A velha e nova polarização entre esquerda e direita. Entrevista especial com Maria Cláudia Moraes Leite

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Por: João Vitor Santos | Edição: Patricia Fachin | 07 Setembro 2018

Apesar de quase seis décadas separarem dois momentos políticos que marcaram a história do país, o golpe militar de 64 e o impeachment da ex-presidente Dilma em 2016, é possível “estabelecer algumas aproximações entre esses dois períodos, a década de 1960 e os dias de hoje”, afirma a historiadora Maria Cláudia Moraes Leite à IHU On-Line. Ela explica: “É inegável que nessas duas décadas a democracia sofreu um golpe: civil-militar em 1964 e parlamentar em 2016. O primeiro rompeu significativamente com a democracia; o segundo, parcialmente. Os dois golpes destituíram presidentes eleitos democraticamente e contaram com o apoio de setores liberais e conservadores da sociedade civil”. As consequências desses dois momentos políticos, pondera, são distintos. “Não tivemos em 2016 a instituição de uma ditadura nem o desmantelamento do Congresso Nacional com a cassação de inúmeros políticos. Por outro lado, a divisão da sociedade polarizada entre esquerda e direita pode-se dizer que é semelhante nas duas ocasiões, embora o contexto global na qual estão inseridas seja bem diferente”.

Maria Cláudia Moraes Leite esteve no Instituto Humanitas Unisinos - IHU na quinta-feira, 06-09-2018, ministrando a palestra “A Campanha da Legalidade e Leonel Brizola antes e depois do exílio”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ela comenta alguns aspectos da trajetória política de Leonel Brizola e sua atuação na Campanha da Legalidade e na cena política dos anos 1960. Segundo ela, a Campanha da Legalidade demonstra que “era contra mais uma investida de golpe que Brizola se articulava na tentativa, exitosa, de conter o avanço de forças liberais e conservadoras da sociedade brasileira”.

Maria Cláudia Moraes Leite é graduada e mestra em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, e atualmente faz doutorado na mesma área, também na UFRGS. Seu tema de pesquisa é o exílio no contexto das ditaduras militares do Cone Sul. Atualmente trabalha na Universidade Federal das Ciências da Saúde de Porto Alegre.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como a senhora apreende a figura de Leonel de Moura Brizola?

Maria Cláudia Moraes Leite - Brizola é com certeza uma figura ímpar na política brasileira. Não há quem não o conheça, concordando ou não com os ideais pelos quais ele lutava. Ao longo dos anos em que estudei sobre o seu exílio, pude perceber que o Brizola político era uma extensão do Brizola pessoa. Havia muita verdade naquilo que ele fazia e falava, ele realmente acreditava no que dizia. O que não quer dizer que ele estivesse sempre certo, mas sim que não havia demagogia em suas ações. Brizola foi um homem sem medo de colocar em prática certas atitudes que não agradariam algumas parcelas da população — geralmente a elite —, mas que fazia o possível para pôr em prática o seu discurso. Sempre esteve ao lado do povo. Sempre lutou pela educação, tanto nos seus mandatos no Rio Grande do Sul quanto no Rio de Janeiro. Deixou seu legado e a certeza de que homens como ele não aparecem a toda hora na política. O desempenho ruim nas últimas eleições nas quais participou não diminui seus feitos, embora assinale que Brizola não estava conseguindo se enquadrar na política como antigamente. Talvez fosse a hora de repensar o trabalhismo.

IHU On-Line - Como compreender o contexto político que leva Brizola a se lançar no movimento da Legalidade?

Maria Cláudia Moraes Leite - O contexto político que leva Brizola a se lançar no movimento da legalidade é um contexto de crises políticas e tentativas golpistas que vinham desde a década de 1950. A radicalização política entre projetos distintos de sociedade, nesta época, tornou-se mais clara, especialmente depois da tentativa de golpe derrogada pelo suicídio do presidente Getúlio Vargas. A renúncia de Jânio Quadros abriu uma crise institucional e tomou o país de surpresa. O governo de Jânio já estava isolado politicamente e contava com uma feroz oposição do Congresso Nacional. Sua renúncia, no entanto, deixou exposta a veia golpista dos seus ministros militares que não queriam que João Goulart assumisse a presidência. Era contra mais uma investida de golpe que Brizola se articulava na tentativa, exitosa, de conter o avanço de forças liberais e conservadoras da sociedade brasileira. Vale lembrar que este contexto durou até o golpe civil-militar de 1964 quando, enfim, os setores conservadores barraram a radicalização democrática e puseram fim aos projetos de reformas sociais defendidos pelas esquerdas.

IHU On-Line - Qual é o maior legado da experiência de democracia vivenciado no contexto da Legalidade?

Maria Cláudia Moraes Leite - O maior legado é com certeza a manutenção da própria democracia. Qualquer coisa diferente da posse de João Goulart como presidente era tido como antidemocrático, uma vez que constava na constituição que, desocupada a vaga de presidente, quem deveria assumir era o vice. A luta de Brizola e da campanha da legalidade era simplesmente pela manutenção do estado democrático de direito — Brizola não estava disposto a aceitar um golpe vindo das Forças Armadas. Nota-se neste episódio que a democracia saiu quase intocada, não fosse pelo fato de Goulart submeter-se ao parlamentarismo como forma de governo.

IHU On-Line - Que relações podemos estabelecer entre o contexto político da década de 1960 e o Brasil de hoje?

Maria Cláudia Moraes Leite - O contexto político da década de 1960 era bem peculiar. O mundo estava dividido em um leste socialista e um oeste capitalista. Num contexto de guerra fria, despontava no Brasil a radicalização das esquerdas pela aprovação das reformas de base. O que podemos é estabelecer algumas aproximações entre esses dois períodos, a década de 1960 e os dias de hoje. É inegável que nessas duas décadas a democracia sofreu um golpe: civil-militar em 1964 e parlamentar em 2016. O primeiro rompeu significativamente com a democracia; o segundo, parcialmente. Os dois golpes destituíram presidentes eleitos democraticamente e contaram com o apoio de setores liberais e conservadores da sociedade civil. Apesar disso, o que se seguiu após o golpe foi bem distinto nestes dois momentos. Não tivemos em 2016 a instituição de uma ditadura nem o desmantelamento do Congresso Nacional com a cassação de inúmeros políticos. Por outro lado, a divisão da sociedade polarizada entre esquerda e direita pode-se dizer que é semelhante nas duas ocasiões, embora o contexto global na qual estão inseridas seja bem diferente.

IHU On-Line - Que transformações políticas Brizola sofreu ao longo de sua vida? Qual o impacto do exílio nessas transformações?

Maria Cláudia Moraes Leite - Ao longo de sua carreira, Brizola sofreu algumas transformações. Ele foi mudando na medida em que ganhava experiência e visibilidade com a sua política. A primeira grande transformação ocorre após o episódio da legalidade, no qual ele é alçado a uma liderança nacional, deixando de ser importante apenas no estado do Rio Grande do Sul. Podemos dizer que ganhou a eleição para deputado federal da Guanabara tendo por base a campanha de 1961 que levou João Goulart à presidência da República. Antes do golpe, ele era o principal nome da esquerda que pleiteava a aprovação das reformas de base. Com certeza o golpe, e consequentemente o seu exílio, barraram uma carreira em ascensão, porém fizeram Brizola seguir se transformando, se adequando para, a partir do exílio, lutar politicamente contra a ditadura.

IHU On-Line - Ainda mesmo antes do exílio, Brizola já se envolvia em disputas internas no PTB. Como compreender essas disputas e em que medida podemos afirmar que o exílio levou Brizola ainda mais à esquerda?

Maria Cláudia Moraes Leite - Ainda antes do golpe, Brizola já se envolvia em disputas internas no PTB, o que era normal de se esperar, tendo em vista que é difícil que todos dentro de um partido tenham a mesma visão sobre os fatos. Em relação às reformas de base, podemos colocar a disputa com San Tiago Dantas como exemplo dessas cisões no PTB. Enquanto San Tiago se posicionava a favor da aprovação das reformas de uma maneira democrática e dentro da lei, Brizola, radicalizando o discurso, se posicionava a favor da aprovação apesar do Congresso Nacional. Eram maneiras diferentes de olhar para a mesma questão. Quanto à questão do exílio, acredito que num primeiro momento Brizola virou mais à esquerda. Foi a época em que se envolveu com a luta armada na esperança de barrar o avanço da ditadura. Com o fracasso da Guerrilha de Caparaó, no entanto, Brizola volta a atuar mais politicamente, mantendo um diálogo com os políticos do MDB na tentativa de encontrar um meio de voltar ao país — algo que só aconteceu com a promulgação da lei da anistia em 1979.

IHU On-Line - É possível perceber a incidência do trabalhismo na vida política de Brizola? Por quê? E como observa o trabalhismo hoje?

Maria Cláudia Moraes Leite - Podemos dizer que a vida política de Brizola foi permeada pelo trabalhismo. Ainda no exílio, Brizola vislumbrou a chance de refundar o PTB e a base era trabalhista. O encontro em Portugal que deu origem à carta de Lisboa, documento depois considerado o fundador do PDT, reuniu os trabalhistas do exílio e os trabalhistas do Brasil. Brizola tinha a convicção de que os tempos eram outros e o trabalhismo não poderia ser o mesmo de antes do golpe, embora não abrisse mão da herança trabalhista daquela época. O novo trabalhismo possuía referências fundamentais em Getúlio Vargas e no governo de João Goulart, mas o grande elemento agregador foi sem dúvida a figura emblemática de Leonel Brizola.

IHU On-Line - Como tem acompanhado a conjuntura política atual, com vistas às eleições presidenciais? Quais serão os desafios do Brasil depois de outubro de 2018?

Maria Cláudia Moraes Leite - A conjuntura política atual está bem polarizada, com candidatos dispostos à direita e à esquerda — não muito diferente do que foi em 2014. A expectativa, agora, é para ver se o presidente eleito rompe com o projeto de Temer ou dá sequência ao seu trabalho. Vejo que os candidatos têm em suas plataformas de governo, propostas que definem bem suas posições. Acredito que o grande desafio do Brasil depois de outubro de 2018 será o de devolver aos brasileiros os direitos perdidos no decorrer de 2016 até agora. Não dá para imaginar o Brasil com os cortes na educação realizados no governo Temer, por exemplo. Houve muitas perdas em diversas áreas e espero que elas sejam reparadas.

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