26 Novembro 2020
As palavras do Papa Francisco sobre os uigures perseguidos no Xinjiang não vão abrir uma crise com o governo chinês, explica o sinologista Francesco Sisci. Mas o tema da liberdade religiosa é muito presente nos católicos estadunidenses e continuará a ser uma prioridade com Joe Biden na Casa Branca.
Mais do que uma inundação, uma onda pequena e efêmera, que ficou contida dentro dos diques. As palavras do Papa Francisco sobre os uigures, os muçulmanos detidos na região chinesa do Xinjiang e listados entre os "povos perseguidos" em seu último livro, "Ritorniamo a sognare. La strada verso um futuro migliore” (Vamos voltar a sonhar. O caminho rumo a um futuro melhor, Piemme) não dará origem a uma crise diplomática entre a China e a Santa Sé. Esta é a convicção de Francesco Sisci, sinologista e professor da Universidade do Povo de Pequim. O acordo sobre a nomeação dos bispos que acaba de ser prorrogado, explica ele, vai prosseguir.
A entrevista é de Francesco Bechis, publicada por Formiche, 24-11-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sisci, é uma saída preparada?
Certamente não foi improvisada. Há muito tempo havia pressão sobre o papa para dizer algo sobre o destino dos uigures. Ele o fez com calma, porque, como líder da Igreja, deve pensar não apenas na questão chinesa, mas em todo o conjunto do mundo católico.
O Ministério das Relações Exteriores da China classificou suas palavras como "infundadas". Não é pouco.
É verdade, mas é uma reação dentro dos limites e até certo ponto previsível. O governo chinês não podia ficar indiferente, mas respondeu calibrando cuidadosamente as palavras. É inevitável que uma relação tão delicada tenha diferenças e é bom que elas sejam expressas com clareza.
Portanto, nada de crise?
Estamos longe de um rompimento. Escuto dizer que o papa deveria pressionar mais. Esse jogo de limites me parece especioso, às vezes antipapista. Poucos líderes sunitas e xiitas expressaram uma palavra de solidariedade aos uigures. No entanto, ninguém protesta contra Erdogan ou Mohamed Bin Salman.
Em outubro, a Santa Sé renovou o acordo para a nomeação de bispos com o governo chinês. Esse acordo tem impacto sobre o respeito pelos direitos humanos?
A esperança é que tenha um impacto positivo. É um acordo eclesial que leva adiante instâncias religiosas, mas pode ter repercussões fora desse perímetro. Claro, pensar que o diálogo do Vaticano leve à democracia na China é uma ilusão piedosa. Mas seria um erro considerá-lo inútil.
A prorrogação é para mais dois anos. Qual é o objetivo de médio prazo?
Alcançar novas nomeações de bispos chineses. Houve apenas duas até agora. A pandemia teve uma grande influência, que efetivamente paralisou um ano do acordo e fará o mesmo no próximo ano. Enquanto a China permanecer em isolamento, é difícil falar uns com os outros e monitorar sua aplicação.
Que papel os jesuítas desempenham por trás da política chinesa do Vaticano?
Não descobrimos de hoje que os Jesuítas são os guardiães de um diálogo secular com a China. Mas, como é justo e normal que seja, essas conversas estão nas mãos firmes da Secretaria de Estado, onde nestes trinta anos figuras do calibre de Monsenhor Celli desempenharam um papel extremamente importante.
É verdade que a comunidade católica nos Estados Unidos não vê com bons olhos este diálogo com a China?
É preciso perguntar isso aos católicos estadunidenses. Certamente, a questão chinesa é particularmente presente nos EUA, bem como em outros países asiáticos aliados.
Há dois meses, foi evitado por pouco um incidente diplomático entre os Estados Unidos e a Santa Sé justamente a respeito das relações com o governo chinês. Isso pode acontecer novamente com Joe Biden na Casa Branca?
Não podemos prever nada ainda. Sabemos que a administração republicana de Donald Trump tinha como interlocutores religiosos alguns setores da hierarquia católica mais conservadora e frequentemente crítica do papa. Por outro lado, Biden fala mais facilmente com uma parte da comunidade católica próxima às instâncias do Papa Francisco. Será mais fácil encontrar uma consonância.