18 Novembro 2021
"Perto de completar 50 anos de formação como médico, da segunda turma de medicina do Amazonas, saída em 1972, Marcus Barros agregou à pele e ao coração outras atividades por meio das quais enlargueceu o pensar e o agir médicos, enfim os atos da medicina humanizada", escreve Ivânia Vieira, jornalista, professora da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), doutora em Comunicação, articulista no jornal A Crítica de Manaus, co-fundadora do Fórum de Mulheres Afroameríndias e Caribenhas e do Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musas).
O homem Marcus Luiz Barroso Barros, 74, irá fazer o quê com o título recebido, na terça-feira (16), da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (ALE-AM)? Trata-se da mais alta honraria do Poder Legislativo Estadual. Outorgá-la exige negociações entre os membros da Casa e deles com os laços da relação de poder que articulam, representam ou dos quais são reféns.
Desconheço a resposta que o Prof. Marcus Barros daria à pergunta. De imediato, a proposta apresentada pelo deputado estadual Serafim Corrêa (PSB) cumpre algumas necessidades acumuladas na ALE-AM: poderá significar o reinício do processo de reconciliação do Poder Legislativo do Amazonas com a sociedade amazonense e amazônidas; acolher e fazer funcionar, em meio ao vendaval da insensatez, a noção de respeito escondida em gavetas oficiais enquanto o desrespeito se faz regra de atuação; reconhecer, publicamente, a importância da pessoa Marcus Barros para o Estado do Amazonas e à Amazônia; agradecer, na forma justa e bela, a uma existência comprometida com o bem-viver dos povos amazônicos; comprometer-se, enquanto Poder Legislativo, com as grandes causas do Amazonas e da Amazônia, como fez e faz o médico-professor forjado na Amazônia profunda pelos sonhos de nordestinos migrantes.
A entrega do título constituiu-se de momento singular. Aquele ato teceu outras mensagens para além do relógio da cerimônia e de protocolos previsíveis. Tornou-se oportunidade de acionar a memória, recolher relatos, fragmentos da história de vida do homenageado e ampliar a circulação do que foi possível reunir. Marcus Barros é testemunho de vida dedicada em vários campos e nas adversidades.
Perto de completar 50 anos de formação como médico, da segunda turma de medicina do Amazonas, saída em 1972, Marcus Barros agregou à pele e ao coração outras atividades por meio das quais enlargueceu o pensar e o agir médicos, enfim os atos da medicina humanizada. O que tem a ver a economia, a renda familiar, as condições de moradia, de transporte, de alimentação, a ecologia, com as doenças, a infelicidade ou a perda da dignidade das pessoas?
São questões inscritas no protocolo do médico Marcus Barros, há muitas décadas. Possivelmente, por não ter ignorado o histórico de vida do avô Passarinho, porque prestou muita atenção – como lição especial – na vivência com os Tikuna quando atuou na região do Alto Solimões. Ali nasceu uma amizade de admiração e lutas mútuas com o cacique Pedro Inácio Pinheiro, falecido em 2018, um gigante nas lutas no Noroeste do Amazonas pelos direitos indígenas.
Com os yanomami, em Roraima, noutra vivência marcante com aquele povo, muitos doentes, todos ameaçados, atuou como médico e nas lutas pela demarcação das terras, junto com a fotógrafa suíça Claudia Andujar, responsável por um dos mais ricos acervos da vida yanomami. Ao discursar na ALE-AM, Barros denunciou emocionado o genocídio que hoje está sendo cometido contra esse povo.
O administrador Marcus Barros carregou esse jeito de ser para todas as outras funções exercidas. Na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), como reitor, em período emblemático (1990-1993) deu tempero à noção de interiorização da universidade. Levou o olhar clínico e os pró-reitores a municípios do Alto Solimões, do Alto Rio Negro, do médio Amazonas, para ouvir as comunidades, os professores e prefeitos.
Dessa incursão nasceram projetos fundamentais no processo de enraizamento da Ufam. Onze municípios formaram o território onde a raiz da universidade seria semeada e onde ocorreram ações coordenadas para a formação de professores, o combate ao analfabetismo e instalações de cursos que atendessem as demandas locais. E de outras, como o HUGV, a direção da ADUA, o escritório da FIOCRUZ, resiliência no cuidar das dores e das aflições outros, pacientes cadastrados ou não, na solidariedade com os mais fragilizados e na firmeza da escuta e dos critérios para fazer escolhas.
O Riozinho da Liberdade, no Juruá (AM), permaneceu em Marcus Barros que faz do aprender a liberdade um exercício diário como pesquisador, professor, médico, companheiro. O Riozinho está acossado. Tem um plano de morte em realização por lá. Por aqui, Marcus Barros maneja o título em favor da vida desse rio por onde outras vidas humanas e não humanas, se intercruzam e travam a batalha pelo direito de existir decentemente.
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O Riozinho da Liberdade de Marcus Barros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU