13 Julho 2020
"Medo e ameaça, depressão e decadência, por uma parte, ascensão e riqueza, prosperidade e crescimento, por outra, constituem terreno fértil para oportunistas e oportunismos de toda sorte. Nos fracassos ou nos sucessos extremos, abrem-se generosas brechas para desvios, suborno e corrupção. Disso resulta que a crise brasileira, elevada à máxima potência devido ao quadro macabro da pandemia, tende a favorecer não apenas a polarização que se exacerbou nas últimas décadas, mas de forma particular os que detêm as rédeas do poder, com seus instrumentos e mecanismo de coação", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais e vice-presidente do SPM.
O problema número um do presidente Jair M. Bolsonaro e de seu governo não são as forças de oposição, os partidos de esquerda, os movimentos sociais, as organizações governamentais ou o fantasma do comunismo – como tenta fazer crer sua tribo de fanáticos. O problema número um do presidente atual, que lhe custa tantas dores de cabeça e tantas energias, não é senão o próprio bolsonarismo – uma cobra criada e alimentada dentro de casa.
Cobra que divulga mentiras, provoca atritos e destila veneno, da mesma forma que os raios, os trovões e as nuvens prometem chuva. O objetivo principal é manter a agressão permanente e acesa. No cenário da batalha, os campos são nítidos, taxativos, precisos. Amigos de um lado e inimigos do outro, partem cegamente para a luta frontal, aberta e direta. Reduz-se a zero as complexas etapas do espectro entre a paz e a guerra. Evita-se a lenta e laboriosa tarefa das negociações, dos argumentos, de uma racionalidade que parece não ter contornos definidos. Avançar, atirar, recuar, atacar pelos flancos, avaliar a munição e o poder de fogo, verificar a correlação de força – tudo é exato, calculado, matemático.
Não há espaço para conversações inócuas nem para o diálogo tedioso, e menos ainda para as regras e instâncias da democracia. É nesse campo minado que os nacionalistas de extrema direita se sentem à vontade, como se estivessem em casa. Em tempos de crise, de caos e de pânico, com a insegurança e a instabilidade batendo à porta, o eleitor é levado a votar nos propagadores da ordem, nas forças da repressão. Ação pronta e enérgica, em lugar de um prolongado entendimento recíproco! Pouco importa o preço a pagar. Evidentemente, em qualquer tipo de confronto, algumas vidas sempre devem ser sacrificadas. Prevalece, porém, a perversa aposta do “quanto pior, melhor”!
A década de 1930 é um retrato vivo desse tabuleiro de aposta. Crash da bolsa de Wall Street, em New York, no ano de 1929 – seguido de falências múltiplas e bancarrota generalizada, extensiva aos quatro cantos do globo. O mundo todo sofre os reflexos perniciosos de uma crise profunda do sistema capitalista. Milionários de renome, de uma hora para outra, veem-se transformados praticamente em mendigos. Qual o resultado? Uma série de governos de direita, eleitos pelo voto popular, os quais, dez anos depois – sob as bandeiras do fascismo e do nazismo – levarão o mundo à mais trágica das conflagrações, incluindo as câmaras de gás do holocausto, a bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki, para não falar das vítimas dos pelotões de fuzilamento no stalinismo. Na tragédia, os mortos e feridos contam-se às dezenas de milhões, manchando o século XX com uma das piores barbáries da humanidade.
Medo e ameaça, depressão e decadência, por uma parte, ascensão e riqueza, prosperidade e crescimento, por outra, constituem terreno fértil para oportunistas e oportunismos de toda sorte. Nos fracassos ou nos sucessos extremos, abrem-se generosas brechas para desvios, suborno e corrupção. Disso resulta que a crise brasileira, elevada à máxima potência devido ao quadro macabro da pandemia, tende a favorecer não apenas a polarização que se exacerbou nas últimas décadas, mas de forma particular os que detêm as rédeas do poder, com seus instrumentos e mecanismo de coação. O clã Bolsonaro, com sua seita de partidários, está consciente de que, em termos de processo eleitoral, possui maiores chances se operar sobre as cinzas, as ruínas, os escombros e até sobre os cadáveres anônimos de tantos caídos.
Semelhante raciocínio ao mesmo tempo vela e desvela a inércia, o descaso, a indiferença, o desmonte de políticas públicas sérias e sadias e mesmo o deboche diante do número espantoso de infectados por coronavírus. “E daí? Lamento! Mas todos têm que morrer um dia”! Com as forças de oposição adormecidas e com o cidadão duplamente pressionado pela crise econômica e pelo Covid-19 – está lançada a aposta!
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Aposta Macabra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU