22 Outubro 2020
"A pergunta que fica é: aonde iremos chegar diante de tantas promessas baratas, discussões antiquadas, e quase ‘indegustáveis’ da velha e nova política?", escreve Claudinei Reis Pereira, professor, doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Piauí – UFPI, especialista em Lógica e Ciências Cognitivas pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA, especialista em Ética e Política pelo Instituto de Estudos Superiores do Maranhão – IESMA e graduado em filosofia também pelo Instituto de Estudos Superiores do Maranhão – IESMA.
Eis o campo inóspito, insípido e paradoxal da experiência humana: a política. Aquilo que Aristóteles declara em sua obra clássica A política, que o homem por natureza é um zoon politikon, isto é, o homem é, por natureza, um animal político, o que quase sempre nos coloca no campo da dúvida mais hiperbólica que o método investigativo de René Descartes.
No âmbito da vida política vive-se mais de sonhos e promessas do que realidades. Nesse período efervescente de campanhas de eleições municipais, novos rostos se configuram “mais uma vez” em uma promessa já conhecida por todos: “já conhecemos esta narrativa”. Cartazes espalhados por todos os lados, propagandas televisivas e via rádio em exaustão. Longas caminhadas se prolongam pelas avenidas principais das grandes e pequenas cidades, carros barulhentos, apertos de mãos, troca de olhares, um socorro ao “pobre miserável”, “dinheiro distribuído a olho nu”, uma visita e uma conversa, que nunca antes fora experienciada.
Mas isso é apenas o começo. Projetos, que anteriormente foram esquecidos, são retomados pela “velha guarda” e escrupulosos do campo eleitoral: praças reformadas, muros erguidos, o asfalto quente pelo chão e escolas retomam sua importância para nação. Os arcaicos, os “anelídeos das conhecidas classes dos hirudíneos” (sanguessugas), que vivem quase um “século” de promessas, são “sucedidos” por propostas de mudanças significativas, entretanto, seu status se aproxima mais por um “Eu” desejante que se configura em velhas e conhecidas práticas.
Como se não bastasse, aquilo que era conhecido como “mentiras”, “falsidades”, “papo-furado”, “conversa fiada”, “enganação”, “lorota”, “pretexto”, “embromação”, “engodo”, toma agora uma nova nomenclatura. Ao que se percebe, um saudosismo colonialista intelectual que reverencia um eurocentrismo e americanismo, que se nomenclatura por aquilo já conhecido por “todos”: as fake news. Estas, por sua vez, apresentam-se como o balizador da liberdade de espírito e a incompetência, as gafes são a garantia de autenticidade.
Giuliano Da Empoli, em Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, relata a história de Dominic Cummings, diretor da campanha do Brexit, que afirma: “se você quer fazer progressos em política, não contrate experts ou comunicadores. É melhor utilizar os físicos. Graças ao trabalho de uma equipe de cientistas de dados, Cummings pôde atingir milhões de eleitores indecisos, cuja existência os adversários sequer supunham, e dirigir a eles exatamente as mensagens que precisavam receber, no momento certo, a fim de fazê-los pender a balança para o lado do Brexit”.
Segundo o pesquisador especialista em antropologia da informática e professor da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, David Nemer: “durante as eleições de 2018, o WhatsApp foi uma das principais plataformas para a disseminação das chamadas fake news. Os conteúdos de desinformação circularam não só em grupos de temática política mas também em grupos pessoais como os de família, estudos, e igreja. Um dos seus efeitos mais sentidos após as eleições foi a hiperpolarização da sociedade, o que levou diversos pesquisadores a focarem seus estudos no aplicativo para compreenderem e mitigarem tais efeitos. Infelizmente, o WhatsApp ainda será um campo fértil para as fake news em 2020. Porém, será no Instagram onde novas e poderosas formas de propagação de desinformação tomarão forma e potencialmente afetarão as próximas eleições.” (Cf. Artigo Revista IHU – Online: Instagram, uso político e ‘fake news’ em 2020).
De acordo ainda com o pesquisador, “desde 2012, quando o Facebook comprou o Instagram, a rede social vem se expandindo rapidamente. Atualmente, o Instagram tem mais de 1 bilhão de usuários ativos no mundo, e o Brasil ocupa a terceira posição em números de usuários, com mais de 72 milhões. Um dos motivos para a rápida expansão é o fato dos brasileiros estarem cansados da interface desordenada do Facebook e dos complicados controles de privacidade. O Instagram segue uma linha de tempo (timeline) mais simples e de fácil navegação, onde o usuário basicamente só precisa arrastar para cima ou para baixo, e dar dois toques para curtir uma foto. Um outro motivo para a popularização do aplicativo foi a introdução dos stories em 2016 - inspirado na funcionalidade do Snapchat, o Instagram implementou um espaço onde o usuário pode compartilhar fotos e vídeos do seu dia a dia sem preocupação já que sabe que são postagens que duram 24 horas”.
Os memes, os vídeos curtos de stories, tornar-se-ão o campo aberto para propagação em massa de desinformação. Ademais, o Instagram, segundo estudos do Comitê de Inteligência do Senado Americano, relata que “passou mais tempo em 2016-2017 engajando seus esforços de propagandas no Instagram do que Facebook e Twitter”.
Como se sabe, fazer este monitoramento é extremamente “completo” e exaustivo, entretanto, para Paul M. Barrett, da Universidade de Nova York, “uma vez que as plataformas determinam que o material é comprovadamente falso, ele deve ser eliminado para que não se espalhe mais”.
Em contrapartida, atualmente no Brasil segundo a matéria do Jornal Folha de São Paulo, “WhatsApp acusa alvo de CPI de driblar decisão judicial e fazer disparo em massa”, a matéria destaca que “O WhatsApp acusa a Yacows, agência de marketing alvo da CPMI (comissão parlamentar mista de inquérito) das Fake News no Congresso, de driblar decisão judicial para continuar fazendo disparos em massa por meio de uma empresa de fachada, a Message Flow”. Após interpelação judicial, a Message Flow foi proibida pela Justiça no último dia 29 de “desenvolver, distribuir, promover, operar, vender e ofertar serviços de envio de mensagens em massa pelo WhatsApp”. Segundo despacho do juiz Eduardo Palma Pellegrinelli, em caso de descumprimento, a empresa e seus proprietários terão de pagar multa diária de R$ 50 mil. Na última sexta-feira (2), o site já estava fora do ar. De acordo com o WhatsApp, a Message Flow é, na realidade, uma tentativa de a Yacows burlar a lei”. Ainda segundo a matéria, “Em abril deste ano, o WhatsApp processou a Yacows e suas coligadas, a Kiplix, Deep Marketing e Maut, por uso indevido da marca e por ferir os termos de uso da plataforma ao oferecer disparos em massa”.
Como é possível perceber, mesmo diante de interferência judicial ou PCI montada contra as fake news, temos um longo desafio não só para eleições, mas para as gerações futuras em suas relações pessoas. As eleições 2020 (municipais) podem ser comparadas a um carnaval fora de época, como destacou certa vez o cientista político brasileiro Alberto Carlos Almeida, em suas “previsões eleitorais”. O Carnaval lembra-nos a experiência da carne, em que as máscaras e vestimentas fazem parte do jogo do entretenimento. Ademais, para Giuliano Da Empoli, “o Carnaval não é a festa como as outras, mas a expressão de um sentimento profundo e impossível de se deter, latente sob as cinzas da cultura do povo. Não é por acaso, como observa Goethe, que não se trata de uma celebração oferecida ao povo pelas autoridades, mas sim uma ‘festa que o povo oferece a si mesmo’”.
No campo político, vivemos uma espécie do erotismo político, ou seja: saímos do sex shops para exposições do “mamaderismo erótico”, do homobismo, do conservadorismo ao liberalismo, das drogas aos “bons costumes como fim avaliativo”. Na verdade, só os projetos e sonhos de novos candidatos parecem não ser suficientes para o sucesso diante das eleições, mas as máscaras postuladas intencionalmente podem se tornar um novo aliado diante da insuficiência das práticas políticas. Aliás, “segundo declarações do estrategista do Brexit (Cummings), ele mesmo, tirar uma conclusão perturbadora: 'se você é jovem, inteligente e se interessa por política, pense bem antes de estudar ciências políticas na universidade. Você deveria se interessar, em vez disso, em estudar matemática ou física. Num segundo momento você poderá entrar na política e terá conhecimentos mais úteis, com aplicações infinitas [...]".
Assim, a pergunta que fica é: aonde iremos chegar diante de tantas promessas baratas, discussões antiquadas, e quase ‘indegustáveis’ da velha e nova política? Para essa pergunta não cabe a mim uma resposta, mas ao próprio eleitor analisar o emaranhado de informações e discursos, viver felizmente ou infelizmente, ao que tudo indica, de uma aposta, talvez como dissera o filósofo Nietzsche o “eterno retorno do mesmo” diante de uma aposta obscura, mas ao mesmo tempo que persegue “o dever como esperança”.
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"O dever e a inesperança: renovação política ou uma nova produção da engenharia do caos nas eleições 2020?" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU