02 Julho 2011
A última quarta-feira pode ter sido o momento máximo do calendário litúrgico desta semana, devido à Festa dos Santos Pedro e Paulo, mas a terça-feira, 28 de junho de 2011, marcou um "crescendo" de um tipo diferente: o dia em que a loteria informal que conduz ao próximo conclave começou oficialmente.
A análise é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 01-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para ser claro, nenhum susto de saúde estourou em torno do Papa Bento XVI, e não há nenhuma outra razão para acreditar que seu papado está chegando ao fim (como eu afirmo às vezes brincando, a maquinaria alemã é construída para durar!). No entanto, na terça-feira, o pontífice fez um movimento pessoal que não é apenas importante por direito próprio, mas também possui implicações óbvias para favorecer as perspectivas papais.
No dia 28 de junho, o Papa Bento XVI nomeou o patriarca de Veneza, de 69 anos, cardeal Angelo Scola, como o novo arcebispo de Milão.
Em um nível, é tentador ler isso como um movimento lateral. Veneza, na verdade, produziu três papas no século XX (Pio X, João XXIII e João Paulo I) em comparação aos dois de Milão (Pio XI e Paulo VI), por isso não é como se a transferência de Scola para a Sé de Ambrósio o tirasse da escuridão. Entre os íntimos, ele já era considerado um peso-pesado eclesial pesado e um futuro pretendente de alto nível.
No entanto, Milão é, bem, sui generis. É uma das poucas dioceses que impõem seu ritmo, como Paris ou Westminster ou Nova York, cujo ocupante automaticamente se torna um ponto de referência em todo o mundo. Também é a primeira sede na Igreja italiana, e, dada a relação especial entre a Itália e do papado, é provavelmente justo dizer que a maioria dos papas veem Milão como uma das mais importantes nomeações que eles terão que fazer.
Como resultado, Milão não é apenas um cargo – é um voto de confiança papal único e uma plataforma para a liderança global. Os observadores da Igreja geralmente assumem que, quando um papa envia alguém para Milão, ele o está apontando como um possível sucessor. Bento XVI não é ingênuo. Ele é consciente desse cálculo, o que significa que, no mínimo, ele tem bastante confiança em Scola a ponto de colocá-lo em um lugar onde o papado é uma possibilidade real.
A partir de agora, Scola será o parágrafo inicial de cada notícia especulativa sobre o próximo conclave, e tudo o que ele fizer ou disser será examinado com um olho na eleição papal. Com efeito, Scola se torna o novo cardeal Carlo Maria Martini, que, durante seu próprio mandato como arcebispo de Milão de 1980 a 2002, era visto em geral como o primeiro papável da Igreja.
O fato de que Martini não tenha sido eleito ao papado é, obviamente, um fator de advertência sobre os perigos do prognóstico. No entanto, isso não altera a questão de que as palavras e as ações de Martini carregaram um peso extra durante duas décadas por causa de seu status como um perceptível papa-em-espera, e agora o mesmo poderá ser dito sobre Scola.
* * *
Eu publiquei um perfil de Scola antes da nomeação para Milão no NCR. Para aqueles não familiarizados com ele, aqui está o que vocês deveriam saber: se você gosta de Bento XVI, você vai adorar Scola. Mesmo que não goste, você vai achar difícil não se encantar com ele. Ele é uma versão de língua italiana do papa, extrovertido, otimista, notavelmente autêntico.
(Em um esforço bastante desajeitado para expressar tudo isso, o jornal The Telegraph, do Reino Unido, publicou a manchete: "Cardeal pró-Vaticano presidirá a Igreja de Milão". Eu sei o que eles quiseram dizer, mas não posso deixar de perguntar: quais seriam, exatamente, os cardeais "anti-Vaticano"?)
A congruência entre Scola e Bento remonta pelo menos a quatro décadas, à Páscoa de 1971, quando os dois homens se conheceram pela primeira vez em um restaurante às margens do Rio Danúbio.
Na época, Scola estava estudando na Universidade de Friburgo, enquanto Ratzinger havia recentemente se juntado ao corpo docente da recém-fundada Universidade de Regensburg, na Baviera. Os dois homens compartilhavam uma paixão por pensadores católicos como Hans Urs von Balthasar e Henri de Lubac, que ajudaram a inspirar a ampla maioria progressista do Concílio Vaticano II (1962-1965), mas que se preocuparam mais tarde que o "bebê eclesial" estava sendo jogado fora junto com a água do banho. Scola, mais tarde, viria a publicar livros-entrevista com ambas as figuras.
Ratzinger foi um dos cofundadores da revista teológica Communio, e Scola atuava como editor italiano. Durante os anos 1980, Scola se tornou um consultor-chave de Ratzinger na Congregação vaticana para a Doutrina da Fé, enquanto, ao mesmo tempo, lecionava no Instituto João Paulo II para o Matrimônio e a Família, na Universidade Lateranense, de Roma. Nesse tempo, Scola se estabeleceu como um estudioso reconhecido internacionalmente em antropologia moral.
Outra conexão entre Scola e Bento vem por meio do movimento Comunhão e Libertação, fundado pelo falecido monsenhor italiano Luigi Giussani. Durante décadas, o Comunhão e Libertação foi visto como um rival conservador ao sistema liberal dominante na Igreja italiana. Scola estava entre os primeiros discípulos de Giussani, e há boatos que sugerem há muito tempo que Scola deixou o seminário de Milão para ser ordenado na pequena diocese de Teramo, em 1970, por causa da controvérsia em torno do movimento.
O lendário Mons. Lorenzo Albacete, a face pública do Comunhão e Libertação nos Estados Unidos, conheceu o movimento por meio de Scola em 1993. Ele disse que Scola o impressionou por ser uma extraordinária combinação de ortodoxia doutrinal e de gosto pela vida.
"Eu havia me encontrado com muitos padres que eram animados, livres, espontâneos, compreensivos, que queriam partilhar a vida das pessoas em todos os seus aspectos, mas que tinham problemas com os ensinamentos da Igreja", disse Albacete em uma entrevista de 2005. "Por outro lado, eu me encontrei com padres que aceitavam os ensinamentos da Igreja, mas de uma forma subserviente. Eles eram rígidos, enfadonhos e medrosos".
Em Scola, no entanto, Albacete disse ter encontrado o que estava procurando.
"Ele não estava se rebelando contra a Igreja", disse Albacete. "No entanto, ele era o padre mais livre e mais espontâneo que eu já havia conhecido".
De sua parte, Bento XVI sempre teve uma afeição especial pelo Comunhão e Libertação. Ele via a profunda fé cristológica de Giussani como um antídoto a uma tendência na década de 1960 e 1970 de transformar o cristianismo em uma força política inspirada pela ideologia marxista. Os sinais de estima papal são quase onipresentes, incluindo o fato de que as mulheres consagradas que administram a casa papal de Bento XVI são retiradas do Memores Domini, um grupo afiliado ao Comunhão e Libertação.
Como resultado de sua história compartilhada, Scola sente há muito tempo uma lealdade especial por Bento XVI. Quando o pontífice estava sob fogo cruzado da mídia global em 2010, relacionado ao seu papel na crise dos abusos sexuais, Scola fez referência publicamente a esses ataques como uma "humilhação iníqua" (só para garantir que todos compreendessem, seu assessor de imprensa enviou uma tradução em inglês das observações do cardeal).
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Embora Bento e Scola respirem o mesmo ar intelectual e teológico, eles são personalidades diferentes, no entanto.
De um lado, Bento cresceu em um ambiente católico razoavelmente homogêneo na Baviera pré-guerra, enquanto o meio do qual Scola cresceu era mais diversificado. Seu pai era motorista de caminhão e socialista, que encorajou o filho a ler o L`Unità , um jornal italiano de esquerda e secular que muitas vezes é considerado bastante anticlerical (até hoje, Scola credita o L`Unità por tê-lo apresentado à vida afetiva).
Quando jovem, Scola estudou com Emanuele Severino, o filósofo contemporâneo mais importante da Itália, na Universidade Católica do Sagrado Coração, em Milão (na guilda filosófica, Severino é considerado um "neoparmenidiano", o que eu nem vou tentar definir). Ao longo dos anos, Severino repetidamente entrou em confronto com as autoridades da Igreja, e, em 1970, a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano declarou seu pensamento como "incompatível com o cristianismo", por causa de sua crença na "eternidade de todo o ser" – o que, dentre outras consequências, torna obsoleta a ideia de um Deus Criador.
Apesar de tudo isso, Severino recentemente lembrou Scola como um estudante brilhante, que ganhava as notas máximas que ele podia receber, e descreveu calorosamente vários encontros com o cardeal ao longo dos anos.
"Ele é um homem que também é capaz de entusiasmar, e digo isso com convicção: além de ser um intelectual de alto calibre, tem traços de simplicidade e de naturalidade que não são fáceis de encontrar nos homens da Igreja", disse Severino.
(A propósito, Severino rebateu as indicações de que os laços de Scola com o Comunhão e Libertação serão um problema em Milão: "Francamente, eu não o vejo fechado no papel de animador de um movimento, com todo o respeito por esse movimento: a sua estatura intelectual é superior e vai além", disse.)
Até hoje, os interesses de Scola são extremamente vastos. Por exemplo, ele diz que, de longe, seu livro favorito é o romance modernista O homem sem qualidades, escrito no início do século XX pelo austríaco Robert Musil. Situado entre o declínio do Império Austro-húngaro, o livro é comparado geralmente com as obras de Franz Kafka e de Thomas Mann – em outras palavras, um exemplo certamente não piedoso como de costume.
Em termos de temperamento, Scola é mais do estilo "bom companheiro" do que Bento XVI. Entre outras coisas, ele tem uma afiada esperteza midiática. A principal assessora de mídia de Scola, uma leiga chamada Maria Laura Conte, é bem conhecida entre as equipes de imprensa do Vaticano pelo seu estilo alegre e proativo, muitas vezes se oferecendo para disponibilizar seu chefe – um forte contraste com a cautela com que muitos prelados e seus subordinados veem a imprensa.
Entre os limites políticos e teológicos, Scola tem uma reputação de ser não clerical, despretensioso e em nada indiferente. Em Veneza, por exemplo, ele deixou reservadas as manhãs de quarta-feira para atender quem o queria ver, quer eles tivessem ou não marcado o encontro.
Ao longo dos anos, as prioridades de Scola como um líder também tendem a ser bastante ad extra, ou seja, comprometidos com o mundo fora da Igreja. Uma de suas causas tem sido a sua Fundação Oasis, lançada em 2004 para promover a solidariedade entre os cristãos no Oriente Médio e o diálogo com o mundo islâmico.
Na verdade, Scola não recebe apenas revisões universalmente positivas. Um proeminente movimento liberal católico da Itália, o Noi Siamo Chiesa emitiu uma declaração sobre a sua transferência para Milão expressando "amargura e desilusão entre aqueles que acreditam na reforma da Igreja".
"Essa nomeação é o produto de uma imposição de cima, que deixa perplexa grande parte da diocese", disse o comunicado. "Vemos o retorno, como bispo, de quem, a seu tempo, não foi aceito como padre".
(Dada a rivalidade histórica entre o Comunhão e Libertação e as correntes progressistas de Milão sob Martini, a nomeação de Scola é um fato especialmente amargo para muitos liberais milaneses.)
A nomeação Scola, afirma a declaração, "confirma o escasso espírito de comunhão eclesial de quem guia a Igreja, que quer impor uma orientação única a qualquer custo e em todos os lugares. É a linha de quem quer congelar o Concílio".
Ame-o ou odeie-o, no entanto, Scola está agora firmemente instalado como o Príncipe Herdeiro do catolicismo. Independentemente do que possa acontecer em um futuro conclave, será fascinante ver como ele escolherá gastar esse capital político no aqui-e-agora.
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Conheça o novo príncipe herdeiro do catolicismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU