importante lembrar que o preço dos commodities é determinado pelo mercado internacional. A lucratividade do setor exportador oscila ao sabor da demanda da economia global. Como a energia representa um importante componente de custo, as companhias eletrointensivas têm investido em projetos próprios de geração.
IHU On-Line - O candidato Fernando Lugo, favorito à eleição presidencial no Paraguai, diz que Itaipu subsidia o pólo industrial paulista e fala em rever os contratos da Itaipu. A imprensa paraguaia também tem questionado o acordo. O “Paraguai será a Bolívia de amanhã”?
Jorge Samek – Com sua imensa capacidade de gerar energia e desenvolvimento, Itaipu sempre foi e sempre será um tema polêmico e controverso. Não podemos esquecer que enquanto para nós brasileiros Itaipu é apenas mais um grande empreendimento hidrelétrico, para o Paraguai a binacional é a principal companhia do país e a maior fonte de receitas públicas. Basta dizer que o faturamento anual de Itaipu, que neste ano será de US$ 3,2 bilhões, corresponde a cerca de um terço do PIB paraguaio. É natural, portanto, que ocupe tanto espaço na agenda pública do país, ao contrário do que acontece no Brasil, onde a importância de Itaipu só é lembrada quando há risco iminente de falta de energia, como ocorreu durante o “apagão” de 2001.
O Paraguai se aproxima da eleição presidencial, que será realizada em abril de 2008. As hidrelétricas binacionais de Itaipu e Yacyretá (em parceria com a Argentina), responsáveis por uma parcela significativa do orçamento público, são tema central do debate eleitoral. Nenhum candidato a presidente pode deixar de se manifestar sobre como pretende gerir este patrimônio e conduzir as relações com os seus sócios (Brasil e Argentina). Um dos principais jornais do país (ABC Color) tem sido crítico implacável do Tratado de Itaipu por considerá-lo desfavorável ao Paraguai. Em maio deste ano, durante visita do Presidente Lula a Assunção, às vésperas da inauguração das duas últimas unidades geradoras de Itaipu, este jornal publicou uma série de editoriais incendiários, acusando o Brasil de ser um país imperialista e explorador e chegando ao ponto de incitar e justificar o uso da violência face à suposta “política tirânica brasileira”.
É bom esclarecer que este jornal não representa a posição da imprensa e da opinião pública paraguaia. Por outro lado, audiências brasileiras têm se mostrado receptivas e sensíveis à denúncia de que uma grave injustiça estaria sendo praticada em Itaipu. Nada está mais longe da verdade. Mesmo assim, começa a ganhar força em alguns círculos políticos e acadêmicos a suspeita de que o Brasil vem espoliando e oprimindo o Paraguai, o que seria contrário às aspirações democráticas da sociedade brasileira e incoerente com a firme atuação do Presidente Lula no cenário internacional a favor de relações mais justas entre as nações.
Vamos aos fatos. Itaipu foi concebida como um instrumento de desenvolvimento e integração, não como um simples negócio comercial. A igualdade de direitos é a pedra angular sobre a qual Itaipu foi construída. Brasil e Paraguai detém a co-propriedade do empreendimento em condições de paridade. As assimetrias econômicas entre os sócios foram levadas em conta na viabilização da iniciativa. O sócio de maior capacidade financeira assumiu integralmente o financiamento do projeto, oferecendo todas garantias exigidas pelos credores. O Brasil aportou, ainda, sua reconhecida experiência e capacidade técnica na construção e operação de grandes usinas hidrelétricas. No entanto, em que pese essa divisão desproporcional de encargos, o Brasil jamais se prevaleceu da sua condição de sócio maior para impor ao Paraguai uma condição de subalternidade em Itaipu. Isso não significa que o país tenha sido pusilânime e negligente ao defender os seus interesses legítimos no empreendimento. Afinal, para torná-lo viável, o Brasil assumiu grandes riscos, vinculando o suprimento de uma significativa parcela do seu consumo energético à Itaipu e direcionamento ao projeto enorme esforço financeiro, que poderia ter sido canalizado para a construção de outras usinas hidrelétricas em território brasileiro.
É importante repetir que até hoje o Brasil só explorou cerca de um terço do seu potencial hidráulico. Havia, portanto, projetos alternativos à Itaipu. Naquele momento, o país também contemplava a opção nuclear. Felizmente, a hidreletricidade continuou ocupando lugar preponderante na matriz energética brasileira. Diante das freqüentes críticas de que praticamos uma política imperialista, é importante responder à seguinte interrogação: o que seria do Paraguai sem Itaipu? Em primeiro lugar, graças a esta parceria com o Brasil, o Paraguai garantiu sua segurança energética pelas próximas décadas, com uma das menores tarifas de energia elétrica do mundo. Poucos países dispõe de energia renovável barata e abundante para sustentar o seu desenvolvimento. Esta é uma vantagem comparativa excepcional. Além de garantir auto-suficiência energética, o Paraguai tem em Itaipu um valioso patrimônio.
O país é legítimo proprietário de 50% da maior hidrelétrica do planeta, que tem hoje um valor de mercado avaliado entre US$ 40 e US$ 60 bilhões. Até 2023, a dívida de Itaipu estará totalmente paga com recursos obtidos exclusivamente da venda da energia produzida. É importante lembrar que a construção de Itaipu foi 100% alavancada. Ou seja, foi integralmente financiada com recursos a juros. Os investimentos diretos alcançaram a cifra de US$ 12,2 bilhões, aos quais devem ser somados os elevados custos financeiros inerentes a empréstimos de longuíssimo prazo. Desde que entrou em operação comercial, em 1985, Itaipu já pagou aos “acionistas” (Paraguai e Brasil) US$ 7,7 bilhões a título de royalties, remuneração do capital, remuneração por cessão de energia e encargos de administração e supervisão. O Paraguai ficou com a maior fatia desses recursos: US$ 4,7 bilhões. A diferença maior se deve à compensação pela energia cedida ao Brasil.
O Tratado de Itaipu estabelece que a energia produzida deve ser dividida em partes iguais entre os dois países, reconhecendo a cada um deles o direito de aquisição da energia que não seja utilizada pelo outro país para seu próprio consumo. O Tratado garante, ainda, que o país cedente receberá uma remuneração pelo montante de energia cedida. Em valores atuais, o Paraguai recebe US$ 2,72 por megawatt/hora. Freqüentemente, aparece na imprensa paraguaia que o Brasil está pagando um preço ridículo ao Paraguai pela energia de Itaipu. Isso é uma inverdade clamorosa. A remuneração por cessão de energia não representa o custo da energia de Itaipu. No primeiro semestre de 2007, o custo médio da energia de Itaipu para a Eletrobrás foi de US$ 37,64/MWh. No mesmo período, o custo médio para o Paraguai foi de US$ 24,07/MWh. Essa diferença de tarifa se deve ao fato de que o Paraguai contrata uma potência inferior à sua demanda, complementando a diferença com a energia adicional à garantida, sobre a qual incidem apenas os encargos financeiros do anexo C (royalties, remuneração do capital e taxa de administração e supervisão). Portanto, um dos principais benefícios proporcionados por Itaipu ao Paraguai é a energia barata.
Outro ponto crucial habitualmente omitido pelos críticos é que a usina ainda não está paga. Existe uma dívida que consome cerca de 75% do orçamento de Itaipu, o que representa um desembolso anual de cerca de US$ 2 bilhões. Essa dívida não é do Brasil. Essa dívida não é do Paraguai. Essa dívida é da entidade binacional Itaipu, da qual os governos paraguaio e brasileiro são proprietários, em condições de absoluta igualdade. O importante a reiterar é que ela vem sendo paga religiosamente em dia e estará 100% quitada até 2023. Será cumprido, portanto, o que prevê o Tratado, firmando em 1973: o empreendimento estará totalmente pago no prazo de 50 anos. Até 2023, Itaipu deverá distribuir mais cerca de US$ 8,4 bilhões, a título de royalties e demais encargos financeiros devidos às Altas Partes (governos paraguaio e brasileiro). Somados aos US$ 7,7 bilhões já distribuídos, Itaipu já terá gerado benefícios financeiros para os “acionistas” da ordem de US$ 16,1 bilhões – valor nominal superior ao investimento direto (US$ 12,2 bilhões).
O Paraguai terá recebido de Itaipu cerca de US$ 10 bilhões – um retorno nada desprezível para um investimento inicial de US$ 50 milhões, financiados pelo Banco do Brasil, com juros de 6% ao ano e prazo de 50 anos para pagar, com oito de carência. Afirmo, portanto, com absoluta convicção de que não há nenhuma situação de injustiça e nenhuma relação de exploração a ser reparada em Itaipu. A única exploração quem vem sendo praticada –em prol dos dois países – é do inigualável potencial hidráulico do rio Paraná. Afinal, foi para isso que Itaipu foi criada. Repito o que afirmei durante recente audiência pública promovida pela Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul: Itaipu deve servir como modelo e fonte de inspiração para uma integração regional com equidade e respeito às diferenças entre os países. A experiência bem-sucedida de 34 anos deste empreendimento binacional, motivo de orgulho para brasileiros e paraguaios, mostra que é possível promover um desenvolvimento socioeconômico solidário e sustentável, que contribua para a superação das assimetrias existentes na região.
IHU On-Line - O senhor foi cotado para ministro Agricultura do governo Lula. Como conhecedor da realidade agrícola do país, o que pensa da produção de biocombustíveis centrado na produção do etanol?
Jorge Samek – O Brasil lançou pioneiramente, na década de 1970, um programa nacional de produção de etanol a partir da cana-de-açúcar como alternativa para substituição em larga escala dos combustíveis veiculares derivados do petróleo. Com esta iniciativa, o país buscava reduzir sua dependência do petróleo importado, respondendo à crise de 1973, ao mesmo tempo em que realizava investimentos, por meio da Petrobrás, na produção interna. Estamos colhendo hoje os benefícios da visão estratégica que inspirou as duas iniciativas. Em 2006, o Brasil alcançou auto-suficiência na produção de petróleo. Com a recente descoberta do campo de Tupi, na próxima década o Brasil poderá se juntar ao seleto grupo de países exportadores de petróleo.
Na área de biocombustíveis, a nossa liderança já é reconhecida internacionalmente. Em sua recente visita ao Brasil, o Secretário-Geral da ONU, o coreano Ban Kin-moon, declarou que o Brasil é um “gigante verde discreto” e elogiou os esforços que o país vem fazendo na produção de energia renovável. Existe uma preocupação legítima com as conseqüências da expansão da cultura canavieira para atender a crescente demanda mundial de etanol. Teme-se que a produção de biocombustíveis ameace a segurança alimentar. Muitos críticos advertem que a ampliação da cultura da cana-de-açúcar se dará em prejuízo da produção de alimentos, provocando o aumento dos preços de produtos da cesta básica, castigando a população mais pobre. Alguns pressupostos apresentados neste debate são infundados. Facilmente, são ignorados os ganhos de produtividade da agricultura. Na safra de 1990/91, a área plantada no Brasil era de 37,9 milhões de hectares, para uma produção de grãos de 57,9 milhões de toneladas. Na safra de 2006/07, a área plantada foi de 45,5 milhões de hectares e a produção atingiu 126,5 milhões de toneladas. Portanto, o país conseguiu mais do que duplicar a produção de grãos aumentando cerca de 20% a área plantada. A cana-de-açúcar também vem apresentando um ganho de produtividade considerável.
Quando o Proalcool foi criado, em 1975, o rendimento médio era de 46,8 toneladas de cana por hectare. Em 2006, a produtividade média já era de 74 toneladas por hectare. Um registro curioso: grande parte dos ganhos de produtividade da agricultura brasileira podem ser atribuídos à contribuição dada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), criada em 26 de abril de 1973, mesma data da assinatura do Tratado de Itaipu. Outro dado importante refere-se à área ocupada pela cana-de-açúcar. O território brasileiro tem uma área total de 851 milhões de hectares, dos quais 463 milhões constituem áreas preservadas (54%), 220 milhões são ocupados por pastagens (26%), 96 milhões são áreas cultiváveis (11%) e apenas 72 milhões são áreas já cultivadas (9%). Neste ano, o plantio de cana ocupa 6,5 milhões de hectares, o que representa menos de 1% do território brasileiro e apenas cerca de 8% das áreas cultivadas. Comparativamente, o cultivo do milho ocupa 13,2 milhões de hectares, e o cultivo da soja, 20,7 milhões de hectares. As áreas destinadas às culturas de feijão, mandioca, arroz e trigo se mantiveram relativamente constantes nas últimas duas décadas, conforme dados do Censo Agropecuário do IBGE. A oposição entre a produção de alimentos e de biocombustíveis representa um falso dilema.
O Brasil conta com quatro elementos essenciais para ocupar um lugar de destaque no cenário mundial como um dos maiores produtores de alimentos e energias renováveis de biomassa: clima favorável, água, sol e vastas áreas agricultáveis. Outro aspecto importante que precisa ser destacado é a preocupação do governo Lula com o fortalecimento da agricultura familiar. Os recursos do Pronaf quintuplicaram nos últimos cinco anos. Na safra 2002/2003, o governo destinou ao programa R$ 2,3 bilhões. Para a safra 2007/2008, o valor previsto é de R$ 12 bilhões. A política de biocombustíveis não é incompatível com o fortalecimento da agricultura familiar. Ao contrário, o que se pretende é integrar a pequena propriedade rural na nova matriz energética do país, como consumidora e como geradora de energia renovável. A Plataforma Itaipu de Energias Renováveis pretende incentivar e apoiar o uso da biomassa residual para produção de gás metano, que poderá ser utilizado na geração distribuída de energia elétrica. A Carta Final da I Conferência Nacional Popular sobre Agroenergia, realizada em Curitiba, no final de outubro, tornou público o posicionamento das organizações e movimentos sociais do campo, centrado na defesa de um modelo sustentável que assegure a soberania alimentar e energética. A diversificação da matriz energética, privilegiando fontes renováveis e estimulando a produção descentralizada em pequenas unidades, é um objetivo já incorporado à política do governo Lula.
IHU On-Line - Qual é a sua avaliação do governo Lula? Onde ele mais tem acertado e onde errou?
Jorge Samek – Quem melhor avaliou o desempenho do governo foram os eleitores brasileiros, que reelegeram o Presidente Lula com uma votação consagradora. Creio que a população soube reconhecer o sucesso dos esforços realizados para recolocar a economia brasileira nos trilhos e os resultados expressivos alcançados na área social pelo seu governo durante o primeiro mandato. A marca do governo Lula é o social. Numa sociedade tão desigual quanto a nossa, um governo só se legitima e se justifica para combater sem trégua a pobreza e a desigualdade. No seu primeiro discurso como presidente eleito, em outubro de 2002, Lula reafirmou o compromisso de resgatar a dívida social e anunciou o Fome Zero como programa prioritário. Essa promessa vem sendo cumprida.
Ao avaliar e criticar o governo Lula, cientistas políticos, jornalistas e formadores de opinião invariavelmente privilegiam duas dimensões: a gestão da máquina do Estado e os resultados obtidos na economia. A dimensão da participação e cidadania é freqüentemente negligenciada, já que o paradigma dominante continua sendo o gerencialismo. Sem sombra de dúvida, é nessa dimensão que ocorreram algumas das mudanças mais marcantes nos últimos cinco anos. Não é nenhum exagero afirmar que nenhum governo na história deste país abriu mais espaço para a participação popular na construção das políticas públicas. Embora o governo Lula seja um governo de coalizão, a chegada do PT ao poder central incorporou uma riqueza de experiências de participação popular desenvolvidas pelo partido em administrações municipais e estaduais, como o Orçamento Participativo, de Porto Alegre.
É óbvio que não foi possível repetir, no plano federal, essas experiências. Mas as raízes populares do PT, sua inserção nos movimentos sociais, urbanos e rurais, mudaram a dinâmica de elaboração das políticas públicas, que se tornou muito mais permeável à participação da sociedade civil organizada. No plano mais estrutural, o governo Lula promoveu uma democratização inédita do Estado. A realização de conferências nacionais em todas as áreas de políticas públicas é a face mais visível do novo padrão de relações Estado-sociedade. Creio que a ampliação dos espaços de participação política é a mudança mais importante que o governo Lula vem promovendo. É bem verdade que as instituições do Estado e a própria burocracia estatal têm sido resistentes, o que é comprovado pela relutância do Congresso Nacional em aprovar uma ampla reforma política.
Mas não tenho nenhuma dúvida de que o governo Lula fortaleceu a cidadania de forma irreversível. Outra mudança estrutural importante foi o resgate da capacidade de planejamento, enfraquecida pela sanha privatizante que marcou o período anterior. Já mencionei o setor elétrico como um bom exemplo da recuperação do papel do Estado com agente regulador, planificador e fiscalizador. Destaquei também a importância do PAC, que se constitui o carro-chefe do segundo mandato. Praticamente todas as áreas já elaboraram planos plurianuais, fixando diretrizes, objetivos, metas e indicadores para aferição de resultados. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado em abril deste ano, serve como exemplo do salto de qualidade que o governo Lula deu no aprimoramento das políticas públicas. Os resultados mais expressivos foram alcançados no combate à pobreza e na promoção da inclusão social. Entre 2002 e 2007, o Salário-Mínimo teve um aumento real de 32,7%.
No mesmo período, foram criados 5,9 milhões de empregos formais no país. O impacto redistributivo da política de recuperação do poder de compra do salário-mínimo tem sido tremendo. Com o Programa Bolsa-Família, que atende 11,1 milhões de famílias, o governo Lula promoveu uma verdadeira revolução no combate à pobreza. De 2003 a 2006, a taxa de pobreza no Brasil caiu de 28,2% para 19,3%, de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE. Os gastos com alimentos aumentaram 35% entre as famílias que recebem o benefício do Bolsa-Família. Com isso, o risco de desnutrição infantil caiu 30% na região Nordeste. O rendimento dos 10% mais pobres subiu 57,5%, entre 2001 e 2006. As críticas ao assistencialismo do Bolsa-Família perdem credibilidade quando confrontadas com dados tão robustos de redução da pobreza no País.
Ao mesmo tempo, o governo Lula vem cumprindo os seus compromissos com a reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar. Entre 2003 e 2006, foram destinados à reforma agrária 30 milhões de hectares e assentadas 381.419 famílias. Conforme já destaquei, os recursos do Pronaf foram quintuplicados nos últimos cinco anos. O apoio à agricultura familiar gera emprego e renda no campo. Outra área na qual o governo Lula vem acertando é na política externa. O Brasil se tornou respeitado em todos os fóruns internacionais, assumindo uma posição de liderança entre as economias emergentes. O estreitamento dos laços de cooperação com países africanos resgata uma dívida histórica do Brasil com o continente. No plano regional, a integração da América Latina ganhou status de prioridade. O fortalecimento do Mercosul é um passo importante para a construção da integração latino-americana.
Nós, brasileiros, temos motivo para nos orgulharmos do prestígio internacional conquistado pelo Presidente Lula, que se tornou porta-voz dos países em desenvolvimento, cobrando insistentemente dos países ricos relações comerciais mais justas. Outro acerto que deve ser creditado à sua intuição política é a promoção dos biocombustíveis como alternativa para o desenvolvimento sustentável. As importantes realizações do governo Lula no setor elétrico já foram listadas. Deixei por último os resultados obtidos na economia porque já são bem conhecidos.
A primeira grande realização do governo Lula foi debelar a inflação, que já era de dois dígitos no último ano do governo FHC. A reversão do quadro de expectativas sombrias que pairavam sobre a economia brasileira foi mais desconcertante para os analistas mais empedernidos, que apostavam no fracasso do governo do PT. A inflação foi domada, a economia brasileira voltou a crescer, a vulnerabilidade externa foi sanada e o país vive hoje um cenário completamente diferente. Entre 2002 e 2006, as exportações brasileiras saltaram de US$ 60,4 bilhões para US$ 152 bilhões – um crescimento de 127,7%. No mesmo período, o saldo da balança comercial (diferença entre importações e exportações), subiu de US$ 13,2 bilhões para US$ 46,4 bilhões. Nenhuma mudança é mais emblemática do sucesso da política econômica do governo Lula do que o crescimento das reservas internacionais do país.
No apagar das luzes do governo FHC, as reservas brasileiras eram de US$ 37,8 bilhões e o país devia ao Fundo Monetário Internacional (FMI) cerca de US$ 20 bilhões. Ao final do primeiro mandado do Presidente Lula, o Brasil tinha quitado a dívida com o FMI e elevado suas reservas para US$ 85,8 bilhões. Em 30 de setembro de 2007, o Banco Central anunciava que as reservas internacionais do país já alcançavam a expressiva cifra de US$ 163 bilhões. Em 2006, o PIB brasileiro furou a barreira de US$ 1 trilhão, consolidando a posição do país como 9ª maior economia do mundo. Diante de resultados sociais e econômicos tão expressivos, minha avaliação pessoal do governo Lula é muito positivo. Este é um governo de grandes transformações, que serão consolidadas nos próximos três anos. O governo errou ao não priorizar a reforma política, indispensável para o bom funcionamento das instituições públicas, fortalecimento da cidadania e consolidação da democracia brasileira.
Os erros no varejo estão sendo corrigidos com a experiência adquirida no primeiro mandato. Não tenho nenhuma dúvida de que o saldo é altamente positivo. Só o fato de ter contribuído para melhorar as condições de vida dos mais pobres já justifica e legitima este governo.
IHU On-Line - O senhor é candidato a governador do Estado do Paraná em 2010?
Jorge Samek – Sou candidato a desempenhar bem, até o final, a missão que me foi confiada pelo Presidente Lula ao convidar-me para assumir o cargo de Diretor-Geral Brasileiro de Itaipu. Recebi, na ocasião, a seguinte orientação do Presidente: “Estou lhe confiando a responsabilidade de dirigir a empresa que gera quase um quarto da energia elétrica consumida no País. Mas você não deverá se preocupar apenas com a produção de energia. Em torno de Itaipu tem muita pobreza e violência, muitos pais de família desempregados, trabalhadores rurais sem-terra, jovens se escola e sem futuro, crianças e adolescentes sendo explorados nas ruas. Quero que você se preocupe também com o que a Itaipu pode fazer para ajudar a mudar essa realidade”. O presidente Lula determinou ainda que a Itaipu deveria contribuir ativamente para o desenvolvimento e a integração regional. Nestes cinco anos à frente da Itaipu, procurei seguir fielmente essas orientações. Sinto-me honrado de servir ao meu país num cargo de tamanha importância e de fazer parte do governo Lula.
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"O que seria do Paraguai sem Itaipu?" Entrevista especial com Jorge Samek, Diretor-Geral Brasileiro da Itaipu Binacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU