Ideia de que é preciso superar o conceito de “progresso” – eurocêntrico e linear – difunde-se pelo mundo. Dicionário recém-lançando no Brasil compila visões e práticas que podem conduzir a uma mudança de paradigmas indispensável
O livro é organizado por Ashish Kothari, Ariel Salleh, Arturo Escobar, Federico Demaria e Alberto Acosta e os textos publicados por OutrasPalavras, 16-11-2021.
*Os textos a seguir são o Prefácio e cinco dos cem verbetes do Pluiriverso — Dicionário do pós-desenvolvimento, publicado pela Elefante, parceira editorial de Outras Palavras.
Pluriverso: um dicionário do pós-desenvolvimento convida os leitores a mergulhar em uma profunda experiência de descolonização intelectual, emocional, ética e espiritual. Nossa convicção comum é de que a ideia de “desenvolvimento como progresso” precisa ser desconstruída para abrir caminho às alternativas culturais que nutrem e respeitam a vida na Terra. Esse modelo de desenvolvimento ocidental que domina o planeta é um construto homogeneizante, comumente adotado pelos povos ao redor do mundo sob intensa coerção material. O contratermo “pós-desenvolvimento” comporta uma miríade de críticas sistêmicas e maneiras de viver para além desse paradigma. Assim, este dicionário se destina a repolitizar o debate atual a respeito da transformação socioecológica, enfatizando sua multidimensionalidade. Pode ser útil para o ensino e a pesquisa, para inspirar ativistas de movimentos sociais e como introdução aos curiosos — até mesmo àqueles que estão no poder, mas já não se sentem tão confortáveis com seu mundo.
O livro não é, de modo algum, o primeiro a abordar o tema do pós-desenvolvimento. O Dicionário do desenvolvimento organizado por Wolfgang Sachs, publicado há mais de trinta anos, fez escola. Outros títulos importantes são: La invención del Tercer Mundo: construcción y deconstruccióndel desarrollo [“A invenção do Terceiro Mundo: construção e desconstrução do desenvolvimento”], de Arturo Escobar; Le développement: histoire d’une croyance occidentale [“O desenvolvimento: história de uma crença ocidental”], de Gilbert Rist; e The Post-Development Reader [“Antologia do pós-desenvolvimento”], organizado por Majid Rahnema e Victoria Bawtree. As contribuições feministas incluem Staying Alive: Women,Ecology and Development [“Manter-se viva: mulheres, ecologia e desenvolvimento”], de Vandana Shiva, e The SubsistencePerspective: Beyond the Globalised Economy [“A perspectiva da subsistência: além da economia globalizada”], escrito por Veronika Bennholdt-Thomsen e Maria Mies. Além desses, os trabalhos de acadêmicos ativistas como Ashis Nandy, Manfred Max-Neef, Serge Latouche, Gustavo Esteva, Rajni Kothari e Joan Martínez-Alier contribuíram enormemente para desenhar os contornos do futuro pós-desenvolvimentista.
Reprodução da capa do livro Pluiriverso — Dicionário do pós-desenvolvimento (Editora Elefante | R$ 79)
O que faltava, até agora, era uma compilação transcultural de conceitos concretos, visões de mundo e práticas que surgem ao redor do planeta, capaz de desafiar a ontologia moderna do universalismo em prol da multiplicidade de universos possíveis. Esse é o significado de reivindicar um pluriverso. A ideia de criar uma coletânea como esta começou a ser discutida por três de nós — Alberto Acosta, Federico Demaria e Ashish Kothari — em Leipzig, Alemanha, por ocasião da IV Conferência Internacional sobre Decrescimento, em 2014. Um ano depois, Ariel Salleh e Arturo Escobar se juntaram ao projeto e começamos a planejá-lo seriamente, até chegarmos à atual centena de verbetes. Temos consciência das lacunas temáticas e geográficas, mas oferecemos este livro como um convite para explorar o que vemos como “modos relacionais de existência”. Isso significa reconstruir a política como meio de senti-la profundamente. Foi dessa maneira que, durante a edição — como em qualquer ato que exige cuidado —, deparamos com os limites da nossa própria reflexividade cultural, incluindo as vulnerabilidades, e, portanto, descobrimos novas formas de compreensão e aceitação. “O pessoal é político”, como dizem as feministas.
O livro dialoga com uma confluência global de visões econômicas, sociopolíticas, culturais e ecológicas. Cada ensaio é escrito por alguém seriamente engajado na visão de mundo ou prática abordada — de resistentes indígenas a rebeldes de classe média. Agradecemos a paixão e o comprometimento desses autores, muitos dos quais aceitaram imediatamente o convite para contribuir. Eles tiveram um prazo de entrega curtíssimo e foram pacientes com nossos comentários editoriais — o vaivém inevitável das tentativas de alcançar o máximo de acessibilidade e consistência.
Nosso dicionário se diferencia de outras publicações do gênero por ser dividido em três partes, e cada uma delas representa a transição histórica sobre a qual os acadêmicos e ativistas do século XXI se debruçam:
(i) O desenvolvimento e suas crises: experiências globais. O conceito de “desenvolvimento”, já ultrapassado há algumas décadas, precisa ser reavaliado como uma questão de urgência política. Nesta primeira seção, reconhecidos ativistas acadêmicos dos cinco continentes refletem sobre essa ideia e sua relação com as múltiplas crises da modernidade.
(ii) Universalizando a Terra: soluções reformistas. Aqui apresentamos um leque de inovações desenvolvidas sobretudo no Norte global e frequentemente promovidas como “soluções progressistas para a crise”. Uma revisão crítica de sua retórica e prática expõe as incoerências internas e sugere que tais ideias tendem a se tornar distrações lucrativas e ecologicamente perdulárias.
(iii) Um pluriverso popular: iniciativas transformadoras. Esta seção principal do livro é um compêndio de práticas e visões de mundo, antigas e atuais, locais e globais, que emergem das comunidades indígenas, camponesas e pastoris e de vizinhanças urbanas, além de movimentos feministas, ambientalistas e espirituais. Por múltiplos caminhos, todos chegam à justiça e à sustentabilidade.
As visões e práticas contidas neste dicionário não propõem a aplicação de um conjunto específico de políticas, instrumentos e parâmetros para escapar do “mau desenvolvimento”. Em vez disso, sugerem o reconhecimento de pessoas que têm outras perspectivas sobre o bem-estar planetário e de suas habilidades para protegê-lo. Elas procuram fundamentar as atividades humanas de acordo com os ritmos e os limites da natureza, respeitando a materialidade interligada de todas aquelas vidas.
Esse conhecimento indispensável precisa ser mantido em segurança entre os bens comuns, e não privatizado ou mercantilizado. O ponto de vista e as práticas oferecidas aqui colocam o Bem Viver acima da acumulação material. Como regra, reverenciam a cooperação em vez da competição e enxergam o trabalho como um meio de vida prazeroso, e não como um “meio de morte” do qual precisamos fugir nos fins de semana e nas viagens de ecoturismo. Da mesma forma, em nome do “desenvolvimento”, a criatividade humana é frequentemente destruída por sistemas educacionais tediosos e homogeneizantes.
Os verbetes deste livro são avaliados de acordo com critérios como: os meios de produção econômica e reprodução social são controlados de forma justa?, os humanos estão construindo relações de apoio mútuo com os não humanos?, todas as pessoas têm acesso a modos de vida significativos?, há justiça na distribuição intergeracional de benefícios e malefícios?, as discriminações de gênero, classe, etnia, raça, casta e sexualidade, tradicionais ou modernas, estão sendo eliminadas?, a paz e a não violência estão difundidas por toda a vida comunitária? Essas perguntas guiam a proposta deste dicionário: ajudar na busca coletiva por um mundo ecologicamente sábio e socialmente justo.
Concebemos o livro como uma contribuição à jornada sobre a Tapeçaria Global de Alternativas, que fortalece a esperança e a inspiração pelo aprendizado mútuo, cria estratégias de defesa e ação e constrói iniciativas colaborativas. Ao fazê-lo, não subestimamos os desafios epistemológicos, políticos e emocionais de reconstruir nossas próprias histórias. Como escreveu Mustapha Khayati, em Captive Words [Palavras cativas] (1966):
[…] toda crítica ao velho mundo foi feita na língua daquele mundo, ainda que diretamente contra ela […]. A teoria revolucionária tem sido obrigada a inventar seus próprios termos, a destruir o sentido dominante de outros termos e estabelecer novos significados […] correspondentes à nova realidade embrionária que precisa ser libertada […]. Toda práxis revolucionária sentiu a necessidade urgente de um novo campo semântico e da expressão de uma nova verdade […] porque a linguagem é a morada do poder.
Estamos ao seu lado na luta!
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Alguns verbetes:
Palavras-chave: crises globais, lógica patriarcal capitalista, violência econômica, pobreza, oikos
Precisamos ir além do discurso do “desenvolvimento” e do produto interno bruto (PIB), moldados pelo pensamento patriarcal capitalista, e reivindicar nossa verdadeira humanidade como membros da Família da Terra. Como Ronnie Lessem e Alexander Schieffer escreveram:
Se os pais da teoria capitalista tivessem escolhido uma mãe em vez de um homem burguês solteiro como a menor unidade econômica para suas construções teóricas, não teriam sido capazes de formular o axioma da natureza egoísta dos seres humanos da maneira como fizeram. (Lessem & Schieffer, 2010, p. 124)
Economias patriarcais capitalistas são moldadas por meio da guerra e da violência — guerras contra a natureza e diversas culturas, e violência contra as mulheres. E enquanto o objetivo é possuir e controlar a riqueza real que a natureza e as pessoas produzem, há uma crescente substituição de processos materiais por ficções econômicas, tais como a “lógica” dos mercados competitivos.
A separação é a característica-chave dos paradigmas emergentes da convergência dos valores patriarcais e do capitalismo.
Inicialmente, separa-se a natureza dos humanos; então, os humanos são separados de acordo com gênero, religião, casta e classe. Essa divisão do que está inter-relacionado e interconectado é a raiz da violência — primeiro na mente, depois nas ações cotidianas. Não é por acaso que as desigualdades sociais do passado tomaram uma forma nova e brutal com o surgimento da globalização corporativa. De acordo com as tendências atuais, 1% da população mundial logo controlará a riqueza correspondente à soma dos 99% restantes.
Nos dias de hoje, as corporações reivindicam uma personalidade jurídica sobre os direitos das pessoas. Mas o distanciamento entre as construções fictícias e as verdadeiras fontes de criação de riqueza foi ainda mais longe: as finanças agora são substituídas por capital, com ferramentas e tecnologias que permitem que os ricos acumulem riqueza como “rentistas”, sem precisarem fazer nada. Ganhar dinheiro na economia financeira se baseia em especulação. E a desregulamentação financeira permite que os ricos especulem usando o salário suado de outras pessoas. A ideia de “crescimento” surgiu como a medida do sucesso entre indivíduos e governos. Ela fala de um paradigma projetado pelo Big Money patriarcal capitalista apenas para que esse mesmo Big Money cresça cada vez mais.
O que o paradigma do crescimento econômico não leva em consideração é a destruição da vida na natureza e na sociedade. Tanto a ecologia como a economia derivam da palavra grega oikos, que significa “casa”, e ambas as palavras pressupõem uma forma de gestão doméstica. Quando a economia trabalha contra a ciência da ecologia, o resultado é a má administração da Terra, nosso lar. As crises climática, hídrica, alimentar ou da biodiversidade são diferentes sintomas da má gestão da Terra e de seus recursos. As pessoas administram mal a Terra e destroem seus processos ecológicos ao não reconhecerem a natureza como “capital real” e “fonte” de todo o resto que dela deriva. Sem a natureza e seus processos ecológicos para sustentar a vida na Terra, as maiores economias entram em colapso e as civilizações desaparecem.
No modelo de desenvolvimento neoliberal contemporâneo, os pobres são pobres porque o 1% se apropriou de seus recursos de subsistência e riqueza. Vemos isso atualmente nos deslocamentos tanto das comunidades curdas de Rojava, no Oriente Médio, quanto dos povos rohingya, de Mianmar. Os camponeses estão ficando mais pobres porque o 1% promove uma agricultura industrial baseada na compra de sementes caras e insumos químicos, o que os acorrenta a dívidas e destrói seu solo, sua água, sua biodiversidade e sua liberdade. Meu livro Earth Democracy: Justice, Sustainability, and Peace [Democracia da Terra: justiça, sustentabilidade e paz] (2005) descreve como a Monsanto monopolizou o suprimento de sementes de algodão por meio de um marketing sobre a alta qualidade do algodão transgênico Bt. Muitas vezes forçados a contrair dívidas para a compra dessas caras sementes oriundas de organismos geneticamente modificados (OGM) e outras tecnologias da Revolução Verde, cerca de 300 mil agricultores indianos se suicidaram nas últimas duas décadas, e a maioria dos suicídios aconteceu no chamado Cinturão do Algodão. Para resistir a esses monopólios violentos, dei início a uma fazenda de pesquisa rural chamada Navdanya. Salvamos as variedades tradicionais de algodão orgânico dos agricultores para distribuí-las no movimento Seed Freedom [Liberdade das sementes].
Se os agricultores estão ficando mais pobres é porque o Cartel do Veneno — agora reduzido a três atores, Monsanto Bayer, DowDuPont e Syngenta ChemChina — os tornam gigantes da produção de insumos químicos, agrícolas, polímeros, entre outros. A junção das duas corporações entrou em vigor em 2017 e representava o maior conglomerado de produção de sementes e agrotóxicos do mundo. Em junho de 2019, entretanto, houve a dissolução da DowDuPont e as empresas voltaram a operar de maneira independente. O curto período de fusão gerou uma nova empresa, a Corteva Agriscience. Antes a divisão agrícola da DowDuPont, a Corteva é atualmente uma multinacional autônoma, líder mundial na produção de agrotóxicos e também de sementes geneticamente modificadas. [n.e.]
Dependentes da compra de sementes e produtos químicos caros. Corporações verticalmente integradas que ligam se- mentes, produtos químicos, comércio internacional e processamento de junk food estão roubando 99% do valor que os agricultores produzem. Eles estão ficando mais pobres porque o “livre-comércio” promove o dumping, a destruição dos meios de subsistência e a queda dos preços agrícolas. Além disso, os pequenos agricultores são de fato mais produtivos do que as grandes fazendas industriais corporativas, e não usam substâncias prejudiciais ao meio ambiente, como fertilizantes, pesticidas e sementes geneticamente modificadas. Em contras- te, o movimento camponês global Via Campesina aponta que as formas tradicionais de abastecimento alimentar não apenas permitem mais autonomia aos agricultores mas podem inclusive mitigar os efeitos do aquecimento global.
Não é preciso dizer que a “economia do crescimento” do 1% é totalmente antivida, e muitos desses efeitos são sentidos também por pessoas que trabalham no Norte global. A ONG filipina Ibon International afirma que, se a violência masculina era usa- da tradicionalmente para explorar as mulheres tanto como trabalhadoras produtivas quanto como órgãos reprodutivos, agora essa violência trabalha a serviço do lucro capitalista. Pessoas em todos os lugares estão ficando mais pobres porque os governos capturados pelo 1% impõem políticas de privatização lucrativas para saúde e educação, transporte e energia, reforçadas pelas determinações do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Trabalhadores, fazendeiros, donas de casa e a natureza em geral são transformados em “colônias” pelo paradigma econômico patriarcal capitalista dominante. O modelo capitalista de desenvolvimento pela globalização exprime uma convergência de duas formas de violência: o poder das antigas culturas patriarcais e o moderno regime neoliberal do dinheiro.
Palavras-chave: transumanismo, inteligência artificial (ia), progresso, singularidade, risco existencial
Os transumanistas acreditam que a natureza humana pode evoluir por meio de aplicações científicas que aumentem a expectativa de vida, as habilidades intelectuais e físicas e até mesmo o controle emocional (Bostrom, 2005). Ao substituir células e órgãos por seus equivalentes geneticamente aprimorados ou operados por máquinas, as pessoas seriam capazes de se mover de modo mais veloz e processar informações mais rapidamente. As ferramentas do transumanismo incluem tecnologias como engenharia genética, fertilização in vitro, clonagem, terapia germinal, inteligência artificial (ia), bem como a fusão completa de máquinas e seres humanos, conhecida como singularidade. O objetivo é eliminar o sofrimento e alcançar uma sabedoria divina que supere em muito as capacidades dos mais inteligentes seres humanos de hoje. O transumanismo é um movimento clandestino pequeno, mas poderoso. Seu principal defensor, Ray Kurzweil, trabalha no Google com aprendizado de máquinas e processamento de linguagem, e é amigo íntimo de Larry Page, CEO da Alphabet, conglomerado que controla o Google. Ele é o mais radical dos transumanistas, guiando seu programa e convidando outros a seguirem seu projeto de melhoramento humano. Kurzweil (2005, p. 9 [2018, p. 25-6]) afirma:
A Singularidade representará o ponto culminante da fusão entre nosso pensamento e nossa existência com nossa tecnologia, tendo como resultado um mundo que ainda é humano, mas que transcende nossas raízes biológicas. Não haverá diferença, pós-Singularidade, entre homem e máquina ou entre a realidade física e a virtual. Se alguém quiser saber o que vai permanecer como humano neste mundo, a resposta: nossa espécie é aquela que procura intrinsecamente estender seu alcance físico e mental além das limitações atuais.
Essa fusão entre humano e máquina em uma singularidade fomentará o que é chamado de era “pós-humana”, antecipando uma transcendência para o Ponto Ômega, previsto em 1965 pelo filósofo Teilhard de Chardin e definido como uma consciência coletiva que se assemelha a Deus. No Ponto Ômega, os seres humanos serão capazes de viver indefinidamente, conquistar o cosmos e criar uma consciência integrada com o universo. Acredita-se que essa transformação comece com o upload da mente humana para um computador. Além disso, os transumanistas creem que este mundo tem significado porque é místico e mágico, e ninguém pode calcular como será o universo depois que a singularidade for alcançada.
O transumanismo parte de uma crença implícita no progresso científico racional, isto é, o progresso pelo progresso. Tirosh-Samuelson sugeriu que o “transumanismo é uma fé secular, que por um lado seculariza os motivos religiosos tradicionais, e, por outro, confere à tecnologia um significado salvífico” (Wolyniak, 2015, p. 63). Há uma aspiração de transcender a condição humana, pois a atual biologia dos seres humanos é vista como fraca e falha em atender às necessidades do futuro. A pergunta altamente política de quem tem o direito de definir as necessidades futuras não é pontuada por esse movimento.
Por que alguns acadêmicos e cientistas defendem o transumanismo e por que tantas pessoas nas sociedades capitalistas tardias adotaram essa narrativa? Os humanistas tradicionalmente separam as categorias de humano e animal. Além disso, privilegiam “razão e autonomia individual” na tomada de decisões. Essa ideia de progresso pode ser vista por duas perspectivas. O sociólogo alemão Max Weber aponta para a afinidade cultural com o conhecimento científico e seus efeitos no desenvolvimento da sociedade e dos indivíduos. No entanto, a outra perspectiva é histórica e baseada na convicção de que os seres humanos sempre estiveram em um projeto de avanço tecnológico — isto é, está na natureza humana “aprimorar” a própria vida, de maneira semelhante ao ato de usar a primeira ferramenta (Toffoletti, 2007).
Ao transcender a biologia e assumir o controle dos processos naturais de evolução, os transumanistas esperam alcançar o objetivo final de se tornarem pós-humanos. A Humanity+, antiga World Transhumanist Association [Associação transumanista mundial], define o pós-humano como um futuro ser humano hipotético “cujas capacidades básicas excedem as dos seres humanos atuais de forma tão radical que esse novo ser não é mais inequivocamente humano, segundo nossos padrões vigentes” (Humanity+, 2016). No entanto, tal uso específico do substantivo “pós-humano” não deve ser confundido com a acepção filosófica e cultural do termo. Esses pós-humanistas afirmam que se posicionar como um “sujeito pós-humano” descentralizado permite desafiar as limitações do antropocentrismo humanista, da nomenclatura masculinista e das relações binárias como natureza/cultura e máquina/humano.
Os transumanistas acreditam que, até o ano de 2045, o poder intelectual combinado de todos os seres humanos será superado pelos computadores (Kurzweil, 2005, p. 70 [2018, p. 157]). No entanto, eles temem um mundo dominado por invenções superinteligentes de IA. Alguns até argumentam que a única maneira de mitigar esse risco é que os próprios humanos se tornem transumanos. Por exemplo, Kurzweil acha que devemos evitar o surgimento da IA superinteligente encorajando os humanos a se fundirem com as máquinas. No entanto, os riscos dos quais os transumanistas querem proteger o mundo são os mesmos riscos encorajados por suas soluções.
Estudiosos humanistas, cristãos e até mesmo Francis Fukuyama acreditam que o aprimoramento colocará questões morais se proporcionar a um indivíduo uma vantagem injusta sobre outro. Os teólogos rejeitam o transumanismo com base na lei natural: qualquer tentativa de alterar a condição humana é vista como uma afronta pecaminosa a Deus. O sociólogo Nick Bostrom introduziu o termo “risco existencial” no contexto de tecnologias perigosas como a ia. Ele acredita que a superinteligência é um dos vários riscos existenciais “nos quais um resultado adverso aniquilaria a vida inteligente originária da Terra ou limitaria permanente e drasticamente seu potencial” (Frankish & Ramsey, 2014, p. 329). De qualquer forma, esse mundo da pós-singularidade é tão remoto que é impossível calcular os riscos.
Palavras-chave: matriarcado, economia da dádiva, orientação à necessidade, maternagem, patriarcado capitalista
Uma economia da dádiva se apoia no princípio de que bens e serviços materiais e imateriais são dados ou recebidos sem uma obrigação imediata ou futura de retribuição. Essa seria a definição comum do termo. Historicamente, a maioria dos autores acadêmicos que pesquisam dádiva e economia da dádiva é composta de homens brancos e patriarcais (Göttner-Abendroth, 2007) que ignoraram as mulheres como provedoras de dons, negaram a maternidade, negaram a natureza como um princípio fundamental no âmbito da “dádiva” e segmentaram a dádiva para criar a ideia de um contrato de vinculação controlável e previsível. Muitos desses autores, como Marcel Mauss, Michel Serres ou Georges Bataille, interpretam a dádiva inclusive como um ato violento e não distinguem entre a lógica da dádiva e a da troca patriarcal. Além disso, a maioria dessas abordagens é antropológica e se concentra em sociedades “primitivas”, sem perceber que uma cultura e uma economia da dádiva ainda estão ativas no patriarcado capitalista globalizado de hoje.
Nos últimos anos, presenciamos um renascimento das teorias da dádiva e da economia da dádiva. O livro de Charles Eisenstein, Sacred Economics: Money, Gift, and Society in the Age of Transition [Economias sagradas: dinheiro, dádiva e sociedade na era da transição] (2011), e o trabalho pioneiro de Genevieve Vaughan são exemplos que tentam mostrar que não haveria vida humana sem a dádiva.
Eisenstein começa sua análise da história do dinheiro com as palavras “No princípio era a dádiva”, e Vaughan elege como ponto de partida o início de nossa vida como filhos de uma mãe humana, apontando a importância crucial da maternagem e do cuidado orientados à necessidade. De um ponto de vista semiótico, ela desenvolve o conceito de homo donans, retratando os humanos como seres que dão e recebem presentes, enfatizando as raízes maternais da economia da dádiva. Precisamos, no entanto, de uma compreensão integral. Uma cosmovisão alternativa radical requer uma análise aprofundada do patriarcado e da crítica de seus sistemas econômicos e tecnológicos. Esse exercício poderia combinar as descobertas da rede Modern Matriarchal Sciences [Ciências modernas matriarcais] e as percepções ecofeministas sobre as relações entre o feminismo e a ecologia. Tal compreensão integrada deve ajudar a redescobrir as raízes maternais da economia da dádiva e de sua cultura de afirmação da vida.
O útero da mãe é o topos original, um lugar em que vivenciamos a interconexão e a satisfação direta das necessidades. Pode ser considerado um exemplo da economia da dádiva.
Do ponto de vista psicológico, no começo da vida, a mãe é nosso primeiro Outro, mas não estamos separados dela. Pelo contrário, nessa fase da vida, o mundo é experimentado na totalidade. Uma vez nascidos, experimentamos o mesmo mundo, mas, pela primeira vez, sentimos o distanciamento quando nos separamos do topos original. O desejo de superar essa distância pode muito bem ser o começo da ternura, da dedicação e da orientação para o Outro.
Em seu livro clássico A dádiva: como o espírito criativo constrói o mundo, Lewis Hyde (1983 [2010]) apontou que, quando a dádiva para de se mover e se torna “capital”, a fome aparece. Hyde não é o único pensador a descrever o movimento da dádiva como uma espécie de fluxo nutritivo circular. Em contrapartida, a lógica patriarcal da troca é baseada no lema do ut des — dar com intenção de receber. Pesquisadores da teoria crítica do patriarcadomostram que, sobretudo em sua forma capitalista, o patriarcado explora, se apropria e retira da dádiva seu caráter de lógica original da vida e da prática do vínculo. Desse modo, relações orientadas para a dádiva, seja na natureza, seja na comunidade humana, são brutalmente transformadas por sistemas semelhantes a máquinas, compostos por partes intercambiáveis e inférteis. Eles funcionam como produtos feitos pelo homem: mercadorias, maquinário, armas e dinheiro.
Um patriarcado capitalista produz escassez matando material e imaterialmente a vida. O abuso na concessão de dádivas, no interesse da acumulação, do lucro e das estruturas de dominação leva a uma suspeita generalizada sobre as práticas de dádiva orientadas à necessidade e ao Outro. Um patriarcado capitalista tenta controlar completamente o exercício da dádiva por meio do trabalho não remunerado e do consumo forçado. No entanto, uma economia da dádiva seria baseada no fluxo nutritivo orientado pela necessidade da dádiva, em sua expressão material e imaterial, e, como Von Werlhof (2011) o chama, em um princípio da “interconexão de todo o ser”.
Palavras-chave: ativismo slow, filosofia slow, desaceleração, complexidade, atenção
O movimento Slow [devagar] envolve uma reunião eclética de pessoas dedicadas ao ativismo slow, do qual o primeiro e mais proeminente é o movimento Slow Food [Comida lenta]. É um ativismo que exige a desaceleração do ritmo da vida tecnológica moderna, argumentando que o capitalismo avançado é dominado por uma lógica que iguala velocidade e eficiência. Para ativistas slow, em um mundo cada vez mais acelerado, as oportunidades para desfrutar de uma relação contemplativa com outras pessoas e com o mundo natural estão diminuindo. No momento, nossa própria existência é desafiada por uma demanda incansável de decidir, responder e agir sem o tempo adequado para que realmente possamos nos envolver com a complexidade da vida. Uma cultura da pressa se infiltra nos espaços sociais e políticos do século XXI.
Em resposta a essa cultura, o Slow Food foi um dos primeiros movimentos desse tipo a surgir no mundo ocidental. Em 1989, Carlo Petrini desafiou a proliferação de fast-food industrializada e defendeu que fosse substituída por refeições simples, artesanais, que abraçavam os produtos e as tradições da culinária local. De acordo com esses critérios, o Slow Food foi concebido para celebrar os prazeres de cozinhar lentamente e de compartilhar alimentos com outras pessoas em um contexto mais descontraído e menos comercial. Além disso, o movimento aumenta a conscientização sobre as questões ecológicas e educacionais associadas à produção e ao consumo de alimentos em todo o mundo. Desse modo, fornece a base para uma conscientização política de questões como sustentabilidade e agricultura cooperativa em pequena escala como alternativas ao fast-food e à produção industrial de alimentos.
A Fundação Long Now, criada em São Francisco, Estados Unidos, em 1996, contraria a cultura acelerada de hoje, promovendo o pensamento e a responsabilidade em longo prazo. Desafia a relação entre eficiência, produtividade e velocidade, promovendo a lógica “mais lento/melhor” em vez de “mais rápido/mais barato”. Embora a proposta “mais lento/melhor” — no contexto da comida — às vezes tenha sido criticada como elitista e gourmetizada, o movimento Slow Food realmente recupera os primeiros protestos sociais de Petrini, promovendo uma política alimentar equitativa, bem como a justiça para os mais desfavorecidos por sistemas alimentares globais. Terra Madre, por exemplo, é uma rede internacional que promove agricultura e biodiversidade sustentáveis, a fim de garantir alimentos bons, limpos e justos. Atualmente, os debates internacionais se concentram no acesso a alimentos locais, sustentáveis e nutritivos para grupos da comunidade que geralmente são negligenciados nos debates éticos e nas políticas sociais. O movimento em Portland, em Oregon, Estados Unidos, por exemplo, argumenta que, se o Slow Food tem a pretensão de evoluir, os trabalhadores imigrantes devem fazer parte desse ativismo.
Hoje, existem 1,5 mil espaços conviviais de Slow Food em 150 países ao redor do mundo, no Norte global e também no Níger, em Angola, na Bolívia, no Sri Lanka e na Indonésia. Além disso, o Slow Food inspirou uma série de movimentos em resposta aos efeitos desumanizadores da globalização.
Os movimentos em série incluem Jardinagem Slow, Cidades Slow, Escolas Slow, Educação Slow, Infância Slow, Viagens Slow, Vida Slow, Leitura Slow, Produtos Slow, Dinheiro Slow, Investimento Slow, Consultoria Slow, Envelhecimento Slow, Cinema Slow, Igreja Slow, Aconselhamento Slow, Moda Slow, Mídia Slow, Comunicação Slow, Fotografia Slow, Ciência Slow, Tecnologia Slow, Design Slow, Arquitetura Slow e Arte Slow. Este último expõe o pensamento capitalista, reconhecendo sua cumplicidade com um sistema que se beneficia material e culturalmente da exploração do mundo não ocidental. Essa autoconsciência entre pessoas de países ricos é, cada vez mais, uma característica definidora do que marca uma prática como “slow”. No Sul global, o movimento Slow se manifesta como uma preocupação com o Urbanismo Slow e a Governança Slow, explorando conexões entre crises urbanas, crises econômicas, migração, desapropriação, expulsão e exclusão. Nesses contextos, há uma relação íntima entre o ativismo slow e a recuperação de terras comunitárias.
Embora exista uma diversidade considerável na maneira como a lentidão é adotada pelos movimentos populares em todo o mundo, o que os une é, sem dúvida, uma determinação de experimentar o prazer e dar às necessidades básicas da vida cotidiana uma espécie de lentidão artística. Tais movimentos buscam uma relação mais substancial e sustentada com a complexidade do mundo. O livro de Carl Honoré, Devagar (2004 [2005]), explorou como as sociedades industrializadas pode riam pensar na lentidão como um movimento com o potencial de desafiar a crença de que “mais rápido é sempre melhor”.
Desde então, o movimento Slow evoluiu para abraçar mais conscientemente sua prática ativista que, em parte, envolve desafiar nossos papéis como consumidores passivos em um sistema capitalista dedicado ao crescimento econômico e às trocas incontroláveis.
A recuperação da lentidão se estende também aos espaços culturais dedicados ao “pensamento”. A equação de velocidade e pressa com eficiência está incorporada em um típico estilo europeu de pensamento racional instrumental, em que a atenção dá lugar ao cálculo, e o pensamento, de modo geral, é reduzido a uma manipulação vazia e à aplicação técnica dos fatos. A Filosofia Slow é a prática de resistir ao tipo de pensamento que é incapaz de se recolher, fazer uma pausa, considerar e contemplar. Nesse sentido, é uma forma particularmente profunda e criticamente reflexiva do ativismo slow. Assim como o movimento Slow se baseia, de maneiras modernas e contemporâneas, em práticas não dominantes, o mesmo acontece com a Filosofia Slow. Sua prática se opõe a uma relação instrumental com a vida, e é, acima de tudo, o cultivo de uma atenção intensificada. Proporciona encontros intensos que nos abrem para a beleza e a estranheza do mundo, e essa intensidade, sem dúvida, é o núcleo central de todo o ativismo slow.
Palavras-chave: produtividade ecológica, racionalidade ambiental, entropia, sustentabilidade
A produção negentrópica é um conceito que sintetiza o escopo de uma teoria e prática alternativas para habitar o planeta, com o objetivo de repensar a sustentabilidade de acordo com as condições ecológicas e culturais dos territórios das pessoas. A negentropia (entropia negativa) pode ser concebida como o processo geral que continuamente cria, mantém e complexifica a vida no planeta, com base na transformação da energia solar radiante em biomassa por meio da fotossíntese, a fonte de toda vida. A produção negentrópica, portanto, é uma resposta ao fato de que o crescimento econômico transforma toda matéria e energia consumidas no processo de produção em energia degradada e, em última análise, como matéria irreciclável e calor irreversível.
A produção negentrópica se contrapõe ao paradigma econômico dominante, baseado em uma visão mecanicista de produtividade, trabalho e tecnologia, que nega as condições ecológicas e culturais de sustentabilidade, provocando a crise ecológica do planeta. A natureza convertida em objeto e em alimento para a megamáquina da economia global é transformada, segundo a lei da entropia, em mercadorias, poluição e calor. Esse processo de degradação se manifesta no desmatamento, na desertificação, na erosão da biodiversidade e nas mudanças climáticas que estão produzindo a morte entrópica do planeta.
Os seres humanos são a principal força que transforma a base biológica do sistema de suporte de vida do planeta.
A produção econômica é o meio pelo qual os seres humanos transformam a matéria e a energia da natureza. O modo de produção é a forma pela qual a humanidade estabelece as condições materiais de sua existência, afetando profundamente a complexa termodinâmica da biosfera. O ambientalismo questiona a inelutável degradação entrópica da natureza, induzida pelo processo econômico e justificada pela racionalidade produtivista predominante.
A reversão da produção insustentável e a transição para um modo sustentável não se resolvem com a reforma da economia convencional a fim de internalizar “externalidades ambientais”, como o colapso ecológico, a poluição, a biodiversidade, as mudanças climáticas, os gases de efeito estufa ou os bens e serviços ambientais. Os processos econômicos tampouco podem se tornar sustentáveis por meio da adequação do comportamento econômico às condições ecológicas necessárias para a reprodução da natureza, a fim de alcançar uma economia de “estado estacionário”. Em contraste com essas propostas ortodoxas, a “bioeconomia” de Georgescu-Roegen (1971) confrontou a racionalidade econômica com o fato inelutável de que os processos econômicos destroem sua própria base ecológica; mas o próprio autor não elaborou um paradigma econômico baseado nos fundamentos ecológicos da produção sustentável.
É necessário um paradigma de produtividade ecotecnocultural, construído sobre os princípios de uma racionalidade ambiental alternativa (Leff, 2004). Nessa concepção, o “ambiente” é entendido para além da racionalidade dominante e de sua suposta ontologia unitária e universal, que restringe a diversidade e exclui a alteridade. Esse princípio está guiando o ecomarxismo, a economia ecológica e a ecologia política para a construção de um modo alternativo de produção, baseado na conservação e no redesenho das condições sociais e ecológicas da produção — um princípio incorporado em diversas culturas.
A questão final para a sustentabilidade é a sustentabilidade da vida. No entanto, surge a pergunta: é possível uma economia sustentável? Uma economia que trabalhe com e por meio das forças criativas da natureza; uma economia fundamentada nas potencialidades ecológicas do planeta; uma economia que reconheça as condições da vida humana e da diversidade cultural? Isso implica a desconstrução da economia estabelecida e a construção de um novo paradigma de produção: um paradigma de produtividade ecotecnocultural — ou “produção negentrópica” — orientado pelos princípios da racionalidade ambiental.
A sustentabilidade apareceria no horizonte desses outros mundos possíveis se ao menos pudéssemos liberar as potencialidades da vida que foram restringidas pela racionalidade antinatureza, que impulsiona o “desenvolvimento sustentável”. A sustentabilidade é o resultado da interação de processos negentrópicos/entrópicos estabelecidos por diferentes entes culturais em seus modos de habitar seus territórios de vida.
A construção de um futuro sustentável nos convida a vislumbrar os potenciais ecológicos e as estratégias epistemológicas e sociais necessárias para construir um modo de produção alternativo, baseado nos “potenciais negentrópicos da vida”. Isso significa um modo de produção baseado nas condições termodinâmicas e ecológicas da biosfera e nas condições simbólico-culturais da existência humana.
O paradigma negentrópico de produção aqui proposto se alicerça na articulação de três ordens de produtividade: ecológica, tecnológica e cultural. A produtividade ecológica é baseada no potencial ecológico dos diferentes ecossistemas. Pesquisas mostraram que os ecossistemas mais produtivos, os dos trópicos úmidos, produzem biomassa em taxas anuais naturais de até 8%. Esse potencial ecológico pode ser aprimorado por pesquisas científicas, tecnologias ecológicas e inovação de práticas culturais — incluindo fotossíntese de alta eficiência, gerenciamento de sucessão secundária e regeneração seletiva de espécies valiosas em processos ecológicos, bem como a associação de vários cultivos, a agroecologia e a agrossilvicultura — para definir e orientar o valor econômico-cultural da produção tecnoecológica do processo produtivo (Leff, 1995).
Esse paradigma alternativo de produção é articulado a partir da perspectiva de imaginários culturais não modernos e de suas práticas ecológicas. Os espaços privilegiados para implantar essa estratégia de “produção negentrópica” são as áreas rurais do mundo, habitadas por camponeses indígenas que, em suas lutas para construir territórios autônomos, adotam essa perspectiva teórica por meio da reinvenção de suas identidades e da inovação de suas práticas tradicionais.
Essa concepção de produção sustentável repercute as lutas dos movimentos sociais pela reapropriação de seu patrimônio biocultural, como a ancestralidade invocada pelos afrocolombianos da região da floresta do Pacífico, o sumak kawsay dos povos andinos, os caracoles dos zapatistas no México e os imaginários de sustentabilidade de tantos outros povos tradicionais, dos Mapuche e Guarani no sul da América aos Seri ou Comca’ac no árido norte do México. Os agentes privilegiados de uma sociedade negentrópica são os camponeses tradicionais, os povos indígenas do mundo e os movimentos socioambientais promovidos por eles. Um exemplo emblemático é a luta dos seringueiros na região amazônica brasileira, que estabeleceram suas “reservas extrativistas” como estratégia de desenvolvimento sustentável.