29 Março 2021
Recordar um momento que se tornou um ícone e um marco, foi esse o objetivo do encontro virtual que na tarde deste 27 de março reuniu os testemunhos de homens e mulheres de diferentes origens.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
O objetivo era recordar o que aconteceu há um ano, em 27 de março de 2020, numa Praça São Pedro vazia, mas onde estavam presentes milhões de pessoas de todo o mundo, a quem Francisco perguntou: "Por que tendes medo? O evento, conduzido pela jornalista Marta Isabel González, pretendia ser um espaço de diálogo, recordando o testemunho de fé e esperança do Papa Francisco, um momento para recordar e planear o futuro, como ela própria sublinhou.
Captura de tela do encontro virtual
No encontro virtual, foi feita referência ao livro do Dicastério da Comunicação da Santa Sé, "Por que tendes medo? Ainda não tendes fé?", que Dom Lucio Ruiz, secretário do Dicastério, definiu como "uma pequena caixa, uma ajuda para recordar e pensar, que reúne as fotografias, a meditação do Papa e todos os textos importantes do Magistério posterior". O prelado argentino definiu a Statio Orbis de 27 de março de 2020, como um momento em que fomos chamados a "parar o mundo para pensar, para rezar, o início de um ensino para criar um novo mundo, uma nova economia, uma nova sociedade, uma nova família".
Foi um momento em que "todos nós seres humanos estávamos aqui", nas palavras de Maria Fernanda Silva, que recordou o interesse de muitos, nas horas que antecederam o evento, em saber como poderia ser assistido esse momento. Segundo Silva, o mundo estava num "momento de enorme incerteza", no qual, nas palavras da diplomata, "o Papa Francisco deu a certeza de que havia um futuro”. Ela insistiu que o Santo Padre, que se ergueu e abraçou toda a humanidade, "conduziu da centralidade da fé e da centralidade do amor, deu um nome e um sobrenome à pandemia, ninguém se salva sozinho, e mostrou-nos o caminho para sairmos melhores desta crise, sem voltarmos ao que chamávamos de normalidade".
Foi um momento em que "a eloquência do momento está na nudez, não havia nada que não fosse essencial, não era algo racionalizado, o importante era a pedagogia das atitudes face ao medo", nas palavras de Leticia Soberón, uma das grandes especialistas em comunicação a nível mundial. Estávamos numa altura em que "estávamos todos sentindo medo, confusão, dor, pessoas próximas de nós estavam partindo e continuam partindo". Nesta situação, "o Papa desempenhou o papel de Jesus que acalma, mostrou a presença do Deus transcendente", recordando alguns detalhes, tais como a chuva, que fez parecer que Cristo estava chorando. Foi um momento em que "um Papa pontífice estava presente, que nos fez ver os nossos limites, um Papa que era um pedagogo da fé, da oração". A conselheira do Dicastério da Comunicação, vê esse momento como um "apelo para encontrar o melhor nas pessoas", para compreender que "nós jogamos as nossas cartas, mas a providência sempre nos ultrapassa".
Siskya Valladares, “a freira das redes sociais”, como ela é conhecida, viu-o como "um momento chocante que nos esmagou de tal forma que nos envolvemos plenamente naquela oração". Ela salientou que mais tarde recebeu testemunhos de pessoas que não tinham rezado durante muito tempo, sem ir à igreja, e que naquele momento tinham rezado, um momento em que ela enfatiza que "o mundo realmente parou". Vê-lo quando estávamos "num lugar de confusão e incerteza", segundo Liliana Franco, "onde o Papa nos chamou para estarmos num lugar comum". Para a presidenta da CLAR, "o espaço aberto é o lugar da graça, do definitivo". A religiosa recordou que "este homem cheio de fragilidade, de limitação física convidou-nos a olhar para o definitivo, para Jesus", definindo aquele 27 de março como "um momento que nos ajudou a tecer redes de solidariedade e de compromisso".
Captura de tela do encontro virtual
Mauricio López nunca imaginou "ver um Papa nu, despido, impotente", algo que define como muito forte, "vê-lo de joelhos, como todos os outros nesta situação", o que o levou a vê-lo, seguindo a citação de Gálatas, como alguém "crucificado com Cristo também". O secretário da Ação Pastoral do CELAM vê esse momento como "um grau de comunhão com a nudez, despojamento e impotência do próprio mundo", o que nos leva a "exaltar a presença de um Deus vivo que abre perspectivas e caminhos". Mauricio, que tem um conhecimento profundo da realidade amazônica, referiu-se à realidade vivida na região, onde a Covid-19 já ceifou mais de 60.000 vidas, especialmente no Brasil, onde 3.650 pessoas morreram na última sexta-feira.
Daí, deste "sentido de despojamento, de vazio, de fracasso", definiu a situação atual como apocalíptica, o que nos leva a fazer uma leitura de fé do Apocalipse, que é fruto da Revelação, "onde a vida terá a última palavra". Esta situação, juntamente com o Sínodo, levou a Igreja da Amazônia a encontrar "uma perspectiva para ser mais relevante, mais legítima, mais fiel", vendo a oração do Papa como um momento em que "ele nos fez relançar no abandono e no despojamento, no vazio, para estarmos mais com Cristo, para que Ele seja mais tudo em todos e todas".
Luis Liberman definiu a Statio Orbis como "talvez a imagem ou a fotografia do século", recordando as palavras do Papa em que nos disse que "estamos todos no mesmo barco, todos desorientados, mas somos todos necessários, recordando a fragilidade com que vivemos permanentemente. Liberman recordou as desigualdades presentes na sociedade planetária, onde o 1% mais rico tem o dobro da riqueza de 7 bilhões de pessoas. Ele apelou à construção de um projeto a partir do diálogo substantivo, recordando o Sínodo para a Amazônia, que ele definiu como "o ato mais revolucionário dos últimos 50 anos, que pôs sobre a mesa que se não resolvermos juntos o problema planetário, não teremos um planeta para viver". Para Luis Liberman, "o Papa encoraja-nos à esperança", algo que aparece em Fratelli tutti, onde nos chama a compreender a fragilidade da nossa existência, somos mortais, e a necessidade de uma boa política como metodologia e prática para fazer um mundo melhor.
Captura de tela do encontro virtual
Também apareceram alguns testemunhos, como o de Daniel Pajuelo, que viu o momento como algo que abriu muitas novas formas na Igreja; Tomás Insua, que afirmou que foi um momento que nos fez ver que todos temos de cuidar deste barco e tomar esta crise como uma oportunidade; Sergio Godoy, para quem estava presente uma Igreja que acompanha a vida da humanidade; Athenas, uma cantora argentina, para quem Francisco apareceu como um homem de esperança; Nanami Uchiyama, a jovem japonesa que descobriu a presença de Jesus naquele momento; ou Mons. Bruno-Marie Duffé, que definiu o que ele viveu como um momento confidencial, um convite íntimo para rezar, para esperar com Jesus, um apelo de Jesus na noite da Paixão.
Augusto Zampini esteve presente para falar sobre o futuro pós-pandêmico. Recordou esse episódio como um momento em que "o Papa tomou o mundo nos seus ombros". O Secretário Adjunto do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral define a Comissão Covid do Vaticano como algo em que o Vaticano foi quase um pioneiro, que reúne diferentes agências do Vaticano e muitas organizações no mundo, analisando questões de economia, ecologia, segurança, saúde pública, para preparar o futuro, no qual "não sabemos o que vai acontecer". Para Zampini, "a esperança é que Deus nos acompanhe e se pudermos nos juntar, colaborar e não competir, podemos sair". Não se trata de "um otimismo idealista, mas de um movimento de unidade".
O padre recordou que o Papa Francisco, com quem se encontrou recentemente para fazer avançar os trabalhos da comissão, pede sempre coisas concretas e não palavras, pede para mudar os hábitos escleróticos, e sempre chamou a preparar o futuro, "dizendo que o futuro tem memória, o futuro é preparado com a ciência e com a imaginação". Zampini recordou que o Papa Francisco "fala de transbordamento, que se refere à graça, que está sempre transbordando". Sublinhou também a importância da conversão, uma vez que a atual crise "tem de nos servir para navegarmos juntos em novos mares, para convertermos o nosso modo de vida", algo que não é fácil, uma vez que a conversão não pode ser imposta, embora também seja verdade que "a conversão também é contagiosa", recordando a frase de Francisco no final da Statio Orbis "que Deus nos conceda viralizar o amor, globalizar a esperança à luz da fé".
Dom Lucio Ruiz salientou a importância do tema da comunicação na situação atual, como forma de "ser missionários, para trazer este pensamento, sentimento, conversão do coração e das obras, para que seja contagioso”. Siskya Valladares também insistiu nisto, sublinhando a importância das redes sociais, de sermos missionários que são contagiosos nestes espaços.
Estamos perante a oportunidade de "gerar processos concretos que conduzam a boa vontade a atos visíveis", nas palavras de Leticia Soberón. É necessário dar exemplos práticos de como é a vida do futuro, que ela define como solidária, sinodal, comunitária. Na mesma linha, Maria Fernanda Silva insistiu na importância de agir agora para preparar o futuro, sublinhando a importância das catequeses que se seguiram à Statio Orbis, que ajudou a construir a história, para que o Santo Padre assumisse a liderança, tornando visíveis todas as pandemias.
Nas considerações finais, Dom Lucio Ruiz salientou a importância das celebrações em Santa Marta, "um presente que o Santo Padre nos deu, uma carícia onde mostrou o amor da Igreja Mãe que acompanha diariamente os filhos para viver na fé, para confiar no Senhor, que mostrou a profunda participação espiritual através dos meios de comunicação social". Para Maria Fernanda Silva, que pediu vacinas para todos, "a esperança é a capacidade de transformar sonhos em realidade, e o Papa Francisco está nos dando o caminho". Segundo a diplomata, a liderança do Papa "acompanha-nos e abraça-nos todos os dias, ele construiu uma nova forma de construir a humanidade", algo que é concretizado em Fratelli tutti. Liliana Franco chamou-nos a voltarmo-nos para o lugar comum, a margem, a beira, a fronteira, "um apelo ao compromisso com um povo que continua a gritar e tem de nos conduzir ao altar comum onde podemos tecer redes de solidariedade e compromisso, para um futuro que será melhor se formos irmãos e irmãs”.
Mauricio Lopez recordou que "não estamos no mesmo barco, alguns estão em iates e outros em pateras, mas na chave escatológica e eclesiológica há uma chamada a ir no mesmo barco para o que o Senhor nos convida". O Secretário de Ação Pastoral do CELAM refletiu sobre os conceitos de fragilidade, discernimento, caminhar com Jesus e a certeza de que é Deus que vive em mim, apelando para que "a Igreja seja uma presença para tantas pessoas crucificadas na Amazônia e em tantos lugares". Luis Liberman sublinhou a importância da água num mundo que continua a gritar por sede de justiça. Finalmente, Siskya Valladares agradeceu ao Papa "por nos encher de esperança num tempo de escuridão", destacando "a criatividade do amor que cresceu nestes tempos, encontrámos novos canais para rezarmos juntos, espalharmos esperança e partilharmos amizade”.
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"Por que tendes medo?", uma pergunta que "nos mostrou o caminho para sair desta crise melhores" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU