22 Março 2022
As solicitações dolorosas da atualidade, postas lado a lado com uma página de Simone Weil e com a Quaresma que se abre, permite sentir mais uma vez a necessidade de atravessar como cristãos o tempo que vivemos.
O comentário é de Sergio Di Benedetto, professor de Literatura Italiana na Universidade da Suíça Italiana, em Lugano, em artigo publicado por Vino Nuovo, 03-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Vivemos um tempo de grandes fadigas, sofrimentos, desorientações: conflitos, tensões, violências, pobrezas em escala mundial. Mas também agressividade generalizada, individualismos, narcisismos e egoísmos marcados em escala pessoal. Mas estes, para quem tem um pouco de conhecimento dos arcos da história, sempre foram, infelizmente, fenômenos presentes no tempo do ser humano.
Talvez tenhamos acalentado a ilusão de que certos fenômenos (guerras, pandemias) não dissessem mais respeito à porção de mundo que habitamos. Porém, bastava ter um olhar um pouco mais amplo sobre o próprio “jardim” para se dar conta de que, nas diversas regiões do mundo, as pessoas continuavam combatendo, morrendo de doenças generalizadas, de pobrezas crescentes. Bastava entender que estar no mundo significa também ser responsável, de algum modo, por habitarmos o caminho da humanidade.
O tempo que vivemos é também um tempo de mudanças: tecnológicas, científicas, demográficas, comunicativas. Mudam os paradigmas de fundo da vida, é difícil manter uma rota. A rede tornou-se parte imprescindível do nosso cotidiano, sobrecarregando o passar dos dias com recursos, perigos e obstáculos. A verdade e a falsidade muitas vezes parecem ter o mesmo peso e a mesma consideração.
O nosso tempo é também de mudanças antropológicas, mas ainda mais de mudanças espirituais e eclesiais. E aproximamo-nos dessas mudanças com medos e temores, com esperanças e ideias. Mas também entre tensões, que dividem aqueles que querem conservar um mundo que se foi, assombrados por medos que talvez nem sequer conseguem admitir para si mesmos, e aqueles que empurram com pressa, às vezes com boas intuições que, no entanto, não captam o dado da realidade da vivência das pessoas.
Nesse afresco, entre luzes e sombras ˗ entre a fé no Espírito que, mesmo assim, guia misteriosamente a história para além do pecado do ser humano e do mal que não desiste ˗ sinto como particularmente cara uma página de Simone Weil, extraída de uma carta escrita em no dia 26 de maio de 1942 ao Pe. Perrin (carta depois recolhida, com outros textos, naquela joia única que é “Espera de Deus” [Ed. Vozes]).
Assim escrevia Simone:
“Hoje ser santo não basta. É preciso a santidade que o momento presente exige, uma santidade nova, também ela sem precedentes. […] Um novo tipo de santidade é algo disruptivo, é uma invenção. Dadas as devidas proporções, mantendo tudo em seu próprio nível, é quase análoga a uma nova revelação do universo e do destino humano. Significa trazer à tona uma grande porção de verdade e de beleza até aqui dissimuladas por uma espessa camada de poeira. É preciso mais genialidade do que Arquimedes precisou para inventar a mecânica e a física. Uma nova santidade é uma invenção mais prodigiosa. Somente uma espécie de impiedade pode obrigar os amigos de Deus a renunciarem a obter a genialidade, já que, para recebê-lo em superabundância, basta que o peçam ao próprio Pai em nome de Cristo.”
É necessário um novo tipo de santidade para o nosso tempo, são necessários novos paradigmas de vida cristã intensa. Acima de tudo, é preciso “genialidade”, trazendo à tona aquilo que ainda está escondido pela poeira e pelo temor. Ousar caminhos novos, percorrer medidas altas de bem, com profecia e coragem, com risco e confiança: estas são – diz-nos Simone – as vocações contemporâneas, os rastros a seguir para abrir espaço às perguntas e escutar respostas para tecer o diálogo com Deus.
E assim continua a carta:
“O mundo precisa de santos dotados de genialidade como uma cidade empesteada precisa de médicos. Onde há necessidade, há obrigação.”
Devemos realmente pedir e usar a “genialidade”, para não sufocar, inertes e inúteis, insípidos e sem vida, à margem do caminho da história. Devemos pedir a “genialidade” para voltarmos a ser eloquentes e compreensíveis ao ser humano de hoje, mas também para poder entender e escutar, ler e agir. Devemos ampliar os limites do nosso olhar, aprender a sofrer e a se alegrar de novo com a humanidade do nosso mundo desgastado e ferido:
“Vivemos em uma época que não tem precedentes e, na situação atual, a universalidade, que antigamente podia ser implícita, deve ser plenamente explícita. Deve impregnar a linguagem e todo o modo de ser.”
A universalidade, escrevia Simone Weil um pouco antes, deve ser entendida como “um amor que preenche em igual medida o universo inteiro”. É uma forma elevada, absoluta, “em pura perda”, diria Charles de Foucauld, que pode impregnar a linguagem e o modo de ser, ou seja, toda a nossa existência.
Preencher o universo, a partir de onde se está, cultivando – apesar de tudo, para todos, dentro dos limites que temos – olhares em pura perda. Na Quaresma que se inicia, que sirva de augúrio e viático o sentimento da exigência de caminhos novos de vivência cristã, no tempo e no lugar que nos são dados.
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Novas santidades para tempos novos. Artigo de Sergio Di Benedetto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU