15 Abril 2014
Está retornando um culto da personalidade dos papas? A pergunta surge prepotentemente no momento em que Roma (e o mundo da rede e das telas de televisão) se prepara para o megashow da dupla santificação de João XXIII e João Paulo II, celebrada por outra estrela midiática como o Papa Francisco.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 13-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Algumas dúvidas também surgem no campo católico, e não apenas hoje. O cardeal Silvio Oddi, falecido em 2001, e prefeito da Congregação para o Clero, na primeira metade dos anos 1980, se sentia desconfortável – embora certamente sendo conservador – quando ouvia falar de projetos para levar um pontífice aos altares. "Se realmente é preciso fazer isso, então canonizemo-los todos uma vez a cada século, e não se fale mais disso".
Mais recentemente, uma personalidade como Carlo Maria Martini tinha levantado sérias dúvidas sobre a necessidade de proclamar santo Karol Wojtyla. Não é fofoca, é o que transparece das atas secretas do processo de canonização do pontífice polonês, como relatado pelo historiador Andrea Riccardi no seu último livro sobre La santità di papa Wojtyla. Com o amor pelas nuances típico do seu pensamento, Martini afirma que "ele era um homem de Deus, mas não é necessário fazê-lo santo", expressando dúvidas sobre a sua escolha "nem sempre feliz" de colaboradores e sobre a decisão de não se retirar quando o Parkinson incidiu fortemente sobre o seu corpo.
Na história da Igreja Católica, a tendência de unir o supremo poder papal à santidade seguiu movimentos oscilantes. Nos primeiros séculos e por quase 700 anos, ser papa e passar para o calendário dos mártires e dos santos era quase automático. Quem tomar nas mãos o anuário pontifício descobrirá que, de Pedro a São Félix IV papa, que morreu em 530, praticamente todos os pontífices são qualificados como santos. E novamente, por mais três séculos até Santo Adriano papa (que morreu em 885), a esmagadora maioria dos líderes supremos da Igreja Católica foi proclamada santa tout court.
Com alguns paradoxos. São Dâmaso (366-384), uma personalidade que contribuiu de maneira relevante para fazer crescer o prestígio da Sé Romana, era alguém que respondia prontamente quando se tratava de tomar o poder papal ou de defendê-lo. Na fase desordenada de uma nova eleição papal, durante o qual a Igreja de Roma se dividiu em duas facções, um grupo tinha eleito um certo Ursino. Dâmaso, que há muito tempo queria fortemente se tornar papa, com grupos armados com bastões, "abriu caminho rumo à basílica de Júlio e, por três dias, se entregou à louca alegria de massacrar fiéis. Depois de sete dias, cercado de clérigos desleais e de gladiadores, que havia conseguido oferecendo-lhes uma paga consistente, conseguiu defender a posse da Basílica de Latrão e ali recebeu a ordenação episcopal".
A entonação do relato é de um cronista claramente avesso a Dâmaso, mas a história das tropas de assalto, recrutadas entre gladiadores e cocheiros, é verdadeira. É como se hoje, durante um conclave, um candidato utilizasse os "serviços" dos radicais das torcidas de futebol para colocar na linha os eleitores contrários.
Mas a enunciação mais exaltada do nexo automático entre poder papal e santidade encontra-se no Papa Gregório VII, no fim do ano 1000. No seu Dictatus Papae, manifesto insuperável do culto do primado absoluto e universal do pontífice – ao qual todos os soberanos devem "beijar o pé" – está escrito que "o Pontífice Romano, quando ordenado canonicamente, sem dúvida, foi santificado pelos méritos de Pedro".
Na verdade, a Igreja Católica não seguiu esse caminho, e, por um milênio, ao título papal não foi acrescido a auréola da santidade. Uma das pouquíssimas exceções: a proclamação de Celestino, justamente o papa da "grande recusa", canonizado 20 anos depois da sua morte pela grande fama de santidade e integridade de que gozava.
A tentação de conceder a auréola aos romanos pontífices, paradoxalmente, ressurgiu no século XX, quase como um antídoto às crescentes dificuldades da Igreja diante do avanço da modernidade e da dessacralização da sociedade. Pio X, grande adversário do modernismo, é o primeiro papa do século XX levado à glória dos altares. Ele é o protagonista de um esforço de reorganização da Igreja com a catequese, a promulgação do Código de Direito Canônico, a reforma da Cúria Romana e das suas estruturas financeiras. Mas faz parte do jogo o fato de ele ter encorajado também uma rede de espionagem, o "Sodalitium Pianum", formada por eclesiásticos que investigavam padres e teólogos modernos demais.
Não é por acaso que a proclamação a santo foi celebrada por Pio XII, que visava a recristianizar a sociedade ocidental depois da catástrofe da Segunda Guerra Mundial. Pio IX, beatificado no ano 2000 por João Paulo II, está quase alcançando a meta, mas ninguém sabe se ele conseguirá. Por ordem sua, em 1858, foi removido da família pela polícia pontifícia em Bolonha o pequeno Edgardo Mortara, que tinha sido batizado às escondidas por uma empregada. Apesar do escândalo internacional, o pontífice insistiria que lhe fosse dada uma educação católica.
Em 1868, Pio IX fez com que fossem guilhotinados Gaetano Tognetti e Giuseppe Monti, autores de um atentado contra o domínio pontifício. No Concílio Vaticano I, ele impôs a proclamação do dogma da infalibilidade papal através de uma manipulação planejada da liberdade dos Padres conciliares. Demais para quem deveria ser um modelo para os fiéis.
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O velho vício dos papas: santificar-se entre si - Instituto Humanitas Unisinos - IHU