17 Julho 2020
O dia 18 de julho marca o 150º aniversário dos dogmas sobre a infalibilidade papal e a jurisdição universal.
O comentário é de John O’Loughlin Kennedy, economista aposentado com estudos de pós-graduação na Universidade da Califórnia (UCLA). Ele e sua esposa, Kay, fundaram a Concern Worldwide em 1968, que atualmente emprega 3.800 pessoas em projetos de assistência humanitária e desenvolvimento médico, educacional e econômico em 28 dos países mais pobres do mundo.
O artigo abaixo é um resumo de um livro que ele está atualmente concluindo e foi publicado em La Croix International, 16-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os dois dogmas adotados há 150 anos neste mês no Concílio Vaticano I merecem contemplação e não celebração.
A votação final foi acompanhada por uma violenta tempestade sobre a Basílica de São Pedro, uma escuridão iluminada apenas pelos relâmpagos frequentes e por uma vela flamejante trazida para permitir que a lista de votação fosse lida.
Ninguém duvidou de que a tempestade era providencial. Os favoráveis interpretaram-na como uma queima de fogos celestiais. Os contrários, como um sinal de desaprovação divina em relação à ambição que influenciava a doutrina. Quem estava certo ainda está aberto ao debate.
O objetivo do Concílio era fortalecer o papado em seus papéis de ensino e governo. Isso não era afirmado abertamente, mas o Papa Pio IX demonstrou isso além da dúvida por meio de suas ações.
Quando o tempo estava acabando, e o calor do verão romano que se aproximava, sinalizava um recesso, o papa abandonou sua posição inicial de neutralidade sobre as questões gêmeas da infalibilidade papal e da jurisdição universal. Ele fez saber que queria que eles as aprovassem.
Ele mudou a agenda abruptamente, interrompendo a discussão sobre os primeiros capítulos da Pastor aeternus para apresentar um novo capítulo IV, que tratava do seu próprio ofício e que propunha transformar as duas teorias disputadas em crenças que seriam essenciais para a salvação.
Quando ficou óbvio que nenhum desses ensinamentos poderia comandar a virtual unanimidade tradicional para as grandes decisões nos Concílios, ele deixou de lado a tradição e decidiu que uma maioria simples serviria.
Com base nisso, os dogmas foram adotados no dia 18 de julho de 1870, e o Concílio se desfez no verão, com a intenção de se reunir novamente no dia 11 de novembro.
No dia 20 de outubro, no entanto, Pio IX adiou o Concílio indefinidamente por causa da Guerra Franco-Prussiana e da perda de Roma para as forças que unificaram a Itália. A sugestão de que o Concílio deveria ser convocado em outro local foi ignorada.
Embora o Concílio tenha completado apenas uma pequena fração da sua pauta original, Pio IX nunca o reconvocou. Nem seus sucessores.
Julgado pelos seus frutos, o Vaticano I foi um desastre. Ele endossava legal e moralmente as ambições administrativas e doutrinais que haviam desempenhado um papel crucial no Cisma Oriente-Ocidente e na Reforma.
Em vez de resolver essas divisões, como muitos dos bispos presentes esperavam, o Concílio criou maiores obstáculos à unidade cristã. Ele rompeu com o próprio primeiro Concílio da Igreja em Jerusalém, que adotara o princípio de não sobrecarregar a consciência do povo desnecessariamente.
Isso ocasionou outro cisma, o dos Vetero-Católicos de Utrecht, que não podiam professar honestamente o novo dogma da infalibilidade papal.
Externamente, em nível social e político, a infalibilidade causou danos permanentes.
Ela provocou o Kulturkampf na Alemanha, uma amarga luta de 15 anos entre o governo do chanceler Bismarck e a Igreja pelo controle das instituições e pela nomeação do clero.
Foram promulgadas leis anti-Igreja, escolas e hospitais foram apropriados, e condições impossíveis foram impostas aos padres. Muitos foram para a cadeia ou deportados. As congregações dos jesuítas, dos redentoristas e dos espiritanos foram dissolvidas e expulsas.
No fim, Bismarck teve que recuar, mas a influência católica generalizada na cultura alemã nunca se recuperou completamente.
Reações semelhantes à definição da infalibilidade, com efeitos menos extremos, ocorreram na Itália, Suíça, Rússia, Áustria e Estados Unidos. A Venezuela confiscou as propriedades da Igreja. A Colômbia fez o mesmo.
A reação deveria ter sido antevista. Se os diplomatas papais tivessem emitido qualquer aviso, Pio IX não estava ouvindo.
Os ultramontanistas estavam em campanha para dar ao papa uma infalibilidade absoluta.
Isso criou uma apreensão genuína entre os governos, colocando-os fortemente contra a Igreja antes do Concílio. Os governos com populações católicas significativas ficaram alarmados com o possível efeito de um edito infalível sobre a ordem pública ou a estabilidade nacional.
O príncipe Clodwig zu Hohenlohe havia expressado a opinião de que a infalibilidade papal elevaria o poder do papa acima do poder dos príncipes e do povo “em detrimento de ambos”.
Nas definições dogmáticas, os ultramontanistas não obtiveram tudo o que buscavam. A redação do dogma limitava a infalibilidade papal a questões de fé e moral. Também estabelecia algumas condições.
Naquele estágio, porém, de pouco adiantava explicar as condições a políticos nervosos.
Eles sabiam melhor do que a maioria com que facilidade a autoridade poderia ignorar ou contornar as condições, principalmente quando não há avenidas de apelação. Nenhum papa incitou os cidadãos à rebelião desde então, embora alguns bispos obstinados com um único tema tenham tentado dizer aos católicos como deveriam votar.
Sobre as questões religiosas, a infalibilidade foi invocada oficialmente em apenas uma ocasião – quando o Papa Pio XII definiu a Assunção de Nossa Senhora.
O papado, no entanto, também contornou as condições. Só o título já produz uma aura geral de infalibilidade, porque ninguém se incomoda com as letras pequenas. E o dogma gêmeo da jurisdição universal impossibilita desafiar o abuso.
Ao longo dos anos, cada vez mais coisas foram apresentadas como infalíveis, irreformáveis ou irrevogáveis.
Clérigos piedosos usam o termo infalibilidade de modo rasteira, mas isso parece creditá-lo com alguma validade.
Ensinamentos que não atendem às condições não são infalível e deveriam ser chamados com mais precisão de pseudoinfalíveis.
Certa ou errada, a pseudoinfalibilidade resiste à mudança. Ela tem um alto custo de manutenção. O Vaticano dá uma alta prioridade à defesa da pseudoinfalibilidade. A verdade às vezes ocupa o segundo lugar.
A combinação de juramentos de lealdade com a necessidade de defender a pseudoinfalibilidade levou alguns dos mais altos líderes da Igreja a recorrerem a meias-verdades, desvios e enganos deliberados.
Por exemplo, a encíclica Humanae vitae rejeitou as conclusões da Comissão Papal sobre o Controle de Natalidade, alegando que não havia unanimidade.
Mas a comissão havia sido unânime na questão principal, relatando um completo fracasso para encontrar uma razão para considerar a contracepção como “intrinsecamente má”.
A discordância surgiu sobre o plano de manter esse segredo, porque envolveria a modificação de um ensinamento papal anterior. O engano saiu pela culatra, com uma enorme perda de credibilidade para o papado.
Outro exemplo diz respeito à ordenação de mulheres.
O Papa Paulo VI transformou a prática da exclusão das mulheres em um ensino pseudoinfalível em sua correspondência de 1975 com o arcebispo de Canterbury, embora a Pontifícia Comissão Bíblica não tenha conseguido encontrar nenhum fundamento para isso no Novo Testamento.
Quando a Congregação para a Doutrina da Fé foi solicitada a encontrar um fundamento bíblico, eles o criaram. Sua declaração Inter insigniores, publicada no ano seguinte, se fundamentava em Marcos 3,13-14. Mas deturpava o versículo 14, porque uma tradução adequada arruinaria o argumento que estava sendo usado como fundamento.
Dezoito anos depois, a carta apostólica do Papa João Paulo II sobre o mesmo assunto, Ordinatio sacerdotalis, encontrou a mesma dificuldade com o mesmo versículo, de modo que simplesmente omitiu metade dele!
Esse é o último documento magisterial sobre o assunto e acaba definindo uma doutrina de que “a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres”.
O cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé na época, tentou tornar o documento do papa infalível, alegando que “a Igreja sempre possuiu essa doutrina”.
Mas isso não pode ser verdade. Se assim fosse, o Papa Pio XII não poderia ter autorizado a ordenação de mulheres, o que ele fez durante a perseguição à Igreja na Tchecoslováquia, quando os comunistas estavam caçando padres e mantendo homens solteiros sob uma restrita vigilância.
O segundo dogma – a jurisdição universal – responsabilizava o papa por praticamente tudo na Igreja.
Ninguém conseguia lidar com a carga de trabalho, então a Cúria Romana redescobriu a sua antiga ambição. Ganhou o controle efetivo dos bispos e, portanto, da Igreja.
O desejo burocrático normal pelo poder, combinado com os avanços nas comunicações, levou a um centralismo extremo. Isso garantiu que, quando os erros são cometidos, eles têm um impacto mundial e são difíceis de corrigir.
Os exemplos óbvios disso são o abuso sexual clerical e a crescente fome sacramental. Se esses problemas tivessem sido deixados aos bispos, alguns deles certamente teriam encontrado soluções.
Os dois dogmas, sem dúvida, fizeram mais mal do que bem e agora são o maior obstáculo à unidade cristã pela qual Jesus rezou. Mas eles são considerados irreformáveis e irrevogáveis. Isso por si só é a pseudoinfalibilidade.
Os teólogos sabem que existem várias fórmulas que permitiriam à Igreja se libertar. Apenas uma é necessária. O espaço não permite que elas sejam elucidadas aqui.
Os verdadeiros obstáculos, no entanto, são o orgulho, a falta de vontade da Cúria em comprometer a sua hegemonia e a incapacidade clássica de Roma de admitir que está errada.
Então, em vez de celebrar os dogmas, devemos fazer campanha e rezar pela sua reforma.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Infalibilidade, 150 anos: o que temos para celebrar? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU