03 Julho 2020
De Olho nos Ruralistas relatou em 2017 a venda de gado oriundo de fazenda em parque estadual; um dos sócios do político, ministro de Temer, integra esquema onde gado é transferido de fazendas ilegais para legais, comprado por grandes frigoríficos e exportado.
A reportagem é de Leonardo Fuhrmann, publicada por De Olho nos Ruralistas, 01-07-2020.
Ministro-chefe da Casa Civil durante o governo de Michel Temer (2016-2018), o ex-deputado Eliseu Padilha (MDB-RS) lucrou com a venda para grandes frigoríficos brasileiros de gado criado em áreas protegidas com histórico de desmatamento ilegal. A informação consta de documento do Greenpeace, em parceria com a Repórter Brasil. A notícia divulgada por grandes veículos passou despercebida, como se fosse um detalhe no meio dos textos.
Com base em dados do Ministério Público do Estado do Mato Grosso, De Olho nos Ruralistas mostra desde 2017 que a propriedade de Padilha em pleno Parque Estadual Serra Ricardo Franco, na fronteira entre Mato Grosso e Bolívia, tinha conexão com pelo menos um grande frigorífico: “Documentos mostram que Eliseu Padilha vendeu gado ilegal à JBS“. O político já sabia que se tratava de área pública: “Parque no MT já existia quando Padilha comprou fazendas no local“.
Por meio da empresa Jasmim Agropecuária e Reflorestamento, que tem Padilha e sua esposa, Maria Eliane Aymone Padilha, como sócios, o ex-ministro aparece como proprietário de duas fazendas localizadas dentro do parque estadual. Juntas, as propriedades somam 5,3 mil hectares dentro da unidade de conservação. Além do casal, a Rubi Assessoria e Participações, registrada em nome de ambos, também é sócia da Jasmim.
Desmatamento ligado à pecuária já dizimou um quarto
do Parque Estadual Serra Ricardo Franco.
(Imagem: Greenpeace)
O Estadão informou no fim de 2016 que o ministro tivera os bens bloqueados por crime ambiental.
Segundo o estudo, boa parte do desmatamento ocorreu depois da criação do parque, em 1997, e continuou mesmo após o Ministério Público do Mato Grosso (MPMT) ter conseguido uma liminar em 2016 para bloquear R$ 38,22 milhões da empresa, com o objetivo de garantir a reabilitação da área destruída. Na época, Padilha era ministro.
Nas duas fazendas, a Cachoeira e a Paredão I, a empresa do casal Padilha aparece como sócia de Marcos Antônio Assis Tozzati, antigo assessor do ex-ministro. Através da Agropecuária Paredão, Tozzatti tem ainda outra propriedade de 1,2 mil hectares, a Paredão II. Ele foi denunciado por crime ambiental dentro do parque, após fiscais constatarem a supressão, entre 2016 e 2017, de 536 hectares de vegetação nativa, além da manutenção de um depósito de madeira clandestina dentro da fazenda.
Tozatti é citado nas investigações como responsável pela “lavagem” do gado. Entre abril de 2018 e junho de 2019, ele transferiu 4 mil cabeças de gado de dentro do parque para outra fazenda de sua propriedade, a Barra Mansa, localizada fora dos limites da Serra Ricardo Franco. Com a mudança de endereço, o gado não aparecia mais como criado em área de desmatamento e pôde ser vendido para grandes frigoríficos, como Minerva, Marfrig e JBS que, por sua vez, exportaram a carne para países da União Europeia e para compradores em Hong Kong, Emirados Árabes Unidos, Turquia, entre outros.
Gado criado ilegalmente em fazendas de Padilha foram transferidos para imóvel fora da UC. (Imagem: Greenpeace)
Devastado pela empresa de Padilha, o Parque Estadual Serra Ricardo Franco possui papel importante na preservação ambiental no estado. Criado em 1997, ele tem 158 mil hectares e fica localizado na divisa com a Bolívia, em um hotspot de biodiversidade gerado pelo entroncamento de três biomas: Amazônia, Cerrado e Pantanal. A sua área é importante para a preservação de recursos hídricos e para a movimentação de espécies da fauna nativa, como o tamanduá-bandeira, a ariranha e o pássaro caboclinho-do-sertão, ameaçados de extinção.
Do gabinete da Casa Civil, Padilha liderou o lobby de fazendeiros pela extinção do parque. Ao todo, 71% da área da Serra Ricardo Franco é reivindicada por produtores rurais, em sua maioria pecuaristas. Cerca de 38 mil hectares, um quarto da área total, já foram devastados, sendo 13 mil hectares depois de sua criação.
Em 2017, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso aprovou em primeira votação um decreto legislativo para revogar o decreto que instituiu a unidade de conservação. A proposta acabou não prosperando graças à mobilização da sociedade civil, levando o governo do Mato Grosso a firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público garantir a recuperação da área do parque.
No ano seguinte, em abril de 2018, o MPMT notificou a Procuradoria Geral do Estado por descumprimento da medida, acionando o então secretário de Meio Ambiente, André Luiz Torres Baby, o ex-vice-governador, Carlos Fávaro (PSD), e outras cinco pessoas por obstruírem a fiscalização no parque.
Baby foi preso em dezembro de 2018 durante a Operação Polygonum, apontado como líder de um esquema de fraudes no Sistema Mato-Grossense de Cadastro Ambiental Rural (Simcar). Após ser exonerado do cargo pelo governador Pedro Taques (Solidariedade), o processo contra o secretário foi arquivado. Ex-presidente da Aprosoja, Fávaro assumiu em abril mandato-tampão no Senado após a cassação da juíza Selma Arruda (PSL-MT).
Articulador do governo Temer, Padilha se beneficiou de medidas pró-agronegócio. (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)
O caso de “lavagem de gado” não é a única irregularidade em que o nome de Padilha aparece ligado ao da JBS. Em 2018, Francisco Assis e Silva, diretor jurídico da J&F, controladora do frigorífico, afirmou, em delação premiada, que Padilha, Temer e Geddel Vieira Lima — ministro preso por corrupção e também ligado ao universo agrário — tentaram comprar o silêncio de Lúcio Bolonha Funaro, apontado como operador financeiro do MDB.
Joesley Batista, um dos sócios da empresa, gravou uma conversa fora da agenda que teve com Temer dentro do Palácio do Jaburu. Nela, segundo o empresário, Temer pedia a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, líder do PMDB que já estava preso por corrupção.
Junto com Minerva e Marfrig, a JBS esteve entre as signatárias do TAC da Carne de 2009, um programa ambicioso que busca otimizar os sistemas de monitoramento de fornecedores diretos e indiretos, excluindo da cadeia de suprimento dos frigoríficos aqueles vinculados a desmatamento, uso de trabalhadores em condição análoga à escravidão e/ou invasão de terras indígenas e unidades de conservação.
A compra de animais de fazendas localizadas dentro do Parque Estadual Serra Ricardo Franco, no entanto, continuou. Em 2017, após requerimento do MPF, a JBS afirmou, em entrevista ao jornal britânico The Observer, que havia suspendido as operações com fazendas indiciadas. As falhas recorrentes no monitoramento da cadeia produtiva dos frigoríficos levaram o Greenpeace a abandonar o TAC da Carne.
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Greenpeace mostra como Eliseu Padilha forneceu carne de áreas desmatadas para JBS, Marfrig e Minerva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU