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01 Março 2012

Tem um sabor de fim de regime a luta de poder desencadeada dentro do Vaticano. Porque confrontos e braços de ferro subterrâneos sempre aconteceram no Palácio Apostólico. Mas a dureza dos ataques dirigidos contra o secretário de Estado, em um crescendo que parece irrefreável, revela que, dentro da Cúria, há grupos e pessoas que – com o pontífice já em idade avançada e a evidente falta de direção da barca de Pedro – consideram necessário se chegar a uma nova organização na cúpula da da Santa Sé.

A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 29-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A novidade absoluta é que não se atua, como em outras estações, por insinuações ou mensagens consideradas rigorosamente secretas. Diante da estagnação em que o pontificado ratzingeriano está se arenando, há forças que decidiram levar tudo à luz do sol, combatendo essa batalha no palco dos meios de comunicação, deixando claro também o que está em jogo: uma reviravolta na administração das finanças, nas relações entre o Vaticano e a Igreja italiana, nas relações entre o secretário de Estado (foto) e os cardeais. Não há (mais) "corvos" nessa história. Há combatentes clandestinos.

A correspondência Bertone-Tettamanzi coloca sob os holofotes os pontos mais vulneráveis do governo bertoniano. Primeiro, um absolutismo que os seus adversários denunciam como centralismo sem autênticas qualidades gerenciais: pois atua por impulsos de improvisação e cria oposição lá onde ele deveria trabalhar pela máxima coesão do aparato sobre linhas estratégicas compartilhadas.

Segundo, a tendência de ultrapassar sistematicamente os limites do seu próprio âmbito. O secretário de Estado tem nas mãos a estratégia da Igreja universal. Ao contrário, destacam seus opositores, ele tem sido visto tratando de um imaginário polo hospitalar eclesiástico italiano (o caso San Raffaele). E, além disso, o Instituto Toniolo concerne à Igreja italiana, assim como a Universidade Católica. Certamente, não estavam em discussão questões doutrinais de máximo relevo, a ponto de provocar uma intervenção do papa.

Auxiliar um secretário de Estado, que põe e dispõe ao seu arbítrio, por puros projetos de poder, tornou-se alarmante em certos ambientes eclesiásticos, e – para alguns – tão intolerável que quiseram informar a opinião pública sobre a derrota sofrida por Bertone depois do apelo dirigido pelo cardeal Tettamanzi ao pontífice, como se depreende das cartas publicadas nessa terça-feira, 28 de fevereiro, pelo Fatto.

Além disso, no momento da troca da guarda para a presidência da CEI entre Ruini e Bagnasco, o cardeal Bertone se arrogou, por carta, o alto comando das relações com a política italiana, passando por cima da liderança da conferência episcopal. Mas chega o momento em que alguém, e mais de um, apresenta a conta. Ainda em 2009, depois do desastroso caso Williamson (o bispo lefebvriano negacionista a quem foi removida a excomunhão) e do igualmente doloroso caso Wagner (um padre reacionário austríaco nomeado bispo e depois forçado a renunciar após o protesto dos católicos e do episcopado da Áustria), alguns purpurados de destaque haviam posto a Bento XVI a questão de uma sucessão de Bertone.

Em abril, quando, na residência de Castelgandolfo, os cardeais Scola, Schönborn, de Viena, Bagnasco e Ruini interpelaram o pontífice, a resposta lapidar foi, em alemão: "Der Mann bleibt wo er ist, und basta". O homem fica onde está, e chega! Poucos meses depois, Bento XVI fez com que fosse publicado no L'Osservatore Romano um exagerado elogio pelo "grande empenho e pela perícia" demonstrados pelo secretário de Estado.

Agora, o vento mudou. O seu braço direito, lembram cotidianamente os seus silenciosos mas ativos antagonistas, cometeu dois erros capitais em poucos meses em um campo que o Papa Ratzinger considera sensibilíssimo para o prestígio internacional da Santa Sé. Bertone perseguiu Viganò depois de este ter denunciado histórias de corrupção envolvendo contratos no Vaticano. Bertone deteve a estratégia de transparência financeira do banco vaticano buscada pelo cardeal Nicora e pelo diretor do IOR [o chamado Banco do Vaticano], Gotti Tedeschi. Dois gols contra mortais para a Santa Sé.

São erros que envenenam a atmosfera. O mais perigoso para o secretário de Estado é que os favoráveis à sua sucessão se encontrem tanto no campo conservador quanto no reformista. E também entre os ratzingerianos de ferro. Percebe-se a sensação de um cerco silencioso. Enquanto isso, alguns monsenhores já se aproximam do "candidato a secretário", o cardeal Piacenza.

Até porque a guerra dos documentos não deve acabar. Em uma gaveta, há uma mensagem de Bertone ao primeiro-ministro Monti – nas horas frenéticas da formação do governo em dezembro – para recomendar a um lugar de subsecretário o seu pupilo Marco Simeon, que antes havia caído de paraquedas como diretor da Rai Vaticano e como responsável pelas relações institucionais e internacionais.

Um secretário de Estado vaticano pedindo um posto de subsecretário para um protegido seu ao presidente do Conselho italiano? O que uma coisa tem a ver com a outra?