Quem tem medo da filosofia?

(Foto: Rey Seven | Unsplash)

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03 Mai 2019

"Com uma frequência inusitada, os que detêm as rédeas do poder costumam temer o pensamento especulativo, pois ele tende a desvendar as artimanhas e maquinações que separam a minoria rica e poderosa de uma maioria à qual é negado o acesso ao conhecimento", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista e assessor das Pastorais Sociais.

Eis o artigo. 

Não é de agora que a filosofia (bem como a sociologia e a história, no conjunto das ciências sociais e humanas) incomoda “os donos do poder”, para usar o título da obra de Raymundo Faoro. Tomemos duas definições clássicas do conceito de filosofia. A primeira é atribuída ao filósofo grego Pitágoras (século VI a.C.): “amor pela sabedoria, experimentado apenas pelo ser humano consciente de sua própria ignorância”. A segunda tem origem igualmente num filósofo grego, Platão (século IV a.C.), sendo transmitida por sua escola, o platonismo: “investigação da dimensão essencial e ontológica do mundo real, ultrapassando a opinião irrefletida do senso comum que se mantém cativa da realidade empírica e das aparências sensíveis”.

Convém sublinhar, entre outros, dois aspectos relevantes dessas definições primordiais. De acordo com Pitágoras, a filosofia pressupõe o reconhecimento “consciente de sua própria ignorância”. Em outros termos, no confronto com os segredos e mistérios do universo, da natureza e do ser humano, este último mantém-se aberto ao espanto e à novidade de uma contínua descoberta. Ciente de sua pequenez e suas limitações, coloca-se numa posição de permanente aprendizagem. Faz da vida e das relações com as pessoas e as coisas uma verdadeira escola. Já para o platonismo, a filosofia ultrapassa “a opinião irrefletida do senso comum”. De fato, nada é mais enganoso do que as aparências. A partir delas, o senso comum costumo julgar, aplaudindo ou condenando segundo aquilo que pode ver, tocar, medir, controlar, contabilizar, manipular. Agindo dessa forma, escapam-lhe as dimensões invisíveis, desconhecidas e incomensuráveis, as quais, em boa parte dos casos, são as que acabam por determinar atitudes e comportamentos.

Tanto no desconhecimento da “própria ignorância”, quanto na “opinião irrefletida do senso comum”, encontramos uma postura de arrogância, prepotência e auto-suficiência. Postura que está a um passo do autoritarismo e da tirania. Vê-se isso no julgamento e eliminação do filósofo Sócrates (século IV a.C.) e, mais tarde, nas hostilidades e condenação do filósofo italiano Galileu Galilei (também físico, matemático e astrônomo), que viveu entre os séculos XVI e XVII, o qual terá um papel relevante para a revolução da ciência moderna. Com uma frequência inusitada, os que detêm as rédeas do poder costumam temer o pensamento especulativo, pois ele tende a desvendar as artimanhas e maquinações que separam a minoria rica e poderosa de uma maioria à qual é negado o acesso ao conhecimento.

Saber é poder! Mas o é sobretudo na modernidade ou pós-modernidade, devido à revolução na área da ciência e tecnologia, das comunicações e da informática. Porém, saber é também um questionamento dinâmico e dialético ao uso do conhecimento e do poder. Os princípios e proposições da filosofia, da sociologia e da história, em particular, interpelam constantemente o status quo, mantido a todo custo pelo regime de plantão. Na era medieval, para se ter uma ideia, um conluio entre o poder político feudal e o poder religioso da Inquisição – aliança entre trono e altar ou entre cruz e espada – levaram muitas pessoas ao desterro, à prisão ou à fogueira. Daí a caça às bruxas, aos hereges e aos loucos! Em meio a estes últimos, não poucos eram justamente conhecedores profundos que legaram grandes descobertas à humanidade, sendo o caso mais emblemático a condenação à morte do também filósofo Giordano Bruno.

Privilegiar o conhecimento básico ou profissional, de resultados aparentemente imediatos, em detrimento de uma reflexão complexiva sobre a cultura, a sociedade e a história, equivale a adotar os princípios de um novo utilitarismo. Toma-se o caminho curto da preparação para a produção e o mercado, esquecendo que é precisamente o caminho longo da ciência, da pesquisa e da dúvida reflexiva que abre horizontes inovadores, não somente no campo da teoria, mas também no terreno da prática. O dia-a-dia da sociedade depende de um bom casamento entre teoria e prática. Uma complementa, ilumina, interpela e enriquece reciprocamente a outra.


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