08 Junho 2021
O presidente chegará à Europa e depois se encontrará com Putin. Sua linha: zero slogans, muito pragmatismo.
A reportagem é de Gianni Riotta, publicada por Huffington Post, 07-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A semana que se abre hoje será importante para entender em que direção o nosso mundo, que a pandemia Covid-19 tornou mais, não menos, global e conectado, se moverá ao longo de 2021. O próprio presidente democrata estadunidense Joe Biden, em artigo assinado no jornal Washington Post, sintetiza sua importância: “Quarta-feira, 9, partirei para a Europa, na primeira missão de minha presidência no exterior. É uma viagem cheia de reuniões, com nossos melhores parceiros democráticos - incluindo as nações do G7, os aliados da OTAN e os líderes da União Europeia - antes da cúpula conclusiva com Vladimir Putin. Neste momento de incerteza global, enquanto o mundo ainda luta contra uma terrível pandemia, minha missão será demonstrar aos aliados e parceiros o renovado empenho dos Estados Unidos, testando a capacidade das democracias de enfrentar os desafios e resolver as ameaças desta nova época”.
Há um ano, poucos analistas teriam imaginado tal manifesto por parte do idoso homem político, conhecido, após uma carreira de trinta anos no Senado e oito anos como vice-presidente de Barack Obama, pela moderação, segundo os amigos, ou a mediocridade para os adversários, "Dorminhoco Joe" zombava dele o ex-presidente republicano Donald Trump, depois amplamente derrotado nas eleições de novembro de 2020.
O presidente chinês Xi Jinping, o presidente russo Vladimir Vladimirovic Putin, toda a Europa, os regimes do planeta, Erdogan na Turquia, Duterte nas Filipinas, al-Sisi no Egito, Lukashenka na Bielo-Rússia, como Narendra Modi na Índia, as nações do Pacífico estressadas pela despontante hegemonia chinesa, Coreia do Sul, Austrália, Japão, até mesmo os talibãs à espreita no Afeganistão para a certeira ofensiva após a retirada da coalizão aliada no outono, ou os jihadistas de toda parte, África, Oriente Médio, Ásia, metrópoles europeias, aguardam os resultados das negociações dos próximos dias, para definir táticas e estratégias próximas.
Biden manteve, até agora, amigos e inimigos, em estado de alerta, com políticas astutas e sem manobras precipitadas e definitivas, oscilando com sagacidade entre as investidas, chamar Putin de "assassino", e compromissos, ver a ratificação do tratado New Start, renovado por mais cinco anos com limites aos arsenais nucleares EUA-Rússia, evitando uma nova corrida armamentista, no modelo da Guerra Fria 1945-1989. Ao encontro com os europeus chega com o sucesso do acordo firmado no G7 pelos ministros da Fazenda sobre o imposto mínimo de 15% que, apesar de agora necessitar de longa e paciente negociação para definir regras a serem impostas às empresas multinacionais, incluindo as plataformas digitais Google, Amazon, Facebook capazes até agora de evitar grande parte de sua carga tributária jogando entre as capitais de residência, no entanto, é um precedente histórico capaz de fechar a perniciosa corrida ao rebaixamento dos impostos entre os países desenvolvidos.
A boa vontade demonstrada nos acordos contra a poluição, o retorno aos protocolos climáticos de Paris, descontinuados por Trump, e à Organização Mundial da Saúde - apesar das inúmeras falhas da OMS durante a pandemia, sob a égide de Pequim -, até mesmo da cautela usada nos confrontos entre Israel e Hamas, que lhe custou críticas da ala esquerda do partido, e a diplomática e tácita manobra com o egípcio al-Sisi para mediar a trégua em Gaza, permitem que Biden chegue à Europa com muitos papéis a desempenhar, sem os espartilhos ideológicos que impediam a impetuosidade de Trump, ou as perenes dúvidas hamleticas sobre um mundo perfeito inatingível que muitas vezes tornavam Obama impotente.
Os analistas, portanto, ainda estão incertos sobre a natureza da "doutrina Biden" e não sabem catalogá-la, para antecipar suas manobras. Em um de seus ensaios no "Foreign Affairs", retomado pelo Project Syndicate, por exemplo, o especialista Charles Kupchan, diretor do departamento de Assuntos Europeus do Conselho de Segurança Nacional de Obama, critica Biden como "ideológico", pedindo-lhe uma repentina "mudança de rumo na política externa". Segundo Kupchan, que sempre esteve próximo dos democratas, Biden deve agir com "maior pragmatismo", principalmente em relação à Rússia, em vez de "agitar os sabres", caso contrário, levará para sempre Moscou a se aproximar de Pequim e alienar os já revoltados aliados europeus, assustados, veja a Alemanha nos últimos dias da chanceler Angela Merkel, contra cada confronto com Putin, que severamente segura sua mão nas torneiras vitais de petróleo e gás.
Mas outro analista veterano, o fundador do think tank da Eurásia Ian Bremmer, também certamente não pró Trump ou hostil a Biden, atribui uma crítica radicalmente oposta à Casa Branca, de ser muito dura com a China e muito complacente com a Rússia. Em sua, sempre pontual, newsletter do site GZero, Bremmer observa que, além do episódio sobre Putin "assassino" na entrevista com George Stephanopolous da rede ABC TV, Biden "quer uma relação previsível [com Putin] e espera evitar um confronto direto com Moscou, justamente quando as relações com a China são tão ásperas”.
Portanto, o que os líderes europeus, o primeiro-ministro Mario Draghi na frente, devem esperar de Joe Biden na Europa, enquanto a oposição republicana o critica pela "liquidação" dos interesses nacionais dos Estados Unidos e as franjas democráticas o esnobam por sua cautela? A resposta, desta vez, encontra-se mais na biografia do presidente nascido em 1942 e eleito pela primeira vez para o Senado, do Delaware, em 1972 quando na Itália DC, Pli e PSDI, todos partidos que desapareceram, apoiavam o governo remoto de Giulio Andreotti.
Biden retoma a antiga ideia de seu amigo senador republicano John McCain, fundar um “clube das democracias” para fazer frente aos regimes totalitários, e vários críticos reclamam céticos – uns temerosos que Putin e Xi reajam com dureza, outros paralisados pela casuística niilista – “com que direito os EUA e a UE falam de direitos humanos se, por sua vez, os violaram no passado?”.
Biden é filho de uma geração que acredita em um Ocidente de valores, não apenas de interesses. Ele não tem a altivez do pregador de púlpito, conhece os erros e os horrores da história comum, mas ao mesmo tempo está ciente do dilema estratégico em curso.
A China, durante e após o governo de Xi, será uma rival pela hegemonia planetária, a Rússia, com uma economia frágil e um sistema corrupto, será um vassalo turbulento, mas menor. O desafio com Pequim é total, econômico, civil, cultural, político, tecnológico, na Terra e no espaço.
Xi e Putin apostaram na incerteza e nas divisões ocidentais, lançando suas provocações, certas da impunidade ou de sanções fúteis: a invasão da Crimeia, a repressão em Hong Kong, a violência contra os dissidentes, a opressão dos muçulmanos uigures, a prisão e tentativa de assassinato de Navalny, o sequestro do bielorrusso Roman Protasevich. O grande jogo econômico, o cansaço da opinião pública estadunidense com as guerras no exterior depois de vinte anos, as divisões dos europeus tornam uma resposta unívoca, dura, difícil e Biden, portanto, opta por uma tática ambígua, que espera surtir efeito. Ele se encontrará com Putin sem as ilusões do seu antecessor Bush filho, "Eu vi em sua alma", ele proporá um caminho comum com o menor número de percalços possível, mas com a clareza de que os EUA não ficarão inertes diante de novos episódios de vandalismo internacional.
Aos europeus, assim como ao primeiro-ministro britânico Boris Johnson, com paciência, Biden vai oferecer colaboração na saída da pandemia, o fisco, a retomada econômica, finalmente pedindo um maior empenho com a OTAN, cercada ao sul e ao norte por novos rivais. Isso é o que é a "Doutrina Biden", e é por isso que críticos e apoiadores ficam perplexos ao interpretá-la: Biden escolhe uma "Doutrina Aberta", desprovida de slogans e devotada ao pragmatismo, um passo de cada vez rumo a uma direção certa. Ele sabe que a possível guerra com Pequim está sendo estudada no Pentágono, quem fala em 50 anos, quem em apenas cinco, e quer limitar o atrito, por enquanto, no confronto em paralelo, com acordos menores, mas concretos. Vejam, por exemplo, como ele atuou no caso do gasoduto com a Rússia Nord Stream II, projeto caro a Merkel: ele sabe que não pode pará-lo com sanções, não gosta, no máximo conta com a vitória (que pelas pesquisas parece se afastar em Berlim) dos Verdes alemães nas próximas eleições.
Nesse contexto, o presidente Draghi tem uma grande chance para a Itália. Após a desastrosa adesão do país ao programa Road-Belt de Pequim, uma aliança econômica que muitas vezes acaba estrangulando os participantes, na época do governo Conte I, a Itália recuperou credibilidade, inclusive com as denúncias sobre os direitos, veja o ataque a Erdogan, e graças ao empenho militar em muitas missões de paz com o Ministro Lorenzo Guerini, a ponto de poder focar na liderança da OTAN com vários candidatos, inclusive mulheres, circulam os nomes de Mogherini, Sereni, Dassù, no agora próximo prazo final do mandato do Secretário Jens Stoltenberg. Draghi e Biden, observava o Financial Times em seu editorial, estão ambos afastados de qualquer tique ideológico, sabem que precisam gerir países divididos na política, empobrecidos por crises e pandemia, e não defendem manifestos ideais para colar no muro dos sonhos. Sua constante, laboriosa e ideal comunidade ocidental não será suficiente para os últimos utopistas passionais, causará sorrisos nos gurus niilistas que vendem por "Realpolitik" a subserviência a Putin, mas é o que mais temem os regimes totalitários, em toda parte: porque poderia, de repente e sem alardes, realmente funcionar.
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A semana em que Biden fará o mundo entender sua doutrina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU