15 Março 2022
Edith Bruck, escritora e poetisa, foi deportada para Auschwitz depois para Dachau e finalmente para Bergen-Belsen, onde depois foi libertada. A sobrevivente do holocausto é enfática: "detesto todo tipo de guerra, onde quer que seja. Há 60 anos falo nas escolas, falo para explicar que tudo está errado, que não há guerras justas. O céu - para não dizer Deus - nos deu a palavra, portanto podemos falar, nos reconciliar, mas o mundo está cheio de ódio...".
A entrevista é de Paolo Di Stefano, publicada por Corriere della Sera, 14-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Edith Bruck, quais são seus sentimentos diante desta guerra?
A mim coube todo tipo de sorte. Meu pai viveu a Grande Guerra, eu vivi a Segunda quando criança. Desde que estou no mundo, não tenho visto nada além de guerras. Não só a Ucrânia, também as outras, que estão longe, mas sempre nos dizem respeito de perto, porque tudo o que acontece no mundo nos diz respeito.
De novo esses tanques, esses mortos e esse absurdo. Detesto todo tipo de guerra, onde quer que seja. Há 60 anos falo nas escolas, falo para explicar que tudo está errado, que não há guerras justas. O céu - para não dizer Deus - nos deu a palavra, portanto podemos falar, nos reconciliar, mas o mundo está cheio de ódio...
A Europa mostra solidariedade com o povo ucraniano.
É verdade que a guerra despertou a sensibilidade, e todos estão com razão ao lado da Ucrânia, nunca houve uma solidariedade assim, é muito lindo, mas com outros povos não aconteceu, ninguém levantou um dedo, há tempo o racismo avança na Europa, uma hostilidade em relação a outros refugiados. Esperamos que agora tenhamos aprendido alguma coisa.
Vê analogias com o que você viveu?
Não quero ouvir a palavra Holocausto, não tem nada a ver com isso. Nós tivemos o pior, os judeus foram perseguidos por serem judeus, e é algo que não se parece com nada mais, como dizia o meu amigo Primo Levi. Milhões de mortos, vi crianças congeladas no chão às centenas... O que há em comum é que ninguém quer morrer, cada um se agarra a um fio de relva para não morrer.
Como você reagiu à ideia de Putin da necessidade urgente de "desnazificar" a Ucrânia?
É outra loucura. Pode haver fascistas ou pró-nazistas na Ucrânia, como infelizmente em todos os lugares, inclusive na Itália ou na França, mas são uma minoria. É como se alguém dissesse que para eliminar Forza Nuova, a Itália deve ser bombardeada: uma loucura que nasce de uma mentira total.
Como você explicaria tudo isso para os garotos?
Não se deve mentir dizendo que tudo acaba amanhã, mas tentar explicar que na escuridão sempre há um vislumbre de luz. Talvez não se consiga consolar uma garotinha hoje, mas eu fui deportada aos 13 anos, mas sempre via um gesto de compreensão, alguém me perguntando qual era meu nome, alguém que me dava de presente uma luva ou um pouco de geleia. Quando veio aqui na minha casa, o Papa Francisco listou para mim todas as luzes que estão no meu livro...
Existem valores que valem mais do que outros nestas circunstâncias?
Coisas simples. Humanidade, vida, pão. Os jovens têm dificuldades para entender que o mais precioso é a vida: temos vida e pão, estamos vivendo. Mas eles também devem entender de que lado ficar, entender que guerras justas não existem, que somos dotados de palavras, e então vamos falar, falar.
Em vez disso, o ódio entre as partes parece estar crescendo.
Não sei o que é o ódio, a vingança chama nova vingança, a revanche nova revanche, o ódio novo ódio, e não acaba mais... Este é o veneno do mundo. Nós apenas temos que ajudar a paz, não há mais nada. Isso é o que os garotos têm que fazer, sair, se fazer ouvir, gritar que as guerras são um fracasso humano.
A história não ensina nada, como dizia Montale?
Quanto mais o homem mata, mais morre por dentro em humanidade, os massacres alimentam os massacres. Quanto mais se mata, mais se continua matando e mais se comete suicídio. Você sabe o que acontecia em 27 de janeiro de 1945?
O que acontecia?
No dia em que Auschwitz foi libertada, os crematórios começaram a funcionar mais do que antes, e de Bergen Belsen nos obrigaram a percorrer mais de mil quilômetros a pé em direção à Saxônia. Continuavam a matar, matar, matar, por um impulso maléfico, mesmo que já tivessem perdido. O mesmo acontece agora: não acredito que Putin vai vencer a guerra, os dois vão perder, mas seus soldados russos são garotos desmotivados, não sabem o que fazer, estão famintos, ficam atolados, mas ele continua em frente, continua em frente, não para, insiste, insiste, mesmo que para mim já tenha perdido.
Alguns falam de loucura...
Há uma esquizofrenia, são homens que se julgam onipotentes e estão doentes de morte. Putin provoca e ameaça, mas organizou muito mal a sua guerra, pensou que bastava uma blitz para que os ucranianos levantassem os braços. Hitler havia se organizado muito bem, com cientistas, médicos, engenheiros, arquitetos.
Você acredita em mediações?
Não se pode falar de paz enquanto se bombardeia, não é negociação, é loucura. Quem grita mais está com a razão, e por trás do grito há uma mentira. É a verdade?
Que solução você vê?
Sei que Olga, que é ucraniana e vive comigo há anos, nunca vai concordar, mas é preciso ceder em algo, deixar que tome as duas repúblicas autoproclamadas, desde que termine o massacre. É preciso deixar que acredite que venceu, porque senão ele não vai desistir. Em todo o caso, todos fingem... portanto, vamos fingir... Não há mais nada.
Olga tem o marido, a filha e dois netos de 8 e 6 anos em Lviv. O que conta a você?
Ela chora, chora, inconsolável, desesperada. Fica tremendo de manhã à noite. Todos em seu país sofrem, as mulheres cozinham para os refugiados, recolhem as garrafas para preparar os coquetéis molotov, mas eu estou pensando nas duas crianças: elas não esquecerão o trauma que estão vivendo.
O que seu marido, o poeta Nelo Risi, diria se ainda estivesse vivo?
Nelo era um santo agnóstico. Uma vez encontrou um camundongo no banheiro e ficou meia hora lá dentro para convencê-lo: saia, você não entende?, você tem que ir para lá... Discussão surreal com o camundongo para libertá-lo. Com as moscas, o mesmo.
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“Deportada aos 13 anos. Falo para os jovens que na escuridão há sempre uma luz”. Entrevista com Edith Bruck - Instituto Humanitas Unisinos - IHU