“Uma plataforma privada, que se tornou o principal megafone de um presidente apesar de si mesma, decide interromper definitivamente a publicação a partir dessa conta, com base em violações de regras que ela assumiu sozinha”.
A opinião é de Paolo Benanti, teólogo e frei franciscano da Terceira Ordem Regular, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e acadêmico da Pontifícia Academia para a Vida.
Com isso, afirma Benanti, “vigora a ideia de que o digital é um espaço privado entre privados, no qual valem as regras dadas pelos mais fortes (neste caso, a plataforma que é dona dos servidores), mesmo quando isso muda o espaço público e a própria democracia”.
O artigo foi publicado no blog do autor, 11-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois do que aconteceu em Washington, as mídias sociais estão reagindo na tentativa de evitar mais problemas. O Twitter, que o presidente cessante dos Estados Unidos da América costuma usar com frequência, é a plataforma que mostrou a reação mais decisiva: suspendeu permanentemente a conta de Trump. Tentemos fazer algumas reflexões a partir da perspectiva da ética das tecnologias.
De acordo com o que foi relatado pelo site 9toMac [aqui, em inglês] e como pode ser lido no blog oficial do Twitter [aqui, em inglês], a plataforma explicou que essa decisão foi necessária após a análise de alguns tuítes recentes publicados pelo perfil @realDonaldTrump, fazendo referência específica àquilo que estes últimos causaram no mundo real. O Twitter afirma que suspendeu permanentemente a conta de Donald Trump devido ao “risco de mais incitação à violência”.
Conta bloqueada de Donald Trump no Twitter (Foto: Twitter)
Em seu blog, a plataforma explica que, no dia 8 de janeiro de 2021, Trump havia publicado outros tuítes que poderiam causar outros problemas, ilustrando de modo ainda mais detalhado os motivos pelos quais se optou por suspender definitivamente o perfil do presidente cessante dos EUA.
Apesar da decisão do Twitter, de acordo com o que relatou o site TechCrunch [aqui, em inglês], Trump certamente não parou de publicar tuítes. De fato, Donald assumiu o controle da conta do Twitter @POTUS, que pertence ao presidente dos EUA, e inundou a web com uma miríade de tuítes.
Em um destes últimos, Trump acusou a plataforma de ter “concordado com os democratas”. O Twitter removeu os tuítes pouco tempo depois, já que não é permitido que uma pessoa com uma conta suspensa permanentemente volte à plataforma dessa forma
Conta da presidência dos EUA no Twitter (Foto: Twitter)
E não acabou por aí: o presidente cessante dos EUA afirmou que em breve poderia se unir a outra plataforma ou criar uma própria, para não ter que utilizar o Twitter e outras redes sociais. Os primeiros rumores faziam referência ao fato de Trump querer utilizar a plataforma Parler. No entanto, Google e Apple já começaram a trabalhar para evitar mais problemas. O Google baniu o aplicativo Parler da PlayStore até que ele introduza “um sistema de moderação mais estruturado”, enquanto a Apple deu 24 horas aos desenvolvedores para atingir esse “objetivo”.
Enquanto isso, o Twitter também suspendeu outras contas ligadas ao caso. A equipe de Trump tentou publicar os tuítes incriminados por meio da conta @Teamtrump. Além disso, de acordo com o que relatou o TechCrunch em outro artigo [aqui, em inglês], a suspensão também ocorreu para os perfis de figuras associadas ao QAnon, de Michael Flynn a Sidney Powell, passando por Ron Watkins.
Esse evento é um pedaço da história da comunicação digital e do amanhã que está por vir. Uma plataforma privada, que se tornou o principal megafone de um presidente apesar de si mesma, decide interromper definitivamente a publicação a partir dessa conta, com base em violações de regras que ela assumiu sozinha. Portanto, vigora a ideia de que o digital é um espaço privado entre privados, no qual valem as regras dadas pelos mais fortes (neste caso, a plataforma que é dona dos servidores), mesmo quando isso muda o espaço público e a própria democracia.
O Twitter, depois do livro que transformou as pessoas em leitores, transforma todos os usuários em editores. Mas, acima de tudo, vigora a sua censura, e ele decide quem tem o direito ou não de publicar na sua casa. Esse evento terá consequências generalizadas para todas as estratégias de comunicação pública a partir de agora e provavelmente também para as políticas do digital. A questão merece algumas reflexões para começar a discussão.
Uma das observações mais lidas neste momento vê no Twitter uma plataforma neutra, e os efeitos positivos e negativos derivariam apenas dos seus usuários. Assim como ela permitiu, para o bem, a chamada Primavera Árabe, dando voz aos oprimidos, hoje ela teria permitido, para o mal, a sedição pelos conteúdos negativos que nela foram publicados. Certamente, o modo como utilizamos um meio o qualifica (o fim da ação). No entanto, essa perspectiva não diz tudo.
Em um célebre artigo de 1980 [disponível aqui, em inglês], Langdon Winner se perguntava se os artefatos tecnológicos tinham uma constituição política. Publicamos um longo trecho para tentar estabelecer uma crítica sociopolítica desses instrumentos. Eis o que Winner aponta:
“Em seguida, oferecerei duas formas de descrever e ilustrar os dois modos pelos quais os artefatos podem conter propriedades políticas. Em primeiro lugar, os casos em que a invenção, o design ou o arranjo de um dispositivo ou sistema técnico específico se torna um modo de resolver um problema em uma comunidade particular. Vistos sob a luz certa, exemplos desse tipo são bastante simples e facilmente compreensíveis. Em segundo lugar, os casos daquelas que podem ser chamadas de tecnologias inerentemente políticas, sistemas construídos pelo ser humano que parecem requerer ou ser fortemente compatíveis com tipos particulares de relações políticas. As argumentações sobre casos deste tipo são muito mais problemáticas e mais próximas do cerne da questão. Por ‘política’, refiro-me aos arranjos de poder e de autoridade nas associações humanas, assim como às atividades que ocorrem dentro de tais arranjos. Para os meus propósitos, ‘tecnologia’ é entendida aqui como todos os artifícios práticos modernos, mas, para evitar confusão, prefiro falar de tecnologias, peças maiores ou menores de sistemas de hardware de um tipo específico. Minha intenção não é resolver as questões de uma vez por todas, mas sim indicar as suas dimensões gerais e o seu significado.
“Qualquer pessoa que já viajou pelas rodovias dos EUA e se acostumou com a altura normal dos viadutos pode encontrar algo um pouco estranho em algumas das pontes sobre as avenidas de Long Island, Nova York. Muitos dos viadutos são extraordinariamente baixos, com menos de três metros acima da pista. Mesmo quem se desse conta dessa peculiaridade estrutural não estaria inclinado a lhe atribuir qualquer sentido especial. No nosso modo habitual de ver coisas como estradas e pontes, vemos os detalhes da sua forma como inócuos e raramente refletimos sobre eles.
“No entanto, os quase 200 viadutos de baixa altura em Long Island foram deliberadamente projetados para obter um efeito social particular. Robert Moses, o chefe de construção de estradas, parques, pontes e outras obras públicas de 1920 a 1970 em Nova York, mandou construir esses viadutos de acordo com especificações que desencorajassem a presença de ônibus nas suas avenidas. De acordo com provas fornecidas por Robert A. Caro em sua biografia sobre Moses, as razões disso refletem o preconceito de classe social e racial de Moses. Os brancos da classe ‘alta’ e da ‘confortável classe média’, como ele os chamava, proprietários de automóveis, ficariam livres para usar as avenidas para recreação e deslocamento. Os pobres e os negros, que normalmente usavam os meios públicos, ficariam mantidos fora das rodovias, porque os ônibus de três metros e meio de altura não poderiam passar debaixo dos viadutos. Uma consequência era limitar o acesso das minorias raciais e dos grupos de baixa renda a Jones Beach, o aclamado parque público de Moses. Moses se assegurou duplamente desse resultado, vetando uma proposta de extensão da Long Island Railroad até Jones Beach.
“Como uma história dentro da recente história política estadunidense, a vida de Robert Moses é fascinante. As suas relações com prefeitos, governadores e presidentes, e a sua atenta manipulação de legislaturas, bancos, sindicatos, imprensa e opinião pública são todas questões que os cientistas políticos poderiam estudar durante anos. Mas os resultados mais importantes e duradouros da sua obra são as suas tecnologias, os vastos projetos de engenharia que dão a Nova York grande parte da sua forma atual. Por gerações, depois que Moses foi embora e as alianças que ele forjou se desfizeram, as suas obras públicas, sobretudo as rodovias e as pontes que ele construiu para favorecer o uso do automóvel em detrimento do desenvolvimento do transporte de massa, continuarão dando forma a essa cidade. Muitas das suas monumentais estruturas de concreto e aço encarnam uma sistemática desigualdade social, uma forma de projetar relações entre as pessoas que, depois de um certo tempo, se torna apenas mais uma parte da paisagem. Como o projetista Lee Koppleman contou a Caro sobre as pontes baixas na Wantagh Parkway, ‘o velho filho da mãe se assegurou de que os ônibus nunca conseguissem utilizar as suas malditas avenidas’.
“As histórias da arquitetura, do planejamento urbano e das obras públicas contêm muitos exemplos de arranjos físicos que contêm propósitos políticos explícitos ou implícitos. Podemos apontar para a ampla rede viária parisiense do Barão Haussmann, projetada sob a direção de Luís Napoleão para evitar qualquer repetição das brigas de rua como as que ocorreram durante a revolução de 1848. Ou podemos visitar qualquer número de edifícios grotescos de concreto armado e das enormes praças construídas em campi universitários estadunidenses no fim dos anos 1960 e início dos 1970 para neutralizar manifestações estudantis. Estudos de máquinas e instrumentos industriais também revelam interessantes histórias políticas, incluindo algumas que violam as nossas expectativas normais quanto ao motivo pelo qual as inovações tecnológicas são feitas, em primeiro lugar. Se pressupomos que as novas tecnologias são introduzidas para alcançar uma maior eficiência, a história da tecnologia mostra que às vezes ficaremos decepcionados. A mudança tecnológica expressa uma panóplia de motivações humanas, entre elas, não menos importante, o desejo de alguns de dominar os outros, embora isso possa exigir um sacrifício ocasional de corte de custos e alguma violência à norma de se obter mais com menos.”
Então, o usuário e a sua finalidade são importantes, sim, mas também devemos ter em mente que esse uso nunca ocorre em um vazio irreal e fora da história. Toda forma tecnológica é constitutivamente uma forma de gestão e de organização do poder.
O Twitter ou, melhor, qualquer plataforma é o nível em que esse pressuposto político se torna tecnológico e adquire a força e a pervasividade do algoritmo. Além disso, regular a nossa agregação na plataforma significa mudar, dispondo novas formas de poder, as relações entre as pessoas. Já não são todos cidadãos do mesmo Estado com os mesmos direitos e deveres – fundamento democrático –, mas sim usuários de um servidor em que os direitos – privilégios em termos informáticos – são decididos na retaguarda – o backoffice – e garantidos com base em pagamentos ou decisões da propriedades do sistema.
Tudo isso é uma disposição de poder que cria desigualdades bem diferentes e bem mais profundas para a sociedade do que as pontes de concreto de Moses. Não que aquelas não sejam graves ou não façam gritar o escândalo, mas, com o espaço público transformado em plataforma, a democracia pode morrer para sempre.
Precisamos ter clara a consciência de que não se trata apenas de como usamos o meio, mas também de como queremos gerir o espaço público e democrático: como nós organizamos as tecnologias e como as fazemos proliferar é o destino que escolhemos para a nossa sociedade.
Partamos novamente de um trecho do artigo do Winner:
“De fato, muitos dos exemplos mais importantes de tecnologias que têm consequências políticas são aqueles que transcendem as simples categorias de ‘intencional’ e ‘não intencional’. Este é o caso em que o próprio processo de desenvolvimento técnico é tão profundamente influenciado em uma direção particular que regularmente produz resultados considerados como descobertas maravilhosas por alguns interesses sociais e reveses avassaladores por outros. Nestes casos não é nem correto nem sensato dizer: ‘Alguém pretendia ferir outra pessoa’. Em vez disso, deve-se dizer que o baralho de cartas tecnológico foi embaralhado e manipulado bem antes a fim de favorecer certos interesses sociais, e que algumas pessoas estavam fadadas a receber uma mão melhor do que as outras.
“A colhedora mecânica de tomate, um dispositivo notável aperfeiçoado por pesquisadores da Universidade da Califórnia desde o fim dos anos 1940, oferece uma história ilustrativa. A máquina é capaz de colher tomates em uma única passada por uma fileira, cortar as plantas do chão, sacudir as frutas para soltá-las e, nos modelos mais novos, separar os tomates eletronicamente em grandes gôndolas de plástico que comportam até 25 toneladas do produto destinado ao enlatamento. Para acomodar o movimento rude dessas ‘fábricas no campo’, os pesquisadores agrícolas criaram novas variedades de tomates que são mais duros, mais robustos e menos saborosos. As colhedoras substituem o sistema de colheita manual, no qual as equipes de agricultores passariam pelos campos três ou quatro vezes, colocando tomates maduros em caixas e guardando os frutos verdes para uma próxima colheita. Estudos na Califórnia indicam que a máquina reduz os custos em aproximadamente 5 a 7 dólares por tonelada em comparação com a colheita manual. Mas os benefícios não são, de forma alguma, divididos igualmente pela economia agrícola. De fato, a máquina no campo, nesse caso, foi a ocasião para um profundo remodelamento das relações sociais da produção de tomate na Califórnia rural.
“Devido ao seu tamanho e custo, mais de 50.000 dólares por unidade, as máquinas são compatíveis apenas com uma forma altamente concentrada de cultivo de tomate. Com a introdução desse novo método de colheita, o número de produtores de tomate caiu de aproximadamente 4.000 no início dos anos 1960 para cerca de 600 em 1973, mas com um aumento substancial nas toneladas de tomate produzidas. No fim dos anos 1970, estima-se que, como uma consequência direta da mecanização, foram eliminados cerca de 32.000 empregos na indústria do tomate. Assim, houve um salto de produtividade em benefício dos produtores muito grandes, com o sacrifício de outras comunidades agrícolas rurais.
“A pesquisa e o desenvolvimento de máquinas agrícolas, como a colhedora de tomate, por parte da Universidade da Califórnia estão atualmente sendo objeto de uma ação movida por advogados da California Rural Legal Assistance, uma organização que representa um grupo de agricultores e outras partes interessadas. A acusação é de que as autoridades da universidade estão gastando o dinheiro dos impostos em projetos que beneficiam um punhado de interesses privados às custas dos trabalhadores rurais, dos pequenos agricultores, dos consumidores e da Califórnia rural em geral, e pede uma ordem judicial para interromper a prática. A Universidade negou essas acusações, argumentando que aceitá-las ‘exigiria a eliminação de todas as pesquisas com algum potencial de aplicação prática’.
“Pelo que eu sei, ninguém argumentou que o desenvolvimento da colhedora de tomates foi o resultado de um complô. Dois estudiosos da polêmica, William Friedland e Amy Barton, exoneram especificamente os desenvolvedores originais da máquina e do tomate duro de qualquer desejo de facilitar a concentração econômica naquela indústria. O que vemos aqui, ao invés disso, é um processo social contínuo no qual o conhecimento científico, a invenção tecnológica e o lucro corporativo se reforçam mutuamente em padrões profundamente enraizados que trazem a inconfundível marca do poder político e econômico. Ao longo de muitas décadas, a pesquisa e o desenvolvimento agrícolas em faculdades e universidades agrícolas estadunidenses tenderam a favorecer os interesses de grandes empresas do agronegócio. É diante de padrões tão sutilmente arraigados que os oponentes de inovações como a colhedora de tomate passam por ‘antitecnológicos’ ou ‘antiprogresso’. Porque a colhedora não é meramente o símbolo de uma ordem social que recompensa uns e pune outros; é, em certo sentido, uma verdadeira encarnação dessa ordem.”
A inovação tecnológica, portanto, está ligada também a fins secundários não desejados e a fenômenos de escala: nem todos podem ter acesso a esse nível de tecnologias, devido aos custos e aos investimentos necessários, mas a mudança que ela produz muda decisivamente o mercado e os players.
As plataformas sociais mudaram definitivamente o mercado da informação, fazendo implodir algumas formas de poder que, no entanto, garantiam formas de ética profissional. O sistema midiático como o conhecemos nos últimos anos, uma indústria poderosa, mas com algumas regras bem definidas, mesmo que imperfeito, garantia um sistema de informação compatível com as democracias e, em uma série de circunstâncias, ajudou o próprio exercício democrático da política.
Hoje, não é evidente que as plataformas estejam a serviço da informação ou que os conteúdos que elas propagam ainda são funcionais para a existência dos regimes democráticos. Isso também deve nos interrogar.
O poder que o Twitter tem, é sem precedentes: é a única companhia que pode censurar o cargo mais alto das instituições dos EUA. A agregação do mercado produzida pela inovação tecnológica das plataformas digitais mudou um espaço que não estava destinado a estar nas mãos do livre mercado: a política. O que significa tudo isso? Como devemos regular esse espaço para evitar que as democracias acabem como os pequenos produtores de tomate da Califórnia?
Não podemos deixar a justiça e o futuro das gerações mais jovens nas mãos de consequências indesejadas. Precisamos de uma nova consciência social para governar um espaço que não pode ser deixado para a lei do mais forte, a menos que queiramos fazer com que espaço público regrida a uma selva digital.
O exemplo da colhedora mecânica de tomate também é útil para sublinhar uma outra questão. A introdução da colhedora trouxe consigo a seleção de uma qualidade de tomate compatível com a máquina. Os efeitos dessa seleção foram sentidos principalmente no paladar: os tomates aptos a resistir ao estresse mecânico têm menos sabor.
A indústria produziu mais tomates com um custo menor, mas com uma decisiva perda de sabor. Mutatis mutandis, o digital e as plataformas inundaram a internet com notícias “trabalháveis” pelas máquinas a um custo baixíssimo, mas de qualidade igualmente ínfima.
O que acontece com aqueles cães de guarda dos regimes democráticos que são os jornalistas profissionais, em um mercado depreciado pelo digital de consumo?
(Foto: PaoloBenanti.com)
Encerremos estas breves provocações com uma última citação de Winner:
“Nenhum dos argumentos e exemplos considerados até agora abordam uma afirmação mais forte e mais problemática feita frequentemente em escritos sobre tecnologia e sociedade – a crença de que algumas tecnologias são inerentemente políticas de uma forma específica. De acordo com essa visão, a adoção de um dado sistema técnico traz consigo inevitavelmente condições para as relações humanas que têm um caráter político distinto – por exemplo, centralizado ou descentralizado, igualitário ou não igualitário, repressivo ou libertador. […]
“Se examinarmos os padrões sociais que compõem os ambientes dos sistemas técnicos, encontraremos certos dispositivos e sistemas quase invariavelmente ligados a formas específicas de organizar o poder e a autoridade. A questão importante é: esse estado das coisas deriva de uma resposta social inevitável a propriedades intratáveis nas próprias coisas ou, em vez disso, é um padrão imposto independentemente por um órgão governamental, uma classe dominante ou alguma outra instituição social ou cultural para promover seus próprios objetivos?
“Tomando o exemplo mais óbvio, a bomba atômica é um artefato inerentemente político. Apenas pelo fato de existir, suas propriedades letais demandam que ela seja controlada por uma cadeia de comando centralizada e rigidamente hierárquica, fechada a todas as influências que possam tornar seu funcionamento imprevisível. O sistema social interno da bomba deve ser autoritário; não há outro caminho. O estado das coisas surge como uma necessidade prática independentemente de qualquer sistema político mais amplo no qual a bomba esteja inserida, independentemente do tipo de regime ou do caráter de seus governantes. De fato, os Estados democráticos devem tentar encontrar formas de assegurar que as estruturas sociais e a mentalidade que caracterizam o manejo das armas nucleares não se ‘derramem’ ou se ‘espalhem’ para a política como um todo.
“A bomba, obviamente, é um caso especial. As razões pelas quais relações muito rígidas de autoridade são necessárias na sua presença imediata deveriam ser claras para todos. Se, entretanto, procurarmos outros casos em que variedades particulares de tecnologia são amplamente percebidas como tendo a necessidade de manter um padrão especial de poder e autoridade, a história técnica moderna contém uma riqueza exemplos.”
Devemos lembrar que, para guiar a inovação rumo a um autêntico desenvolvimento humano que não prejudique as pessoas e não crie fortes desequilíbrios globais, é importante aliar a ética à tecnologia.
Tornar esse valor moral algo compreensível por uma máquina envolve a criação de uma linguagem universal que coloque o ser humano no centro: uma algorética que recorde constantemente que a máquina está a serviço do ser humano, e não vice-versa.