04 Janeiro 2022
"Recentemente o papa Francisco escreveu ao New Ways Ministry e se referiu à ir. Gramick: 'eu sei o quanto ela sofreu'. E acrescentou: 'Ela é uma mulher valente que tomou sua decisão em oração'", escreve Luís Corrêa Lima, sacerdote jesuíta, professor da PUC-Rio e autor do livro Teologia e os LGBT+: perspectiva histórica e desafios contemporâneos (Ed. Vozes), em artigo publicado por Dom Total, 24-12-2021.
Em 1971, uma religiosa norte-americana de uma congregação de educadoras fazia seu doutorado em matemática. Ela encontrou um jovem gay que lhe perguntou: “irmã, o que a Igreja Católica está fazendo por minhas irmãs lésbicas e meus irmãos gays”? Ela se deu conta de que a Igreja fazia muito pouco. Resolveu então pôr mãos à obra e se engajar neste apostolado.
Pouco depois, junto com o padre Robert Nugent, começaram um apostolado com os LGBTQ. Em 1977, eles fundaram o New Ways Ministry (Ministério dos Novos Caminhos), como um movimento católico de construir pontes, através da educação e da militância, a fim de promover justiça social e atendimento pastoral a pessoas LGBTQ, bem como sua reconciliação com outras pessoas.
Criaram cursos, retiros e publicações, fizeram palestras, disponibilizaram material e promoveram ações de defesa, mostrando uma outra face da Igreja nos EUA. Formaram líderes religiosos, teólogos, agentes pastorais, pessoas LGBTQ e fiéis em um imperativo de inspiração católica de tratar os LGBTQ com igualdade e justiça.
Este apostolado enfrentou por muito tempo uma forte resistência da alta hierarquia da Igreja, especialmente por divergências a respeito da inclinação e dos atos homossexuais. Ao final dos anos 1990, ir. Gramick e pe. Nugent foram proibidos permanentemente de exercer qualquer atividade pastoral com pessoas homossexuais. Ir. Gramick fez um discernimento, apoiado em sua vida espiritual, e decidiu não obedecer e prosseguir. Ela se baseou no próprio ensino da Igreja Católica, expresso no Concílio Vaticano II, de que a consciência é o sacrário em que Deus se manifesta ao fiel. A pessoa tem o direito de agir segundo a norma reta da sua consciência, e o dever de não agir contra ela. Pela fidelidade à voz da consciência, os cristãos estão unidos aos outros seres humanos no dever de buscar a verdade, e de nela resolver os problemas morais que surgem na vida individual e social. E se baseou também no ensino sobre a hierarquia de verdades na doutrina, de que há uma ordem de importância nos conteúdos doutrinais, em que uns são mais importantes do que outros. Divergir sobre algo menos importante é diferente de divergir sobre algo mais importante.
Como consequência de sua decisão, ir. Gramick teve que deixar sua congregação religiosa. Mas outra congregação a acolheu, as Irmãs de Loreto. Desta forma ela permaneceu na Igreja Católica, na vida religiosa e no trabalho com os LGBTQ. Em 2005 foi lançado em festivais de cinema um documentário sobre sua vida, Em Boa Consciência (In Good Conscience). Perguntaram-lhe por que ela não deixa a Igreja Católica, uma vez que tem sofrido tanta oposição. Ela respondeu que a Igreja é a sua família religiosa, onde ela nasceu e cresceu, e que esta faz parte dos seus ossos. Se você discorda de sua família, deve dizê-lo e procurar tornar sua família melhor, e não abandoná-la.
Pe. Nugent faleceu em 2014. Ir. Gramick continuou seu trabalho e regularmente fazia peregrinações a Roma com um grupo de gays e lésbicas. Em 2015, na Quarta-feira de Cinzas, eles estavam na Praça de São Pedro para a audiência pública do papa Francisco. Eram 49 pessoas. Como um gesto de apreço, o papa mandou convidar o grupo a subir na plataforma onde ele estava, junto à porta da Basílica, para lá se sentar durante a audiência. Ir. Gramick explica que isto foi muito significativo porque isso não havia acontecido durante os dois pontificados anteriores, quando ela trouxe outros peregrinos lésbicas e gays para a audiência papal. Para eles, isto significou a acolhida pela Igreja institucional de um grupo marginalizado, aproximando o grupo dos representantes da Igreja. Para os que se sentiam excluídos, esse tratamento excepcional foi como um abraço caloroso (aqui).
Recentemente o papa Francisco escreveu ao New Ways Ministry e se referiu à ir. Gramick: “eu sei o quanto ela sofreu”. E acrescentou: “Ela é uma mulher valente que tomou sua decisão em oração”(aqui). Este é um belíssimo reconhecimento de quem dedicou 50 anos ininterruptos ao apostolado com os LGBTQ. Em 2005 eu vi o documentário Em Boa Consciência. A figura desta irmã me marcou profundamente, como um anjo do Senhor portador de uma mensagem. Sou imensamente grato a Deus por sua vida e vocação, e a ela pelo seu sim corajoso, perseverante e resiliente.
Parabéns pelo seu jubileu apostólico, ir. Jeannine Gramick! Que Deus lhe abençoe ricamente!
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50 Anos com os LGBTQ: irmã Jeannine Gramick - Instituto Humanitas Unisinos - IHU