10 Fevereiro 2021
“Erich Fromm nos deixou em 1980, mas seu espírito segue vivo, recordando-nos que nunca é tarde para amar, pois “viver é nascer a cada instante””, escreve Rafael Narbona, escritor e crítico literário, em artigo publicado por El Cultural, 08-02-2021. A tradução é do Cepat.
Erich Fromm nasceu e cresceu em uma família de judeus ortodoxos. Quando era jovem, lia o Talmude e pensou seriamente em se tornar um rabino. Dois acontecimentos traumáticos despertaram em seu interior o desejo de encontrar explicações para o comportamento humano. Quando tinha apenas doze anos, uma jovem pintora que se relacionava com sua família cometeu suicídio. Havia perdido seu pai e não tinha mais nenhum ser querido. Tudo indicava que não tinha conseguido suportar a perspectiva da solidão. Erich era um menino e sua fé não o ajudou a compreender o motivo daquela tragédia.
Seu desconcerto aumentou dois anos mais tarde com a deflagração da Primeira Guerra Mundial. Naquele momento, o antissemitismo ainda não tinha privado os judeus alemães de sua nacionalidade. Erich, que nasceu em Frankfurt, em 1900, não conseguiu entender o ódio contra ingleses, franceses, russos, norte-americanos e outras nacionalidades. Novamente, perguntou-se: “Por quê?”. A ira disseminada pelo conflito bélico lhe pareceu inaceitável e irracional.
Fromm estudou direito e sociologia, mas as duas disciplinas o deixaram insatisfeito, pois não ofereceram as respostas que esperava. Seu casamento com a psicanalista Frieda Riechmann o aproximou das teorias de Freud e propiciou sua ruptura com a religião. Pouco depois, começou a ler Marx e Max Horkheimer o convidou para dirigir o Departamento de Psicologia do recém-criado Instituto de Pesquisa Social, embrião da famosa Escola de Frankfurt.
Em 1934, foge da Alemanha nazista, que havia suprimido os direitos e liberdades da população judia. Muda-se para os Estados Unidos com outros integrantes do Instituto, mas as discrepâncias com Marcuse e Adorno o levam a romper com o grupo. Não aceita a tese de Freud sobre a libido, pois considera que o mais significativo do ser humano é sua dimensão social, não suas tendências sexuais. Também não aceita o “anti-humanismo teórico” do marxismo, que atribui todos os acontecimentos às condições econômicas e materiais, minimizando ou negando o papel da liberdade humana.
Se algo define Erich Fromm, é sua independência. Nunca aceitou as posições ortodoxas, que exigiam uma adesão incondicional. Pacifista e firme opositor à guerra do Vietnã, identificou-se desde muito cedo com o movimento feminista. A mulher vive submetida por leis discriminatórias e coações implícitas, que se refletem até na linguagem. Não será possível falar em uma humanidade verdadeiramente livre, enquanto não desaparecer a sociedade patriarcal.
Fromm manifestou sua oposição ao “socialismo real”, que havia conduzido ao totalitarismo do Estado soviético, mas não foi menos crítico ao capitalismo e a sociedade de consumo. Sua ênfase na liberdade pessoal fez com que fosse associado à tradição libertária, mas com um anarquismo atípico, nada convencional. Seus antigos companheiros da Escola de Frankfurt o chamaram de “revisionista” e “social-democrata”. Ele respondeu que simplesmente havia apostado em um socialismo humanista e democrático.
No plano religioso, definiu-se como um “místico ateu”, interessado no budismo zen. Em 1957, participou de um seminário na Universidade Nacional Autônoma do México com o filósofo japonês Daisetsu Teitaro. Fromm considerava imprescindível explorar vias alternativas à racionalidade ocidental, como a meditação e a intuição.
Autor de uma obra prolífica, três de seus livros são verdadeiros clássicos do pensamento: “O medo à liberdade” (que surgiu em 1941, quando o totalitarismo nazista parecia uma força imbatível), “A arte de amar” e “Ter ou ser?”.
Publicado em 1956, “A arte de amar” é mais que um livro. Serviu de inspiração para várias gerações e não perdeu um pingo de frescor. “O amor não é um sentimento fácil para ninguém”, adverte Fromm. Amar significa incorporar outra vida em nossa existência, fundir a carne e o coração, dilatar nossa experiência, ser dois sem renunciar a nossa identidade.
O amor não consiste em se fechar em uma bolha com a pessoa amada, mas em abrir-se ao mundo e ao conhecimento. Amar implica se arriscar, abandonando a segurança que nos proporciona a rotina. “O amor é uma arte”, não uma transação. O verdadeiro amor não consiste em ser amado, mas em amar. E não deve se confundir com o “apaixonar-se” ou com a fascinação que uma pessoa física e socialmente atrativa produz.
Na sociedade de consumo, tende-se a mercantilizar as relações sociais e sentimentais. Amar não é possuir um objeto, mas adentrar na intimidade de outra pessoa, sem expectativas irracionais que conduziriam inevitavelmente ao fracasso.
Amar não é se enredar em um frenesi sexual irreflexivo, mas caminhar em direção à união interpessoal: “O sexo sem amor só alivia o abismo que existe entre dois seres humanos de forma momentânea”. O amor não é submissão, nem dominação, mas liberdade e autonomia. Não deve ser confundido com a dependência, pois “no amor se dá o paradoxo de dois seres que se tornam um e, não obstante, seguem sendo dois”.
O “amor maduro” é plasmado em um casal quando cada um conserva “a própria integridade, a própria individualidade”. Se nos amam de verdade, respeitarão nossa forma de ser. Amar é fundamentalmente dar, não pedir ou exigir. “No próprio ato de dar, experimento minha força, minha riqueza, meu poder. Tal experiência de vitalidade e potência exaltadas me enche de alegria”. O amor é uma forma de crescimento pessoal que nos faz mais humanos e solidários: “A pessoa que ama, responde”. Sente-se tão responsável pelos outros como por seu próprio bem-estar. O “amor maduro” nunca é possessividade. “Se amo a outra pessoa, sinto-me um com ela, mas com ela ‘do modo como é”, não como eu necessito que seja”.
Fromm estuda as diferentes formas de amar: o amor entre pais e filhos, o amor fraterno, o amor erótico, o amor a si mesmo e o amor a Deus. Fromm incorre em estereótipos de sua época, estabelecendo distinções entre o amor paterno e o amor materno que perdem sua validade com o correr dos anos. Seu livro surge quando a revolução sexual e o movimento feminista ainda não tinham transformado a sociedade.
Talvez por isso tenha afirmado que o amor da mãe é incondicional e o do pai inteiramente condicional. A mãe não pede nada ao filho: “É o lar do qual procedemos, a natureza, o solo, o oceano”. Ao contrário, o pai representa o polo oposto da existência: “o mundo do pensamento, da lei e da ordem, da disciplina, das viagens e da aventura. O pai é o que ensina o filho, o que mostra o caminho para o mundo”.
Fromm fala de mães frias e chantagistas que manipulam seus filhos, inculcando-lhes sentimentos de culpa e impotência. Tais mães costumam ser a causa principal da neurose. Não é menos daninha a figura do pai autoritário e intransigente, que exige obediência e submissão.
No entanto, Fromm não contempla que a mãe também possa ensinar “o caminho para o mundo”, estimulando no filho o desejo de compreender, saber, viajar e se realizar individualmente. As mães superprotetoras são particularmente nocivas, pois obstaculizam e inclusive freiam o processo de amadurecimento. Não aceitam a separação do filho, um passo que constitui a última e necessária etapa de uma educação orientada para a constituição de uma personalidade adulta e equilibrada.
Segundo Fromm, não há amor verdadeiro, maduro, se o afeto se restringe ao casal. Tais relações não expressam amor, mas uma relação simbiótica, de profunda dependência. Pode-se dizer que é um egoísmo estendido. “Se amo realmente uma pessoa, amo todas as pessoas, amo o mundo, amo a vida”. Erich Fromm afirma que amar os de nossa própria carne, não representa uma proeza. O amor deve se estender a todos os seres humanos. Só então se transforma em “amor fraterno”, que é um amor caracterizado por sua falta de exclusividade.
“No amor fraterno se realiza a experiência de união com todos os homens, de solidariedade humana, de reparação humana”. Nesta forma de amar, prevalece o amor ao pobre, ao marginalizado, ao enfermo e ao estrangeiro. O amor erótico também é uma experiência de união. Fromm não acredita que a ternura seja uma sublimação do amor físico, mas, sim, uma consequência direta de se experimentar a proximidade de outra pessoa, o toque em sua pele e a proximidade de seu olhar. “Amar alguém não é simplesmente um sentimento poderoso. É uma decisão, um julgamento, uma promessa”. Fromm acredita no amor eterno. Quando duas pessoas começam a se amar, sonham com uma relação para sempre.
Para amar uma pessoa, precisamos amar a nós mesmos. O amor a si mesmo não é um ato egoísta, mas a base de uma autoestima que nos permite nos dar uns aos outros. Quem despreza a si mesmo, é incapaz de amar. E o que só ama a si mesmo, costuma ser infeliz, pois contempla os outros com indiferença, hostilidade e medo.
De origem judeu, Fromm entende que o amor a Deus é sumamente enriquecedor, mas esse amor não é a adoração de uma figura patriarcal, mas, sim, o desejo de sentir um vínculo profundo com a totalidade, com o ser, com a vida. Fromm considera que só é possível falar de Deus em um sentido poético e simbólico. Deus é amor e justiça, não um Ser Todo-poderoso que exige obediência cega e submissão absoluta. Essa ideia de Deus é infantil e incompatível com a dignidade humana, pois instiga a se resignar com as injustiças e as humilhações.
O amor não significa ausência de conflitos. O amor não é um lugar de repouso, mas “um desafio constante, um se mover, crescer, trabalhar juntos”. O amor não pode ser uma simples fuga da solidão. De fato, não saberemos amar, se não aprendermos a estar sós, sem experimentar vazio ou mal-estar: “Se estou ligado a outra pessoa porque não sou capaz de enfrentar o mundo com meus próprios recursos, não há amor, mas dependência, medo, insegurança”. A pessoa amada não deve ser um salva-vidas, mas alguém que caminha ao meu lado. Cada um tem suas próprias metas, que podem ser complementares ou totalmente diferentes. Para amar é preciso ter fé e respeito.
Fromm não se refere à fé de caráter religioso e, menos ainda, a determinadas crenças: “A fé é a qualidade de certeza e firmeza que nossas convicções possuem”. É imprescindível “ter fé” nos amigos e em nós mesmos, para adquirir compromissos e realizar projetos. Em um adulto, “a presença dessa fé é o que determina a diferença entre educação e manipulação”.
Educar significa ajudar a criança a desenvolver suas potencialidades, respeitando sua personalidade. Só quem foi “educado” poderá amar, assumindo a possibilidade da dor e da perda. “Amar significa se comprometer sem garantias, entregar-se totalmente com a esperança de produzir amor na pessoa amada. O amor é um ato de fé, e quem tem pouca fé também tem pouco amor”.
Fromm possuía um ego discreto, mas sua prudência não era sinônimo de fraqueza. Sua obra nos ensina a amar, a ser livres, a não aceitar que outros decidam por nós, a reivindicar nosso direito a ser diferentes: “O ato de desobedecer como ato de liberdade é o começo da razão”. Seu estilo transparente e simples é um convite permanente à leitura de seus livros. Fromm nos deixou em 1980, mas seu espírito segue vivo, recordando-nos que nunca é tarde para amar, pois “viver é nascer a cada instante”.
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Erich Fromm: nunca é tarde para amar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU