Por: André | 12 Dezembro 2013
Terremoto na Congregação para a Educação Católica, da qual o Papa Francisco removeu nove cardeais. Entretanto, o novo secretário de Estado escolheu seu secretário particular, o inglês Robert D. Murphy, que trabalhou quatro anos em Buenos Aires.
Fonte: http://bit.ly/1bGwzJM |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 11-12-2013. A tradução é de André Langer.
Consolidou-se o fato de que a reforma da cúria romana promovida pelo Papa Francisco se aprofundará, e precisamente por isso não se realizará num período de tempo breve. A confirmação veio da segunda rodada de reuniões dos oito cardeais que são seus “conselheiros”, realizada em Roma nos primeiros dias de dezembro e com a presença do Pontífice.
“Nosso trabalho apenas começou”, disse um deles, o cardeal de Boston Sean P. O’Malley. Também o coordenador dos oito, o cardeal hondurenho Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga, disse que não há motivos para ter pressa.
“Se olharmos para a história – observou Maradiaga a propósito da Constituição de João Paulo II sobre a cúria, publicada em 1998 –, a Pastor Bonus levou mais de três anos para ser escrita. Tenham paciência. Não se pode improvisar nas coisas grandes. A Igreja comporta grandes problemas, que envolvem muitas pessoas”.
Depois acrescentou: “A participação do mundo é tão grande que para chegar à síntese é necessário discutir. Chegar a conclusões leva tempo. E, sobretudo – disse o Papa –, há coisas que levam tempo porque as reformas não são superficiais, mas profundas, e, por conseguinte, necessita-se de diálogo, escuta e discernimento”.
Seja como for, à espera de uma reforma radical da cúria romana, o Papa Francisco já começou a incidir na “governança” dos dicastérios romanos tal como estão atualmente estruturados.
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Com efeito, em 16 de março, três dias após a eleição, o neo-eleito pontífice havia “expressado a vontade de que chefes e membros dos dicastérios da cúria romana, assim como também os secretários, inclusive o presidente da Pontifícia Comissão do Estado da Cidade do Vaticano, prosseguissem respectivamente em seus respectivos cargos ‘donec aliter provedeatur’”. Uma fórmula, esta última, que lhe deixava as mãos livres e que não havia sido utilizada por seus predecessores, ao confirmar os dirigentes da cúria no começo de seus respectivos pontificados.
Agora, depois de passados nove meses da eleição, além de ter nomeado, no dia 31 de agosto, um novo secretário de Estado na pessoa de Pietro Parolin e ter mantido, ao mesmo tempo, os outros vértices da Secretaria de Estado (o substituto Angelo G. Becciu com o assessor Peter B. Wells, e o “ministro das Relações Internacionais” Dominique Mamberti com o vice Antoine Camilleri), o Papa Jorge Mario Bergoglio já confirmou, com algumas transferências e integrações, os vértices de quatro das nove Congregações: Doutrina da Fé, Propaganda Fide e do Clero no dia 21 de setembro, Educação Católica no dia 30 de novembro. Também os de dois dos onze Pontifícios Conselhos: o de Leigos e o da Justiça e Paz, no dia 24 de setembro.
Afora a nomeação de um novo penitenciário maior na pessoa do cardeal Mauro Piacenza, a quem transferiu da mais importante Congregação para o Clero, outros dirigentes da cúria ficam no cargo apenas “donec aliter provideatur”, isto é, provisoriamente.
Este é o caso dos dirigentes da Assinatura Apostólica (para a qual foi nomeado um secretário adjunto, o bispo Giuseppe Sciacca, transferido da secretaria-geral do Governadorado), da Apsa, da Prefeitura para Assuntos Econômicos, do Governadorado (onde há um novo secretário-geral, o argentino Fernando Vérgez Alzaga, dos Legionários de Cristo) e de cinco Congregações: Igrejas Orientais, Culto Divino, Causa dos Santos, Bispos e Vida Religiosa. Mas de qualquer modo, nestes dois últimos dicastérios já foram escolhidos dois novos secretários, respectivamente o brasileiro Ilson de Jesus Montanari e o franciscano espanhol José Rodríguez Carballo.
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Entre as confirmações plenas, a mais interessante é, certamente, a da Congregação para a Educação Católica, e não somente porque no passado recente – como documenta o recente livro de Elisabetta Piqué, Francesco. Vita e rivoluzione, editado na Itália pela Lindau – o então cardeal Bergoglio teve algumas dificuldades para fazer com que o dicastério aceitasse sua decisão de escolher como novo reitor da Universidade Católica de Buenos Aires mons. Víctor Manuel Fernández (a quem como Papa quis, o que é significativo, elevar à dignidade episcopal apenas dois meses depois de ter sido eleito Bispo de Roma).
Ao passo que no caso das Congregações para a Doutrina da Fé e da Propaganda Fide o Papa confirmou em bloco os membros de ambos os dicastérios, e, ao contrário, na Congregação para o Clero não confirmou nenhum, na Congregação para a Educação Católica o pontífice interveio a fundo com confirmações, com a adição de novos membros e com demissões.
Francisco confirmou como prefeito da Congregação para a Educação Católica o cardeal polonês Zenon Grocholewski, de 74 anos de idade (chegará à idade da aposentadoria em outubro de 2014), no cargo desde 1999, e como secretário do mesmo dicastério o arcebispo italiano Angelo Vincenzo Zani, de 63 anos de idade, no cargo desde novembro de 2012, quando assumiu o lugar do dominicano francês Jean-Louis Bruguès, agora arquivista e bibliotecário da Santa Igreja Romana e que, desta forma, está na lista de espera para ser cardeal no consistório já fixado para o próximo mês de fevereiro.
Além disso, o Papa nomeou 11 novos membros da Congregação e confirmou outros 23.
Entre os novos membros, sete são cardeais: o libanês Béchara Boutros Raï, patriarca dos maronitas; o brasileiro Odilo Pedro Scherer, de São Paulo; o queniano John Njue, de Nairóbi; o estadunidense Timothy M. Dolan, de Nova York; o chinês John Tong Hon, de Hong Kong; o filipino Luis A. G. Tagle, de Manila; o suíço Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos.
Quatro são arcebispos: o italiano Beniamino Stella, prefeito da Congregação para o Clero; o polonês Jorge Carlos Patrón Wong, novo secretário para os Seminários da mesma Congregação; Ricardo Ezzati Andrello, de Santiago do Chile; o polonês Marek Jedraszewski, de Lódz.
Entre os confirmados, 20 são cardeais: o espanhol Antonio M. Rouco Varela, de Madri; o austríaco Christoph Schönborn, de Viena; o lituano Audrys J. Backis, emérito de Vilnius; o hondurenho Óscar A. Rodríguez Maradiaga, de Tegucigalpa; o português José da Cruz Policarpo, emérito de Lisboa; o ganês Peter K. A. Turkson (da cúria), o croata Josip Bozanic, de Zagreb; o húngaro Péter Erdo, de Budapeste; o canadense Marc Ouellet (da cúria); o francês Jean-Pierre Ricard, de Bordeaux; o indiano Oswald Gracias, de Mumbai; o zaireano Laurent Monsengwo Pasinya, de Kinshasa; o alemão Reinhard Marx, de Munique; o canadense Thomas C. Collins, de Toronto; o holandês Willem J. Eijk, de Utrecht; o argentino Leonardo Sandri (da cúria), os italianos Gianfranco Ravasi e Fernando Filoni (da cúria), o brasileiro João Braz de Aviz (da cúria), o estadunidense Edwin F. O'Brien (da cúria). Mais dois arcebispos: o argentino Alfredo H. Zecca, de Tucumán, e o alemão Gerhard L. Müller, da cúria. E o bispo suíço Charles Morerod, de Lausanne.
Mas a lista mais curiosa é a dos removidos. Além dos cardeais Godfried Danneels, Juan Sandoval Iñiguez e Raffaele Farina, que já completaram 80 anos de idade, já não é mais membro da Congregação Dionigi Tettamanzi, que completará esta idade no próximo mês de março.
Assim como não foram confirmados os cardeais William J. Levada e Mauro Piacenza, de fato substituídos pelos respectivos sucessores nas Congregações para a Doutrina da Fé e na Congregação para o Clero: Müller e Stella.
Mas removidos foram também os cardeais Stanislaw Dziwisz, de Cracóvia, Giuseppe Betori, de Florença e Rainer Maria Woelki, de Berlim. Detalhe curioso: estes dois últimos estavam no cargo há apenas um ano, ao terem sido nomeados membros da Congregação depois do consistório que os viu criados cardeais em fevereiro de 2012.
Na prática, então, a nova Congregação para a Educação Católica projetada por Bergoglio é menos italiana (saem Tettamanzi, Betori, Farina e Piacenza, enquanto entra apenas Stella), menos europeia (além dos italianos também saem Danneels, Dziwisz e Woelki, ao passo que, além de Stella, só ingressam Koch e Jedraszewski), mas mais latino-americana (sai Sandoval, mas entram Scherer, Patrón e Ezzati) e mais asiática (nenhuma saída e três novas entradas: Rai, Tong e Tagle).
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Agora será interessante ver que resultados vai produzir o tratamento de Bergoglio nos outros dicastérios, a começar pelo dicastério chave que é o dos bispos, que colabora com o Papa na escolha dos prelados da maior parte do mundo: desde a Europa à América, da Austrália às Filipinas.
Atualmente, dos 32 membros desta Congregação 12 são italianos e 24 europeus, 4 estadunidenses, 4 latino-americanos e um proveniente da Oceania. Proporções que é difícil pensar que permanecerão invariáveis.
Mas, para além das proporções numéricas, será interessante ver quem será confirmado, nomeado ou demovido pelo Papa Francisco neste decisivo dicastério.
Neste sentido, é curioso notar como, do campo progressista, já chegam pedidos peremptórios. Fê-lo, por exemplo, o National Catholic Reporter, que pediu a cabeça do cardeal estadunidense Raymand L. Burke, muito conservador para os gostos do semanário. Mas já se verá em que medida o Papa vai querer ouvir estes conselhos não desinteressados.
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Um último comentário sobre a Secretaria de Estado. Nos primeiros dias de dezembro, por ocasião de uma série de apresentações de livros e de uma missa em sufrágio do ex-decano do corpo diplomático, o novo secretário particular do novo secretário de Estado, o arcebispo Pietro Parolin, fez uma aparição pública, o que lhe valeu numerosas citações no L’Osservatore Romano.
Trata-se do britânico Robert David Murphy, que nasceu em 4 de fevereiro de 1973 em Solihull, nas West Midlands inglesas, a poucas milhas de Birmingham. Sua biografia eclesiástica não está isenta de interesses.
Depois de ter estudado literatura e direito civil em Cambridge, entrou, em 1995, no seminário do Instituto Católico de Paris, onde obteve o bacharelado em Filosofia e Teologia. A convite do seu bispo, nessa época Maurice Couve de Murville, mudou-se para Roma, onde obteve a licenciatura em Teologia na Gregoriana.
Em 2001, Murphy foi ordenado sacerdote pela diocese de Birmingham, dirigida desde 2000 por Vincent G. Nichols, o atual arcebispo de Westminster. Durante quatro anos foi vigário paroquial e capelão em três escolas, no hospital e na prisão de Stafford. Em 2004, entrou na Pontifícia Academia Eclesiástica, a escola diplomática da Santa Sé, presidida nessa época pelo espanhol Justo Mullor García. Durante este período conseguiu o doutorado em Teologia Fundamental na Gregoriana, sobre o tema: “Hierarchy and communion: elements in tension in the exercise of ecclesial authority and the retrieval of a canonical space of reception. A proposal in dialogue with the ecclesiology of Yves Congar, O.P.” [Hierarquia e comunhão: elementos em tensão no exercício da autoridade eclesial e a recuperação de um espaço canônico de recepção. Uma proposta em diálogo com a eclesiologia de Yves Congar, OP]. Entre seus companheiros de curso estavam Roberto Lucchini, que posteriormente chegou a ser o segundo secretário do cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone, e Fabrice Rivet, atual secretário do substituto Angelo G. Becciu.
No verão de 2007, ao finalizar seus estudos na Academia, Murphy foi enviado à Nunciatura da Colômbia, onde encontrou como núncio o arcebispo Beniamino Stella, atual prefeito da Congregação para o Clero, que em outubro desse mesmo ano foi chamado para Roma para presidir a Academia Eclesiástica.
Depois de apenas um ano em Bogotá, Murphy foi enviado, em 2008, à representação pontifícia na Argentina, onde chegou a ser o número dois do então núncio Adriano Bernardini, a quem o citado livro de Elisabetta Piqué coloca no topo dos históricos “adversários eclesiásticos” de Bergoglio, nessa época arcebispo de Buenos Aires. Murphy substituiu, na Nunciatura argentina, o mons. Alberto Perlasca, transferido para Roma, onde até agora dirige a importante secção administrativa da Secretaria de Estado.
Em 2011, Murphy foi destinado em um primeiro momento à sede da ONU em Genebra, mas depois houve uma contraordem e permanece na Argentina, onde, entre dezembro e março de 2012, esteve no cargo “ad interim” da embaixada vaticana no intervalo entre a saída de Bernardini, chamado para dirigir a prestigiada nunciatura na Itália, e a entrada do novo núncio, o suíço Emil Paul Tscherrig, que – sempre segundo as palavras de Elisabetta Piqué – teve, ao contrário daquele, uma excelente relação com Bergoglio.
No verão de 2012, Murphy foi transferido para a Nunciatura de Berlim. Ali permanecerá pouco mais de um ano. Em novembro passado, com efeito, retorna para Roma para trabalhar ao lado do novo secretário de Estado.
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