Da China aos Estados Unidos, os métodos empregados e os pressupostos antropológicos são mais ou menos os mesmos em matéria de tecnologia: controle das populações, fantasma da totalidade, superação das limitações humanas e aspirações à onipotência.
Frente a esta lógica imperante, o filósofo chinês Yuk Hui propõe sair da oposição entre a rejeição precipitada da técnica e o progressismo beato. É preciso repensar, afirma, as tecnologias em sua diversidade e sua localidade, tomando consciência do que chama de ‘cosmotécnicas’.
Enquanto em Hong Kong, onde leciona, as revoltas contra a Lei de Segurança Nacional chinesa enfrentam uma repressão cada vez mais dura, falamos com ele a respeito das consequências da hegemonia do sistema cibernético contemporâneo para a cultura, a ecologia e as lutas sociais.
A entrevista é publicada por Viento Sur, 25-08-2020. A tradução é do Cepat.
'Mudar o sistema, combater o sistema, aproveitar o sistema': o espaço político e midiático está saturado desta referência, uma ordem do mundo que nunca se define com precisão, mas que se supõe evidente. Em seu último livro, “Recursivity and Contingency”, você desenvolve uma análise detalhada da história filosófica deste conceito. Trata-se do mesmo ‘sistema’?
Com muita frequência, emprega-se o termo ‘sistema’ para designar um conjunto regulado por necessidades. Como você disse, este termo é muito ambíguo. Fala-se de sistema filosófico, de sistema estatal, de sistema mundial. Trata-se de questões diferentes, mas que compartilham a mesma noção e, portanto, a genealogia desta noção. Para compreender melhor o núcleo deste termo temos que indagar, portanto, um pouco de sua história.
Foi entre os séculos XVII e XVIII que a noção de sistema adquiriu a importância que possui na filosofia, desde então, mas convém destacar que naquele momento este termo tinha dois sentidos. O sistema ‘mecânico’, em primeiro lugar, que podemos fazer remontar a Descartes, levanta-se sobre as bases da ciência física e considera todas as coisas a partir das leis naturais que a constituem. Por exemplo, todas as partes de uma laranja seguem leis naturais e físicas e se constituem umas em relação às outras em uma ordem de causalidade linear.
Com Kant emerge uma nova noção de sistema, inspirada pelas descobertas da biologia (que naquele momento não se considerava uma disciplina científica). O organismo mostra outra estrutura distinta do sistema mecânico: o ser vivo é regido por uma causalidade não linear, imanente, de maneira que não se pode explicar seu funcionamento à luz das leis mecânicas. A causa de sua estrutura não vem do exterior, é a própria totalidade que é a sua causa. A estrutura de uma árvore, por exemplo, corresponde a uma organização distinta da do modelo mecânico: suas diferentes partes mantêm entre si uma relação de comunidade e reciprocidade que faz com que todas as partes contribuam para um todo – a árvore – e só sejam inteligíveis a partir deste todo. É o sistema ‘orgânico’.
Destas duas concepções do sistema derivam, em paralelo, duas concepções diferentes do Estado. Enquanto na filosofia política de Hobbes o Estado é mecânico, na de Hegel, é orgânico. Se queremos ‘mudar o sistema’, é preciso questionar a epistemologia do sistema e sua relação com o Estado e o capital.
Poderíamos dizer, a partir deste ponto de vista, que toda a ambição da filosofia moderna foi inventar uma noção de sistema que seja um instrumento de análise (para os objetos das ciências ou para a sociedade). Mas é preciso compreender que quando são analisados objetos com uma determinada concepção do sistema (como instrumento, portanto), ao mesmo tempo, esse sistema é executado. Sendo assim, ainda que tenhamos visto se desenvolver na filosofia, a partir do século XVIII, uma noção orgânica de sistema, sua acepção mecânica clássica subsistiu e inclusive culminou no momento de sua realização, no século XIX, no industrialismo. E só na segunda metade do século XX se materializou, por sua vez, a segunda noção de sistema, o orgânico, com o nascimento da cibernética.
A cibernética deveria ser entendida, então, como a realização, nas máquinas, deste conceito filosófico de ‘sistema’?
Poderíamos defini-la assim, de fato. Em Recursivity and Contingency, procuro mostrar que a formalização filosófica dos sistemas artificiais (inclusive a inteligência artificial, caso se entenda a inteligência como o elemento central do espírito) alcança seu ponto culminante em Hegel. Por sua parte, o filósofo alemão Gotthard Günther mostra em seu livro La Conscience des machines que a cibernética corresponde à realização prática da lógica hegeliana. A noção de sistema é, portanto, onipresente na filosofia e na sociedade moderna, mas a diferença entre nossa época e a de Hegel é que nós nos deparamos com um sistema materializado através das máquinas cibernéticas.
A máquina orgânica mais avançada que Hegel contemplou era o Estado. Os transumanistas aspiram, por sua parte, a substituição do Estado – ainda muito humano do seu ponto de vista – pelas inteligências artificiais. Daí que não se possa dizer simplesmente que as máquinas cibernéticas são orgânicas e mecânicas, porque cada vez se parecem mais com organismos. Seria necessário considerá-las muito mais como um mecanismo orgânico.
Em outras palavras, passamos do ‘inorgânico organizado’ (um termo do arqueólogo da pré-história André Leroi-Gourhan, que designa a invenção da ferramenta) ao ‘inorgânico organizador’, que corresponderia ao que Gilles Deleuze chamaria de ‘sociedades de controle’, cuja manifestação mais clara podemos ver atualmente em determinados países, através da aplicação de dispositivos estatais encaminhados para rastrear o vírus e confinar as pessoas.
Em que sentido esta compreensão do sistema cibernético é importante do ponto de vista político?
É preciso ter claro que a cibernética consiste em uma superação dos dois modelos precedentes (mecânico e orgânico) e de sua dualidade. Em linhas gerais, desde Descartes se pensa a máquina em sua oposição ao orgânico, e este dualismo reaparece hoje nas críticas ‘ingênuas’ à cibernética, que pressupõem que as máquinas modernas só são mecânicas e não orgânicas. Pois bem, o dualismo em que se baseia este tipo de crítica foi precisamente o alvo contra o qual a cibernética apontou.
Do mesmo modo que a filosofia contemporânea se esforça para superar o dualismo entre sujeito e objeto ou entre ser humano e meio ambiente, manifestando a continuidade entre os dois polos, em vez de sua oposição, e integrando um em outro, também os teóricos da cibernética – do matemático Norbert Wiener ao sociólogo Niklas Luhmann – buscam superar esta lógica dualista que opõe máquina e organismo. Sendo assim, acredito que a lógica dualista já não é o que está em jogo atualmente, o que está em jogo é muito mais a lógica totalizadora, unificada, exemplificada pela cibernética.
A realização desta lógica implicaria o desaparecimento de todo exterior possível, em benefício deste sistema único. E isto é precisamente o que os transumanistas se esforçam para fazer. Sob pretexto de “ultrapassar os limites do humano” e realizar o que Nietzsche chama de super-homem, há uma carta metafísica, baseada nesta lógica totalizadora da cibernética. Esta lógica ordena acelerar o desenvolvimento tecnológico para chegar um dia ao seu cume, denominado como a ‘singularidade’. Em suma, segundo os cibernéticos, a aceleração do progresso tecnológico se encaminharia mecanicamente para um fim, que seria esta singularidade e que encerra um sentido teológico ambíguo, entre o Anticristo e o Katechon.
De seu ponto de vista, o progresso humano depende exclusivamente da tecnologia. E, neste sentido, a explosão que assistimos, atualmente, da inteligência das máquinas não só reflete um avanço tecnológico, como também um programa político que pretende realizar, dentro de um prazo determinado, uma superinteligência capaz de se encarregar dos assuntos dos Estados e substituir aos governos. Vê-se que esta lógica totalizadora e unificadora do sistema cibernético tem consequências políticas diretas.
A questão da estratégia que é necessário adotar diante deste ‘sistema’ divide a esquerda. Transformá-lo por dentro? Destrui-lo? Desertar? O que é preferível de acordo com a sua análise?
A questão está enviesada, afirma que não existe mais que um sistema e que estamos confinados dentro dele, como em um circuito fechado em si. Este é o erro dos transumanistas, que conduz à crença futurista de que somente o cumprimento da lógica interna do sistema e, portanto, a aceleração tecnológica permite superar os problemas (seja qual for). Pelo contrário, penso que é necessário inventar um paradigma que nos permita sair desta totalidade do ‘sistema’.
Em Du Mode d’existence des objets techniques, o filósofo Gilbert Simondon propunha situar a técnica em sua gênese, demonstrando com isso que existe uma realidade mais ampla, que permite individuar a própria tecnicidade e a relacionar histórica e dinamicamente com outros pensamentos, como o pensamento religioso, o estético e o filosófico. A análise de Simondon permite de algum modo encontrar um ‘exterior’ e, deste modo, formular de forma diferente a questão do papel da técnica na vida humana.
De minha parte, proponho abordar a técnica a partir da ideia de ‘fragmentação’. Trata-se de buscar a ‘localidade’ da técnica frente ao mito de sua universalidade. O desenvolvimento de uma tecnologia como os pesticidas, por exemplo, é revelador da lógica totalizadora da qual falava: baseia-se na ideia de que um mesmo produto pode eliminar todos os insetos de uma mesma espécie pelo fato de que compartilham a mesma estrutura bioquímica. No entanto, os efeitos dos pesticidas dependem do ar, do tempo, do clima, etc., de modo que, de fato, é impossível utilizar da mesma maneira os pesticidas em todas as partes. Este exemplo mostra a necessidade de derrubar a lógica universal. Isto é o que pretendo buscando a ‘localidade’ da técnica, que a inscreve em uma realidade mais ampla que ela.
Desde que foi publicada sua obra “The Question Concerning Technology in China”, você elabora o conceito de ‘cosmotécnica’. Por acaso, permite a você identificar localidades da técnica?
A cosmotécnica, efetivamente, sempre é local. Uma cosmotécnica corresponde à unificação, nas atividades técnicas, das ordens cósmica e moral. Ordens que diferem de uma sociedade para outra. Por exemplo, os chineses não tinham o mesmo conceito moral que os gregos. A cosmotécnica delineia, portanto, de entrada, a questão da localidade. É uma investigação sobre a relação entre a tecnologia e a localidade, ou seja, uma busca dos lugares que permitem que a tecnologia se diferencie.
Ao contrário, na lógica da filosofia moderna, delineia-se um esquema ou uma lógica superior e universal (e transcendental) e, em seguida, basta impor em todas as partes, indiferentemente. Esta modalidade ignora a questão da localidade ou pelo menos a trata como um lugar diferente somente do ponto de vista geográfico, mas não diferente qualitativamente.
A lógica totalizadora da cibernética, hoje triunfante, vai na mesma direção. Portanto, é preciso ampliar a noção de epistemologia e voltar à técnica, de modo que já não seja mais concebida como algo neutro. Isto é o que proponho fazer graças à noção de ‘fragmentação’: partir dos diferentes fragmentos do globo que constituem as localidades. Isto nos obriga a formular problemas locais e soluções locais, e ao mesmo tempo nos permite explorar as perspectivas possíveis que esse local encerra.
A epistemologia fragmentada já foi teorizada em outros campos, particularmente na antropologia com os trabalhos de Philippe Descola e Eduardo Viveiros de Castro. Em seu livro Metafísicas canibais, este último propõe falar mais em multinaturalismo que em multiculturalismo. O termo multiculturalismo supõe que uma natureza única está dominada por diferentes culturas, ao contrário, o multinaturalismo significa que existe uma pluralidade de naturezas, dominadas por uma única cultura: a cultura ocidental moderna.
Pode nos dar um exemplo de ‘cosmotécnica’?
Podemos tomar o da medicina chinesa. A epistemologia da medicina chinesa é muito diferente da epistemologia da medicina ocidental, porque se baseia na cosmologia chinesa, que por sua vez é muito diferente da cosmologia ocidental. Na medicina chinesa falamos de ch’i (energia), do yin e do yang, dos cinco movimentos. Se um médico ocidental pede a um médico chinês que demonstre a ch’i ou o yin e o yang, como ele faria em anatomia, a discussão será impossível. Por isso, caso se utilize a medicina ocidental como norma, pode-se desacreditar o conjunto do sistema de conhecimento da medicina chinesa.
Mas o que me parece mais interessante é ver a comparação entre os dois pensamentos e a maneira como a medicina chinesa se apropriou – ou melhor dito, buscou se apropriar – da tecnologia moderna ocidental, desde que se viu confrontada com ela. Digo “buscou” porque é um processo que segue em curso de experimentação, há mais de um século. O erro dos intelectuais chineses, no início, foi separar – sobre a base de um dualismo entre alma e corpo – o pensamento chinês e as tecnologias ocidentais, crendo que assim seria possível integrar as máquinas modernas, sem modificar o pensamento chinês. Inclusive, houve um lema que enfatizava o que então parecia evidente: “As ciências ocidentais como meio, o pensamento chinês como fundamento”.
No entanto, na realidade, as tecnologias ocidentais marginalizaram progressivamente o pensamento chinês, até o ponto em que este último já não soube qual poderia ser o seu lugar no processo de modernização. Isto se vê no caso da medicina, mas também no do sistema educacional, social, político, militar, etc.
Poderíamos dizer de maneira esquemática que a globalização, a partir do século XIX, foi um período de universalização da técnica ocidental, após o fracasso de sua tentativa de universalização da religião no século XVI, como sustenta o historiador britânico Arnold Toynbee. Países como o Japão e a China se equivocaram pensando que a técnica não afetaria seus pensamentos tradicionais. Esta é a verdade que se evidenciou durante o século passado. De maneira geral, a diversidade tecnológica está desaparecendo e se homogeneizando por causa da hegemonia cibernética.
O desenvolvimento tecnológico em todo o mundo já não é mais que um vasto processo de ‘tradução’. Exatamente como ocorre com a tradução linguística, para cada elemento do sistema se buscam equivalências entre as diferentes culturas, ainda que isto nunca funcione verdadeiramente. No entanto, penso que atualmente entramos em uma nova fase da globalização e que é necessário renovar nossa epistemologia para imaginar uma nova ordem geopolítica.
O que acredito que é necessário fazer, diante desta empresa de tradução – que se esforça, finalmente, por calçar tudo dentro do mesmo sistema e avaliar tudo à luz das mesmas classificações -, é compreender que existe uma diversidade de tecnologias e trabalhar no sentido do que chamo de tecnodiversidade. A tecnodiversidade implica em pensar divergências no seio do desenvolvimento tecnológico (como histórias culturais), ou seja, produzir tecnologias alternativas.
A reflexão sobre a técnica adquire uma ressonância particular agora, em sua articulação com a questão ecológica. Em que sentido a via da tecnodiversidade, que você propõe, parece mais pertinente frente à questão ecológica que a da crítica pura e simples da técnica?
Penso que o dualismo que reaparece muito frequentemente nos debates ecológicos, entre a tecnologia por um lado e a natureza por outro, descansa sobre uma formulação ingênua do problema, baseada em um conceito de tecnologia herdado do mecanismo de Descartes. Como já lhe disse, a própria cibernética superou este dualismo, de maneira que a máquina contemporânea com a qual temos que lidar não pode mais se opor simplesmente à natureza. Portanto, não se deve rejeitar em bloco a epistemologia cibernética, mas, ao contrário, reapropriar-se, pois permite reformular ou pensar melhor a questão ecológica.
Caso contemplemos a história da noção de ecologia, para o biólogo alemão Ernst Haeckel – o inventor da palavra – significava a articulação da relação entre o organismo e seu meio. Mostra que existe uma retroação, ou feedback, entre o organismo e o meio, o que a cibernética poderá analisar como operação de informação. O termo meio será retomado posteriormente e aprofundado por biólogos e cibernéticos como Jakob von Uexküll, Gregory Bateson, James Lovelock, etc.
Nesta perspectiva, o teórico canadense Marshall McLuhan afirmou em uma entrevista, em 1974, que o lançamento do satélite Sputnik, em 1957, marcou o fim da natureza e o começo da ecologia. Ou seja, a própria Terra havia se tornado, naquele momento, um objeto técnico. Quando se fala de ecologia, não se pode mais ter como base um dualismo esquemático entre ordem mecânica e ordem natural. Deste ponto de vista, até mesmo a exortação ‘proteger a natureza’ é problemática. E os trabalhos de antropólogos como Descola, que tratam, com razão, de superar o dualismo entre natureza e cultura, não foram suficientemente longe. Contentam-se com ‘voltar à natureza’ e, com isso, evitam enfrentar a questão da tecnologia, que está no fundo do problema ecológico.
A questão da preservação da biodiversidade não pode ser separada da questão da tecnodiversidade, porque não é possível manter a biodiversidade conservando as espécies como se faria em um zoológico. A única solução viável consiste em desenvolver tecnologias locais que permitam programas de coexistência.
Você cresceu em Hong Kong e leciona lá. O estatuto particular desta região, cujo retorno à China, em 1997, foi realizado em conformidade com o princípio de ‘um país, dois sistemas’, permite constituir um ponto de apoio para escapar da hegemonia cibernética?
Este princípio de ‘um país, dois sistemas’, estabelecido pelo presidente chinês da época, Deng Xiaoping, poderia ter sido uma ideia genial: abre a possibilidade de realizar um sistema político que vai ainda mais longe na ideia de fragmentação que o da federação (na Alemanha ou nos Estados Unidos, que são federações, continua sendo o mesmo sistema que permanece por todo o país, ainda que com especificidades). No entanto, a China fracassou na realização desta ideia.
Os pensadores do Estado chinês não conseguem compreender a importância desta possibilidade, de modo que este princípio, que deveria ser aplicado a Hong Kong, está a ponto de desaparecer. O que deveria garantir o respeito à especificidade do país se converte, ao contrário, em uma espécie de desculpa para impor, mediante a assimilação, um único sistema de valores. Ao impor as leis de segurança nacional para pacificar as manifestações em Hong Kong, a China ameaça destruir a possibilidade de uma nova forma de filosofia política, que a especificidade geográfica e histórica de Hong Kong poderia ter servido para experimentar.
Com a pandemia de coronavírus e a guerra ideológica entre a China e os Estados Unidos, estamos agora em um momento crítico. A política mundial parece ter se tornado uma espécie de decisionismo no sentido de Carl Schmitt: é soberano quem decide sobre o estado de exceção. No entanto, as manifestações que ocorrem em Hong Kong, desde 2014, tornaram-se cada vez mais claramente uma espécie de testemunho da guerra ideológica entre a China e os Estados Unidos, entre o autoritarismo e o liberalismo, embora esta oposição não basta para compreender a complexa situação que vive Hong Kong. Isto nos obriga a repensar o tipo de globalização que governará a geopolítica no século XXI.
Em seu tratado À paz perpétua, Kant almeja um modelo orgânico no qual os países devem se respeitar porque cada um está condicionado pelo todo. Proponho reler este projeto kantiano a partir da genealogia da noção de sistema do qual falávamos, com o objetivo de atualizá-la expondo seus limites. Se ainda almejamos este ideal de ‘paz perpétua’, os conceitos que herdamos do século XVIII – como é o caso do conceito de sistema – devem ser repensados de uma maneira rigorosa e radical. Esta é também a razão pela que a questão de Hong Kong não afeta somente a política chinesa, como se acredita muitas vezes, mas constitui um experimento que encerra um significado para todo o mundo.