09 Fevereiro 2021
“[A universidade] corre o risco de se tornar em lugar de transmissão utilitária de conhecimentos”, escreve Mariano Delgado, decano da Faculdade de Teologia de Freiburg, Alemanha, em artigo publicado por Religión Digital, 09-02-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em suas conferências de 1852 em Dublin, em razão da fundação de uma universidade católica, John Henry Newman expôs seu conceito de universidade humanista (em português: “A ideia de uma universidade”). Estas conferências não devem temer a comparação com os escritos de Friedrich Schleiermacher (“Gelegentliche Gedanken über Universitäten im deutschen Sinn”, 1808) ou Wilhelm von Humboldt (“Über die Innere und Äußere Organisation der Wissenschaftlichen Anstalten in Berlin”, 1810).
No século XIX, estas três luzes do espírito europeu se preocuparam com uma universidade que não se caracterizasse tanto pela formação utilitária e profissional ou pela divisão de “conhecimentos”, mas sim que se entendesse melhor como um lugar para a “busca da verdade” na produtividade conjunta de “magistrorum e studiorum”, assim como para a iniciação de processos vitais no sentido de um desenvolvimento holístico de seus membros em benefício da sociedade.
Certamente, o elemento utilitarista, reforçado agora pela reforma de Bolonha, também esteve enraizado nas universidades europeias desde o início: já no século XIII eram instituições acadêmicas onde se formavam letrados e clérigos, filólogos e médicos. Porém, com o “Studium generale” humanista, isso estava integrado em uma cultura universitária na qual era natural tratar as “perguntas” (quaestiones) de todo o tipo de forma interdisciplinar e celebrar disputas mais além dos limites das faculdades.
Cada um se interessava pelas questões e os métodos dos demais, porque sabia que tudo tinha a ver, em última instância, com “o homem e o mundo”. Precisamente para isso está a “Universitas”: para a complementação e correção mútua das ciências, para o avanço ético de seus membros e para ser o gérmen de uma sociedade melhor. Porém, em nenhum momento faltam o que Newman chama de “fanáticos e charlatões” (bigots and quacks), que estão tão convencidos de si mesmos e de sua disciplina que desprezam tudo o que não está diretamente relacionado com sua especialidade. Inclusive as faculdades de teologia não são imunes a isto.
E o que teria sido das universidades clássicas sem a convivência entre professores e alunos, uma convivência que não poucas vezes apagava as fronteiras hierárquicas, porque muitas perguntas dos “alunos” deixavam os professores pensando, e assim surgia uma busca comum e produtiva da verdade? Esta convivência permitia também distinguir se os “magistri” eram somente “mestres de leitura e ensino” ou também “mestres de vida”, como instava o Mestre Eckhart, isso é, modelos críveis pelos quais alguém poderia se orientar na vida.
Nos tempos da pandemia, a universidade corre o risco de se converter, além do que já é, à sombra da reforma de Bolonha, em um lugar de transmissão seca e utilitária de conhecimentos; ainda, com o ensino à distância, sem contatos vivos entre pesquisadores, professores e estudantes que possam conduzir a uma “produtividade comum”.
Isso é especialmente perigoso para uma faculdade como a teologia, onde o estudo da teologia cristã e de outras religiões também deve moldar o modo de vida e a experiência existencial. Assim, os tempos de pandemia nos levam a uma situação a partir da qual temos que tirar o melhor proveito, mas com a consciência de que não devemos nos acostumar a uma universidade sem trocas presenciais ao vivo. Se a experiência atual leva a um maior desenvolvimento do ensino à distância ou de formas híbridas (também queremos examinar essas possibilidades em nosso corpo docente), não devemos esquecer a “ideia de universidade” nisso tudo.
Quando esses tempos difíceis passarem para todos nós (mas especialmente para os alunos!), espero que possamos dizer com o amado do Cântico dos Cânticos, aquele best-seller bíblico e fonte de metáforas místicas:
“Veja: o inverno já passou!
Olhe: a chuva já se foi!
As flores florescem na terra,
o tempo da poda vem vindo,
e o canto da rola
já se ouve em nosso campo” (Ct 2, 11-12).
Então celebraremos o reencontro em carne e osso em um festival da faculdade ou do campus e voltaremos a refletir sobre o que significa ser uma universidade.
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A Universidade nos tempos de pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU