26 Mai 2020
“E que fique claro que os bispos sucedem os apóstolos de Jesus, não somente na doutrina, mas também na forma de vida. Porém, cabe na cabeça humana que homens elevados a tal status, com seus palácios, títulos, vestimentas, seus não poucos privilégios... sucedam a aqueles primeiros 'seguidores' de Jesus, os quais nos fala o Evangelho? Não esqueçamos nunca que a 'forma de viver' é também uma 'forma de ensinar'”, escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado por Religión Digital, 23-05-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Como se sabe, alguns bispos pediram formalmente, às mais altas autoridades da Igreja, para que se suprima o uso litúrgico da “mitra”, que cobre a cabeça dos bispos, cardeais, abades (mitrados) e não sei se outros altos cargos eclesiásticos.
Cardeal Raymond Leo Burke. Foto: Religión Digital
Não li o documento original dos bispos alemães. Independentemente dos motivos de parte do episcopado alemão pedir a abolição da mitra episcopal, quero dizer – e deixar o mais claro possível – que não apenas estou inteiramente de acordo com a petição, mas que também penso se tratar de um assunto mais importante do que parece à primeira vista.
Por que desta importância? Este assunto pode ser analisado desde o ponto de vista meramente histórico. E isso já, por si só, dá luz para justificar o razoável que é o pedido do episcopado alemão. Porém, penso que a história da mitra episcopal não é o mais importante nesse assunto. Ainda que a história da indumentária clerical seja eloquente. O mais básico desta história pode se encontrar na internet ou na Enciclopédia Britânica.
Vitral da Catedral de São Pedro, Wormser, Alemanha, descrevendo o papa Leão IX. Créditos: Religión Digital
Mas, segundo o que penso, o mais eloquente, nesse assunto, é o significado de semelhante indumentária litúrgica. Por quê? Muito simples: porque, afinal, a mitra é um ornamento senhorial, que os bispos começaram a utilizar – de forma mais generalizada – a partir do ano 1048, no começo do pontificado do papa Leão IX, “fortemente condicionado pelo cardeal Humberto da Silva Cândida” (cf. W. Ullmann, “Card. Humbert and the Ecclesia Romana”, en Studi Gregoriani, vol. IV, pg. 111-127).
Claro, um historiador bem documentado colocará esses dados nos marcos pertinentes, para conhecer melhor sua origem e o que os bispos cristãos pretenderam ao endossar esse ornamento. Eram outros tempos e a cultura daquele tempo seguramente o requeria. Em todo caso, é inquestionável que os mais altos dirigentes da Igreja, ao colocarem essa vestimenta, deram um passo a mais em seu crescente distanciamento do mandato que o Senhor Jesus impôs aos primeiros apóstolos, quando os mandou como pobres, sem dinheiro, nem vestimenta alguma que os distinguisse dos pobres (Mt 10, 7-8par). Como sabemos que Jesus censurou duramente aqueles que imitavam os letrados, precisamente pelas vestimentas que usavam (Mc 12, 38-40 par).
Ademais, sabemos que os bispos, durante a Idade Média, não tiveram escrúpulos ao assumir títulos, vestimentas e privilégios que levassem a Igreja a assumir um “aspecto senhorial”, que, em não poucos casos, alcançou manifestações inimagináveis. Neste sentido, recomendo a leitura de um estudo básico e breve (porém muito eloquente) de Yves Congar: “Por uma Igreja servidora e pobre” (Salamanca: Editora San Esteban, 2014).
A Igreja é “apostólica” porque nela é constitutivo atualizar, mediante o episcopado, que ela é a sucessora dos apóstolos. E que fique claro que os bispos sucedem os apóstolos de Jesus, não somente na doutrina, mas também na forma de vida. Porém, cabe na cabeça humana que homens elevados a tal status, com seus palácios, títulos, vestimentas, seus não poucos privilégios... sucedam a aqueles primeiros “seguidores” de Jesus, dos quais nos fala o Evangelho? Não esqueçamos nunca que a “forma de viver” é também uma “forma de ensinar”.
Papa Bento XVI. Foto: Religión Digital
Eu gosto da Igreja e respeito os bispos. Contudo, precisamente por isso, porque é algo que me interessa muito e eu a quero com toda minha alma, exatamente por isso digo e peço que nossos bispos tenham tal presença em nossa sociedade, que, por isso, precisamente não colaborem com a ausência dos muitos cidadãos que abandonam a Igreja.
Termino pensando nos tantos bispos santos, autênticos santos e homens exemplares até a morte, que honraram a Igreja e foram fiéis ao Evangelho de forma exemplar. Mas, precisamente porque recordo de tais homens, por isso peço aos bispos que, no mínimo, usem uma vestimenta que não chame a atenção, nem espante o povo que entra em nossos templos.
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“Peço aos bispos que usem uma vestimenta que não chame a atenção, nem espante o povo”, insta José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU