Os aplicativos de rastreamento de contato e seus dilemas éticos. Entrevista com Paolo Benanti

Imagem: Pixabay

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12 Mai 2020

A Itália confirmou a escolha do aplicativo “Immuni”, da empresa Bending Spoon, um dos principais desenvolvedores mobile do mundo, e do Centro Médico Santagostino, preferido pelo Ministério da Inovação italiano entre os vários candidatos para o “contact tracing” [rastreamento de contato]. O aplicativo deve entrar em operação no mês de maio.

A entrevista é de Daria Arduini, publicada por Servizio Informazione Religiosa (SIR), 06-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Conversamos sobre isso com o Paolo Benanti, padre franciscano, professor de Teologia Moral e Ética das Tecnologias na Pontifícia Universidade Gregoriana e acadêmico da Pontifícia Academia para a Vida.

Eis a entrevista.

Em todo o mundo, governos e autoridades de saúde trabalham para encontrar soluções para a pandemia. O que você acha dos aplicativos de rastreamento social?

Desde as origens, quando nos encontramos diante de um artefato tecnológico, imediatamente entendemos que podíamos usá-lo como utensílio ou como arma. Desde então, sempre se faz a mesma questão, embora hoje tudo seja digital. Para compreender, portanto, se se trata de um instrumento útil para a sociedade ou não, é necessário antes responder a três perguntas: quem, como e quando. O “quem” se refere ao sujeito que está por trás do aplicativo de rastreamento. Porque é claro que, se deve servir ao bem de todos, o sujeito deve operar para a comunidade e não para o seu próprio interesse.

Depois, há o “como”. Se pedirmos aos cidadãos que forneçam seus próprios dados, devemos esclarecer qual é o objetivo. Até agora, estávamos acostumados a pagar o Serviço Sanitário Nacional [algo como o SUS italiano, nota do tradutor] com a contribuição de todos através dos impostos. Com uma doença que se propaga tão velozmente, porém, é evidente que o SSN precisa de integração. Portanto, se entendermos que os dados que damos à coletividade, ou seja, a esse sistema, são usados para nos tratar melhor como uma espécie de imposto que pagamos pela nossa saúde, é uma coisa. Se, ao invés disso, isso se torna uma expropriação da parte de um sujeito para fazer negócios, então é outra coisa bem diferente.

O rastreamento pode limitar os direitos das pessoas?

Esse é o tema da justa proporcionalidade entre o que entregamos de nós mesmos como contribuição ao bem comum e a vantagem que todos recebemos com isso. É isso que distingue um eventual aplicativo de rastreamento de ser útil ou uma ameaça à liberdade. E aqui vem outra questão: a dos dados que são utilizados para o controle dos contatos com eventuais pessoas que testaram positivo para a Covid, que tem um grande valor.

Portanto, no pacto entre assistência de saúde, Estado e cidadão, deve haver a resposta ao “quando”. Ou seja, por quanto tempo eles serão conservados e para que serão utilizados. Somente se o período previsto for o estritamente necessário ou se forem empregados exclusivamente para essa finalidade é que poderemos dizer que são mitigados os efeitos desse sistema, que, de fato, é de controle das pessoas.

O que você achou do aplicativo “Immuni”?

Penso que a questão não é mais sobre o app ou sobre o cidadão, mas sobre a política. No sentido de que é preciso escolher, acima de tudo, qual sistema será adotado. Ele se apoiará naquele que foi desenvolvido pelas duas grandes empresas estadunidenses Apple e Google ou aproveitará outros modelos de descentralização ou modalidades próprias? Supondo ainda que o app seja corrigido para que reflita os três critérios de que falamos, resta um fato: se ele será de instalação voluntária ou obrigatória. Uma questão política também. Sem considerar que o pedido da utilização de um smartphone com bluetooth criará um corte dentro da cidadania, porque nem todos têm dispositivos desse tipo ou são capazes de usá-los.

Portanto, há também um problema de justiça social...

Se nos focarmos apenas no aplicativo, estamos dizendo que só é importante a vida de quem usa o smartphone. Este pode ser um instrumento a mais, mas a resposta deve ser social, porque cada um é uma vida que tem dignidade e direitos. Não podemos delegar isso à tecnologia, que pode ser um suporte, mas permanecendo sempre humanos. A resposta a essa pandemia deve ser uma resposta humana. Caso contrário, corremos o risco de perfis distópicos e desumanos. Considerar o modelo smartphone o padrão significa afirmar que quem fica de fora, crianças, idosos, pobres, é de segunda categoria.

Podemos renunciar à nossa privacidade para o bem da comunidade?

Se colocarmos o altar da privacidade contra o da comunidade, estamos criando um falso dilema. Porque, na modalidade com que esse app funciona, o rastreamento é anônimo. Pelo contrário, trata-se de dados pessoais, e não de privacidade. A privacidade é aquele recinto dentro do qual cada um de nós faz aquilo que deseja, e ninguém pode entrar. Mas a diferença aqui é que estamos fornecendo um instrumento flexível e anônimo para poder reconstruir os últimos 14 dias de uma vida que, no entanto, envolve muitos intercâmbios e encontros.

O “Immuni” será útil para nos proteger dos contágios?

É claro que o app sozinho, sem testes, sem um sistema de Serviço Sanitário Nacional, é inútil. Porque não é um lugar para delegar a nossa segurança, mas sim um instrumento para potencializar os procedimentos normais de contenção da difusão do vírus. Portanto, isso vai depender de quanto ele será integrado a outros sistemas de controle e, sobretudo, de quantas pessoas o instalarão.

 

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