01 Novembro 2024
As acusações de abuso sexual contra o padre Marko Ivan Rupnik começaram em dezembro de 2022.
A reportagem foi publicada em 7Margens, 28-10-2024.
O padre Marko Ivan Rupnik, artista e teólogo, autor de dezenas de livros, amigo de papas e cardeais, orientador de retiros para a Cúria Romana, figura reconhecida nos meios católicos de muitas partes do mundo, resiste desde dezembro de 2022 a sucessivas e plausíveis denúncias de abusos sexuais, de poder e espirituais sobre um significativo número de religiosas, mesmo depois de, há um ano, o próprio Papa Francisco ter ordenado a reabertura do seu processo, no Dicastério para a Doutrina da Fé.
Quem se inquieta e revolta com o passar do tempo e com a ausência de decisão são várias das vítimas que, entretanto, deram a cara, e que, além do silêncio do Vaticano, se queixam agora não apenas das violências do padre-artista, mas do modo como são tratadas pelas autoridades eclesiásticas.
Duas ex-religiosas da extinta Comunidade Loyola, fundada por Rupnik e por Ivanka Hosta, nos anos 80 do último século, queixam-se de falta de transparência. Uma delas, Gloria Branciani, fez uma primeira denúncia dos comportamentos de Rupnik em 1993 e, em 2021, voltou a ser contatada para voltar a dar um testemunho sobre esses abusos. Em declarações à jornalista Hannah Brockhaus, da Catholic News Agency (CNA), refere que “de ambas as vezes, não houve resposta da autoridade eclesiástica”. Face à denúncia pública, em fevereiro deste ano, numa coletiva de imprensa, em Roma, diz ainda sentir-se “traída mais uma vez” por não ter recebido uma resposta do Vaticano, um ano após o início da investigação”.
Outra vítima, Mirjam Kovač, refere à mesma agência esperar que “a instituição e aqueles que a representam tentem de todas as formas possíveis construir relações sobre a verdade e a justiça. Não apenas com palavras, mas acima de tudo com atos”, entendendo que, pelo que se passou até agora, existe “falta de transparência por parte do Vaticano no caso Rupnik”.
Recorde-se que o padre e ex-jesuíta viu os seus atos supostamente abusivos serem julgados por duas vezes pela então Congregação (hoje Dicastério) para a Doutrina da Fé. Da primeira vez, em 2020, estava em causa o fato de ter absolvido em confissão uma religiosa de quem tinha abusado. Esses fatos implicavam uma excomunhão automática que foi declarada por aquela Congregação. Porém escassas semanas depois, a excomunhão foi levantada em condições que nunca foram totalmente esclarecidas, mas que teriam de contar com a intervenção do Papa.
No ano seguinte, o ex-Santo Ofício voltou a apreciar vários outros casos de abusos deste clérigo. Porém, nessa altura, não negando a matéria de fato, decidiu não aplicar nenhuma pena, com o argumento de que os factos em apreciação tinham prescrito.
Algumas medidas impostas pela Companhia de Jesus nunca foram aparentemente respeitadas por este (então) seu membro. E, quando o seu superior hierárquico o convocou por mais de uma vez para se apresentar e esclarecer a sua posição, ele nunca compareceu. Os jesuítas, que reuniram por iniciativa própria mais denúncias de abusos alegadamente praticadas pelo presbítero, acabaram por expulsá-lo, não por causa dos abusos, mas por falta reiterada ao voto de obediência da parte dele.
A partir do momento em que as denúncias dos abusos saltaram para o espaço público, no início de dezembro de 2022, multiplicaram-se os apelos à intervenção do Vaticano. Quando parecia que nada iria acontecer, eis que, coincidindo com o fim da primeira sessão do Sínodo dos Bispos, em 27 de outubro de 2023, o Papa Francisco determinou que o caso fosse reaberto, para apreciar os fatos novos surgidos depois da derradeira decisão do Dicastério para a Doutrina da Fé.
“O Papa está firmemente convencido de que, se há algo que a Igreja deve aprender com o Sínodo é a ouvir com atenção e compaixão aqueles que sofrem, especialmente aqueles que se sentem marginalizados da Igreja”, observava, na altura, um comunicado divulgado pela Sala de Imprensa da Santa Sé. Esse comunicado fazia notar que, no mês anterior, a Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores e Pessoas Vulneráveis denunciara junto do Papa “graves problemas na gestão do caso do padre Marko Rupnik e a falta de proximidade com as vítimas”.
“Consequentemente, o Santo Padre pediu ao Dicastério para a Doutrina da Fé que examinasse o caso e decidiu renunciar à prescrição para permitir a realização de um julgamento”, acrescentava o comunicado.
Pouco se sabe do que se passou entretanto. Uma fonte interna do Dicastério para a Doutrina da Fé disse à CNA não ser prática daquele departamento da Cúria pronunciar-se sobre casos específicos, garantindo apenas que se continua a “estudar os méritos do caso Rupnik e a examinar que medidas processuais podem ser tomadas e ‘o mecanismo pelo qual a justiça pode ser feita’”.