30 Abril 2011
"Volta e meia os boatos que falam de uma descoberta do bóson de Higgs correm o mundo, mas tudo indica que ele ainda nos escapa", escreve Marcelo Gleiser, professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita", em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 01-05-2011.
Eis o artigo.
Os físicos de partículas estão mais uma vez em alvoroço. Duas semanas após ter escrito aqui sobre a possibilidade de uma nova força da natureza ter sido encontrada no Fermilab, rumores de que a famosa partícula chamada Higgs foi achada no LHC (Grande Colisor de Hádrons, gigantesco acelerador de partículas localizado nos arredores de Genebra,na Suíça) vêm circulando pela mídia.
Um relatório interno escrito anonimamente por alguém da equipe do detector Atlas, do LHC, menciona um sinal estranho nos dados, relativo a uma massa 115 vezes maior que a de um próton.
A atenção dada ao relatório é exagerada. Um porta-voz do Cern, o laboratório onde fica o LHC, disse a uma agência de notícias que "provavelmente não é nada".
Primeiro, queria contar a história por trás do desafortunado nome "partícula de Deus". Como alguns leitores devem saber, "A Partícula de Deus"é o nome de um livro de divulgação científica escrito pelo físico vencedor do Nobel Leon Lederman, que foi diretor do laboratório americano Fermilab durante anos e meu chefe quando eu fazia meu pós-doutorado por lá.
De acordo com Leon, ele queria chamar o livro de "Partícula Maldita"(do inglês "Goddamn Particle"), pois ninguém conseguia achá-la. Mas seu editor sugeriu que "Partícula de Deus" venderia muito mais. Por razões óbvias,o nome vingou.
É claro que a partícula não tem nada de divino.O bóson de Higgs, como é propriamente chamado, é uma partícula hipotética cuja função é dar massa às outras partículas do Modelo Padrão, que reúne tudo o que sabemos sobre a matéria.
Talvez essa função dê ao Higgs certa influência.Mas não lhe confere divindade. Peter Higgs é o físico escocês que, nos anos 1960, desenvolveu várias ideias ligadas ao mecanismo em que uma partícula confere massa a todas as outras.
O bóson de Higgs é a peça que falta no Modelo Padrão. Daí o enorme interesse em achá-lo. Se você procurar no Google por "Higgs found" (Higgs encontrado), verá que volta e meia esses boatos ocorrem. Mas, antes que você acuse os físicos de partículas de serem pouco sérios, é importante entender como funciona essa comunidade.
A World Wide Web (o célèbre "www" da internet) foi inventada no Cern exatamente para facilitar a comunicação rápida entre os físicos.
Experimentos em aceleradores de partículas envolvem milhares de cientistas e engenheiros. Portanto, quando um sinal (esperado ou surpreendente) surge, o entusiasmo cresce rápido: é inevitável evitar que a informação, mesmo prematura, acabe vazando.
Seria um alívio encontrar finalmente o Higgs. Desde que comecei minha carreira, venho editando sua massa nas equações que descrevem a infância do universo. Graças aos esforços dos cientistas do Fermilab e do Cern (que incluem muitos brasileiros), temos uma boa ideia de qual deve será sua massa do Higgs.
Basta encontrá-lo. Ou não. O Modelo Padrão pode estar nos contando apenas parte da história ou, quem sabe, o Higgs pode não existir. Afinal, a natureza pouco liga para as nossas ideias, mesmo quando as achamos belas demais para estarem erradas. Os dados é que vão decidir isso.
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A escorregadia "partícula de Deus’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU